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Agenda climática sem abordagem socioambiental não traz os resultados necessários

ES ignora recomendações internacionais sobre recuperação ambiental e comunidades tradicionais, alerta ambientalista

Reprodução

“A questão agora não é mais…’como limitar o aumento da temperatura da Terra para impedir o desastre’, mas sim… ‘como construir resiliência – física, moral, emocional, econômica e ambiental – para que possamos apoiar as gerações futuras dentro do que está por vir’. O desabafo da jornalista, escritora, palestrante e defensora ambiental Karina Miotto, feito dias após o fim da COP-27, em novembro passado, resume um drama tão inegável quanto invisibilizado pelas agendas climáticas dos governos e grandes corporações empresariais: fracassamos, já estamos sofrendo as consequências desse fracasso e o preço mais caro da tragédia quem paga são as populações mais pobres e vulneráveis.

No Espírito Santo, os efeitos dessa postura dos donos do poder e do dinheiro no mundo são sentidos todos os anos. Neste verão de 2023, municípios de todas as regiões padecem, com milhares de desabrigados e desalojados, milhões em prejuízos. Nesta quinta-feira (26), a Defesa Civil Estadual contabiliza mais de 4,4 mil vítimas, metade delas em Mimoso do Sul, no sul do Estado, que recebeu visita do governador Renato Casagrande (PSB) nesta quarta-feira (25).

Na quinta-feira, Casagrande cumpre agenda em Brasília com o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o presidente Lula (PT), onde vai tratar da pauta climática – parque eólico offshore e mercado de carbono – ao lado de obras de infraestrutura e autorização para a Zona de Processamento de Exportações (ZPE) de Aracruz, no norte do Estado.

O governador capixaba lidera as discussões sobre clima desde o tempo de senador, quando encabeçou a elaboração da Política Nacional de Mudanças Climáticas, lembra o cientista político e ambientalista José Marques Porto. Hoje, preside a Coalização Brasil Verde e coordena a Coalizão Governadores pelo Clima, formalizados na última Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP), no Egito.

Ou seja, lidera um movimento que, mundialmente, está muito aquém das necessidades das pessoas, dos povos tradicionais e da natureza. O mercado de carbono e a multiplicação de usinas de energia renovável são o aspecto mais raso da questão, o único que as grandes corporações e governantes conseguem ver como economicamente viável.

Passadas quase três décadas de realização das COPs – a primeira foi em 1995, na Alemanha – nenhum dos acordos foi cumprido pelos países signatários, mesmo sendo acordos tão rasos, e nenhuma de redução dos gases de efeito estufa foi alcançada. A emissão de carbono continua crescente, alcançado recordes ano após ano e a sanha poluidora continua em ascensão.

O único encaminhamento acordado é o de continuar crescendo as emissões, extraindo mais petróleo – e até carvão, como a Alemanha aprovou o retorno, recentemente, em função da guerra na Ucrânia – e compensando as emissões crescentes com aumento dos monocultivos exóticos e outras estratégias de mercado. Os parques eólicos e solares também entram nesse bojo, com grandes projetos sendo celebrados. Mas todas essas ações, invariavelmente, desconsideram os povos tradicionais que vivem nos territórios onde os empreendimentos estão instalados ou pretendem se instalar.

Socioambiental negligenciado

No Espírito Santo, a ZPE e outras indústrias se expandem desconsiderando os mais elementares acordos internacionais e locais de proteção dos direitos de indígenas e pescadores artesanais e o deserto verde de eucaliptais da multinacional Suzano (ex-Fibria, ex-Aracruz Celulose) avança sobre o território tradicional quilombola, sem que qualquer agente público ordene o conflito fundiário, protegendo as comunidades, que aguardam a titulação de suas já certificadas.

O Plano de Agricultura de Baixo Carbono (Plano ABC) do Espírito Santo, por exemplo, cuja primeira versão (2014-2020) traz a papeleira como “parceira no alcance de resultados e ações” e tem como uma das metas, a “Ampliação da Cobertura Florestal”, porém, ao subdividi-la, têm-se 15 mil hectares de “Florestas nativas recuperadas”, 42 mil ha de “Florestas Plantadas Recuperadas”, sendo (12 mil de SAFs de seringueira e cacau e 30 mil de eucaliptais.

“O Governo do ES não tem política pública socioambiental e climática”, arremata Porto, testemunha e colaborador do processo de construção da Lei e do Fórum Capixaba de Mudanças Climáticas, mas hoje evadido desses espaços por profunda decepção com os rumos tomados.

“A Política Estadual de Mudanças Climáticas é uma Lei sem engenharia constitucional. É uma Lei genérica, não tem metas, prazos, incentivos, punições”, expõe, quase que repetindo a descrição já tantas vezes feitas em Século Diário em relação aos Termos de Compromisso Ambiental (TCAs) firmados entre o governo do Estado e as poluidoras Vale e ArcelorMittal, esta, a responsável por um terço de todos os gases de efeito estufa (GEEs) emitidos pelo Espírito Santo, sem falar em poluentes que trazem prejuízos diretos à saúde da população do entorno.

“Renato [Casagrande] está no terceiro mandato. Quando assumiu o primeiro mandato, a atual Política Estadual de Mudanças Climáticas havia sido promulgada um ano antes, em 2009. E ele enterrou o Fórum Capixaba de Mudanças Climáticas, não teu prosseguimento a nada, mesmo tendo liderado da Política Nacional de Mudanças Climáticas. Nós tivemos esse tempo todo para preparar as cidades, mas nada foi feito!”, critica o ambientalista.

“Não existe um sistema de drenagem numa cidade como Mimoso do Sul capaz de drenar uma chuva de 150 mm. Nada estruturante foi feito. Agora que ele está falando em fazer obras. Falta projeto, programa orçamento, vontade política para fazer as coisas que a gente sabe que precisam ser feitas há tantos anos”, complementa.

A movimentação nacional e internacional, observa, “não em lastro em ações” e configura a velha “maquiagem verde, greenwashing”. “Quando você vê um Felipe Rigoni [União] na Seama, um deputado que sempre seguiu a pauta do agronegócio, que apoia liberação de agrotóxicos, de exploração de sal-gema, e quando não vê sinal da saída do Alaimar Fiuza [presidente do Iema, nomeado depois de uma carreira de trinta anos na Vale] … Não existe gestão socioambiental e climática no Iema nem na Seama [Instituto e Secretaria Estaduais de Meio Ambiente e Recursos Hídricos]”, acusa.

Nesse cenário de tragédia, lamenta Porto, os mais pobres continuam negligenciados. “Os pobres do Espírito Santo moram dentro dos rios ou nas encostas ou dentro do mangue. E não há nenhuma ação para retirar as pessoas das áreas de risco. Reconstruíram Iconha com os banheiros novamente jogando esgoto dentro do rio. E assim com todas as outras cidades devastadas por enchentes recentes”, critica.

“Tem enchente e a população fica sem água potável, porque os rios no Espírito Santo não têm mata ciliar e quando chove, grande quantidade de terra e lama vai para os corpos d´água”. Ainda assim, não há previsão de grandes obras de recuperação das áreas naturais, aponta Porto.

Soluções baseadas na natureza

“Precisamos de soluções baseadas na natureza. Não tem saída somente com asfalto e concreto. A saída é recuperar a natureza, os ecossistemas, os manguezais, as matas ciliares, as encostas, as restingas. Eu não consigo entender, falta emprego nas cidades, muitas pessoas desempregadas, porque, é o que o mercado diz, não têm qualificação. Qual a dificuldade de ensinar a fazer uma muda de espécie nativa, a recuperar um solo degradado? Não é difícil, com uma boa parceria público-privada, empregando as pessoas nessas atividades, tirando da informalidade, do tráfico de drogas. Precisamos tirar as pessoas de dentro dos rios, do Formate, Jucu, Aribiri, Jacaraipe … As APPs [Áreas de Proteção Permanente] estão ocupadas irregularmente! Programas de moradia digna, que foram feitos na Coreia e em outros lugares. Precisa ter vontade política, mas não vai ser feito por quem não tem formação socioambiental”.

Sobre a reflexão de Karina Miotto que abriu a matéria, Porto concorda, ressaltando o overshooting já admitido pelos pesquisadores do clima, ou seja, o fato de que não iremos alcançar a meta de limitar a elevação da temperatura média do planeta a 1,5ºC a mais, em relação aos padrões anteriores à Revolução Industrial. “A verdade é que infelizmente já é tarde demais para limitar o aquecimento global até mesmo a 2 graus celsius. Passaremos disso. Não, não é pessimismo. É realismo drástico – desde a Rio 92, as emissões de carbono só aumentaram e pouco foi feito desde o acordo de Paris”, pondera a jornalista.

“O mundo já tem vários tipping points, inclusive na Amazônia estão se formando”, diz Porto, referindo-se aos “pontos de inflexão”, ou “pontos de não retorno”, ou seja, lugares que atingiram um tal nível de agressão pelas mudanças climáticas, que não conseguirão mais se recuperar, mesmo que as emissões de GEE comecem finalmente a serem reduzidas. “Perdemos centenas de espécies, milhares, por ano. O Dia da Sobrecarga do Planeta, que há trinta anos era em dezembro, em 2022 foi em 29 de julho!”, elenca, citando outros aspectos da crise ambiental planetária que dialogam com a emergência climática e que não recebem qualquer tratamento relevante dos donos do poder.

“Os cientistas querem falar a verdade. Todo ano, o relatório do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas] é publicado com todas as informações e alertas. Três mil páginas, em média. Mas as 38 do Relatório para Formuladores de Políticas Públicas e Tomadores de Decisões é que fazem a manipulação”.

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