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Ação pede indenização a atingidas pelo crime da Samarco/Vale-BHP

Valor destinado a cada mulher deverá ser de R$ 135,5 mil (danos materiais) mais R$ 36 mil (morais) 

Indenização mínima de R$ 135,5 mil para cada mulher atingida pelo crime da Samarco/Vale-BHP por danos materiais causados pela violação sistemática aos direitos humanos; R$ 36 mil pelos danos morais sofridos; e, pelo menos, R$ 3,6 bilhões pelos danos morais coletivos. É o que requer uma ação civil pública ajuizada contra a Fundação Renova e as mineradoras nessa sexta-feira (21), na 4ª Vara Federal de Belo Horizonte. 

O processo é assinado pelo Ministério Público Federal (MPF), Ministérios Públicos de Minas Gerais (MPMG) e do Espírito Santo (MPES), Defensoria Pública da União (DPU), e Defensoria Pública de Minas (DPMG) e do Estado (DPES). O objetivo, apontam, é responsabilizar as empresas pelos danos às mulheres atingidas no procedimento de reparação de danos decorrentes do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), em novembro de 2015.

Baseada em uma perspectiva de combate à violência de gênero, a ação demonstra, por meio de relatórios e documentos, que as mulheres foram invisibilizadas e, portanto, prejudicadas por uma série de violações de direitos empreendidos pelas empresas e executado pela Fundação Renova, durante o cadastramento e o processo de reparação de danos. Ela segue a linha do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero formulado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cujas diretrizes se tornaram obrigatórias desde 14 de março de 2023.
Conforme consta na ação, o processo de reparação reproduz violências de gênero, reforçando-as e também aprofundando. “Em outras tintas, as deficiências no processo de reparação dos danos, a cargo da Fundação Renova, resultaram no agravamento da situação de vulnerabilização das mulheres atingidas pelo maior desastre tecnológico da história do Brasil. A invisibilidade do trabalho das mulheres, tema profundamente arraigado na sociedade e que engloba diferentes tipos de trabalhos, indo desde atividades domésticas não remuneradas até tarefas que historicamente estão associadas aos homens, também ocorreu no processo de reparação”.
O documento menciona um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) que mostra que as mulheres, antes do crime socioambiental, exerciam diferentes profissões como feirantes, agricultoras, pescadoras, cabeleireiras, sofrendo, portanto, uma série de prejuízos. “Mesmo sendo valorizadas pela sociedade por atuarem nestes setores, não estão contempladas pelo processo de reparação”, destaca a ação.
O relatório da FGV, com dados da Ouvidoria da Fundação Renova, aponta, ainda, aumento da sobrecarga doméstica, ligado a conflitos familiares e à saúde mental dos atingidos. “Para se ter uma ideia, dos 154 casos com relatos sobre questões de saúde mental, 71,4% também informam problemas de sobrecarga doméstica, muitos deles, inclusive, associando o desenvolvimento de determinada doença mental – depressão, na maioria dos casos – às dificuldades associadas aos cuidados e afazeres domésticos”.
O documento também aborda o tema violência doméstica, fazendo uma ligação entre seu aumento e a situação de desigualdade no acesso aos recursos da reparação da Renova. De acordo com a ação, há um total de 34 relatos para conflitos familiares, 44 para pedidos de desmembramento do AFE e 15 indicando situações de conflitos familiares e violência doméstica.

Em um dos exemplos citados, “a vinculação entre o recebimento do auxílio e o cometimento da violência física é exposta de forma explícita na fala do próprio agressor, que ameaça e agride fisicamente a sua companheira com a justificativa de que teria o dinheiro fruto do auxílio guardado para pagar a fiança”.

Além disso, dados fornecidos pela Fundação Renova demonstram que, mesmo tendo um cadastro integrado, realizado por ela mesma, com quantitativo semelhante entre homens e mulheres, há reduzida participação da mulher já na oitiva para levantamento de dados primários. “Apenas 39% das pessoas entrevistadas eram do gênero feminino e apenas 34% de mulheres foram elencadas como responsáveis economicamente pela casa”, descreve a ação.
As instituições de Justiça destacam a importância do cadastro, lembrando que ele representa a porta de entrada da Fundação Renova para os 41 programas de reparação ambiental e socioeconômica. “Assim, a ausência de participação das mulheres na coleta de dados na base da reparação trouxe efeitos danosos de caráter excludente e invisibilizador da realidade das mulheres antes e depois do desastre”, observam.
Pedido liminar
A ação requer que as mineradoras e a Fundação Renova promovam, emergencialmente, a atualização, revisão e correção do cadastro de todas as mulheres cadastradas ou com solicitações de cadastro pendentes, a partir de requerimentos individualizados já apresentados e a serem apresentados pelas mulheres atingidas. O objetivo é possibilitar a inclusão ou retificação de toda informação que seja necessária para fundamentar a sua elegibilidade e permitir o acesso direto ao Auxílio Financeiro Emergencial (AFE), ao Programa de Indenização Mediada (PIM) e ao Sistema Indenizatório Simplificado (Novel).
Entre os pedidos de caráter liminar, estão ainda: que as empresas apresentem em juízo todas as manifestações formalizadas na Ouvidoria da Fundação Renova e promovam a atualização, revisão e correção do cadastro de todas as mulheres atingidas; que permitam a todas as mulheres cadastradas na Fase 01, prioritariamente, o acesso imediato ao AFE, PIM e Novel, de modo a sanear as informações pendentes para o correto enquadramento na categoria pleiteada pela mulher; e que realizem o pagamento integral, inclusive retroativo e atualizado, de todas as verbas devidas e não recebidas pelas mulheres atingidas.
Luta antiga
Uma das principais injustiças de gênero, já identificadas naquela época, se davam na definição do valor do auxílio emergencial e das indenizações das mulheres, que sofriam com uma maior perda de renda em relação aos homens.

“Um dos motivos pelos quais a gente acredita que há essa exclusão no processo de reparação em relação aos auxílios emergenciais e indenizações, é que a característica do trabalho que a mulher realiza é mais marcado pela informalidade. Ela não possui carteira assinada, contrato de trabalho ou recibo, então não consegue comprovar sua atividade econômica e renda para a Fundação Renova”, relatou, na ocasião, a defensora pública do Espírito Santo Mariana Andrade Sobral.

Como exemplo, ela ressaltou as artesãs. Em Baixo Guandu, essa falha prejudicou centenas de mulheres. Somente a associação de artesãs do município tem mais de 200 mulheres. Há também as faxineiras de pousadas e casas de veraneio de Regência, que não possuem carteira assinada, mas que tinham renda fixa gerada pelo turismo na vila, e as marisqueiras, que limpavam peixe para seus companheiros, seus pais ou outras pessoas da comunidade.
“Elas recebiam por aquele trabalho, mas não conseguem comprovar pela matriz de danos da Fundação Renova”, disse Mariana, que protestou: “existem outros meios de comprovar”, afirma, citando a autodeclaração, testemunha ou declaração de pessoas da comunidade, visto que se tratam de comunidade via de regra pequenas e tradicionais, onde todos se conhecem. “Então a forma de comprovação exigida dentro do escritório não se adequa à realidade daquelas famílias”, conclui.

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