Quinta, 25 Abril 2024

Atropelamento de morcegos na BR que corta reserva é o maior do mundo

estudo_atropelamento_morcegos_estrada_joao_marcos_rosa João Marcos Rosa

O trecho de 25 km da BR-101 que corta ilegalmente a Reserva Biológica de Sooretama, no norte do Espírito Santo, concentra a maior diversidade mundial de morcegos atropelados. A conclusão é de um estudo realizado por pesquisadores brasileiros e publicado na última quarta-feira (21) em uma edição especial da revista científica Diversity, dedicada aos Impactos da Infraestrutura de Transporte na Biodiversidade em Economias Emergentes.

"A quantidade de atropelamentos nesse trecho de 25 km é enorme, não se conhece nenhum estudo com número tão elevado em indivíduos atropelados, mas especialmente de espécies. Não por acaso estamos numa luta enorme pra que a duplicação não passe por ali, mas que seja direcionada para oeste da reserva", expõe a pesquisadora Helena Godoy Bergallo, do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
Foto: Lucas Damasio
A pesquisadora fluminense destaca que "a retirada da estrada dali é crucial", pois "o atropelamento é só um dos impactos", afirma, citando outras ameaças constantes, apesar de invisíveis aos transeuntes, como os poluentes que saem dos automóveis e os resíduos que se soltam da estrada e caem nos cursos de água, na floresta e no solo, além do favorecimento para entrada de espécies invasoras, que acabam competindo com as espécies nativas.

"Cães, gatos, bois, cavalos...animais domésticos em geral, predam espécies nativas e podem carrear doenças para dentro da mata e trazer da mata doenças para gente. Cães e gatos são relatados no mundo inteiro como um sério problema para áreas naturais", adiciona a pesquisadora ao rol de impactos.

Há ainda o "aumento da área de borda, facilitando entrada de caçadores", ou seja: a estrada cria um longo perímetro de fronteira com área de uso humano intenso, dificultando o controle a fiscalização.

Helena salienta que a Rebio Sooretama, administrada pelo governo federal, por meio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), compõe o maior remanescente de Mata Atlântica de Tabuleiro de todo o país, e uma das áreas mais ricas em biodiversidade do bioma, um patrimônio natural de relevância mundial. 

Foto: Leonardo Merçon/Últimos Refúgios

"É uma das maiores riquezas de espécies da flora por hectare, uma riqueza de espécies de mamíferos que não existem em outros pontos da Mata Atlântica", salienta, citando a presença da onça-pintada, de duas espécies de porcos selvagens e duas de veado. "São espécies que não se encontra mais em muitos lugares. O Rio de janeiro, por exemplo, tem uma cobertura florestal maior que o Espírito Santo, mas não tem mais onça-pintada, nem anta. São animais que estão sendo reintroduzidas no Rio de Janeiro", relata, destacando ainda a harpia, ave "praticamente extinta na Mata Atlântica" e que tem Sooretama um dos seus últimos refúgios no país.

Esses e outros elementos da fauna "são ícones de conservação que mostram a importância dessa área para a conservação". Por isso, proteger a Rebio Sooretama e as demais áreas protegidas contíguas a ela, afirma, "é 'sine qua non' para humanidade, para o futuro". A BR-101, recorda, "foi criada depois da Reserva Biológica – foi um equívoco, pois pela legislação da época, não poderia. E agora, duplicar a estrada é duplicar, quadriplicar o equívoco, ainda mais quando se tem uma solução, que é o desvio a oeste", argumenta.

Controle de velocidade

Os dados do estudo foram coletados entre os anos de 2010 e 2015, período em que foram mortos 773 morcegos, de 47 espécies diferentes – número que representa 40% das espécies conhecidas de morcegos na Mata Atlântica e o maior conjunto de espécies de morcegos mortos em uma rodovia já encontrado em todo o mundo. Os insetívoros (25 espécies) formam a maioria dos atropelados (74%) e aqueles que voavam em áreas abertas foram os mais frequentemente atropelados (41,9%).
Foto: João Marcos Rosa

Experiente pesquisador da biodiversidade da região e outro autor do artigo, o professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Áureo Banhos ressalta que os morcegos insetívoros fazem um importante controle de pragas da agricultura. Já os nectarívoros realizam a polinização das lavouras e os frugívoros dispersam sementes. Todos eles desempenham um papel ecológico de grande relevância, colaborando especialmente com a manutenção da biodiversidade e com uma maior produtividade agrícola.

"A alta mortalidade de morcegos insetívoros é preocupante, porque esses animais são importantes predadores e controladores de populações de pragas agrícolas. Os arredores de Sooretama, por exemplo, são formados por uma matriz agrícola composta por cacau, café, mamão, maracujá, pimenta, eucalipto e outras culturas. Os serviços ecossistêmicos prestados por morcegos na região podem ser afetados devido às altas taxas de atropelamentos observadas", destaca o professor. Em áreas agrícolas nos Estados Unidos, acrescenta, esses serviços prestados a partir da predação de pragas por morcegos podem atingir um valor aproximado de US$ 23 bilhões anuais.

No artigo, os pesquisadores relatam que os radares com limite de velocidade abaixo de 60 km/h reduziram as taxas de atropelamentos. "Eles são atropelados em voo quando se deslocam de um fragmento para outro. São pequenos, os carros em alta velocidade nem se abalam. Os insetívoros, especialmente, voam atrás de invertebrados que são atraídos para a estrada pela luz dos faróis", explica Aureo Banhos.

Considerando as taxas de atropelamentos encontradas no estudo, os autores estimam que dezenas de milhares de morcegos foram mortos ao longo dos 25 km que cruzam as reservas de Sooretama desde a inauguração da rodovia BR-101, o que pode ter reduzido as populações de espécies.

"Radares com limite de velocidade abaixo de 60 km/h devem ser considerados em um plano de mitigação. Recomendamos testar a eficácia da redução das taxas de atropelamentos implementando solavancos para reduzir a velocidade dos veículos", orientam os acadêmicos, acrescentando que "fechar a rodovia BR-101 ou reduzir o tráfego de veículos nas reservas de Sooretama à noite são medidas que podem ser tomadas para evitar a morte veicular desses animais".

Desvio a oeste

Áureo também integra a frente de cientistas que reivindicam o desvio da BR-101 a oeste da Rebio de Sooretama, para reparar o erro histórico cometido desde a inauguração da estrada, introduzida no meio da floresta ao arrepio da legislação ambiental da época.

A proposta tem apoio de parlamentares como o deputado estadual Gandini (Cidadania) e federal Helder Salomão (PT), mas ainda encontra resistência por parte da ECO 101, concessionária que administra os mais de 400 km da rodovia no Espírito Santo e que tem negligenciado a proteção da reserva desde o início do licenciamento, atuando de forma contraditória ao prefixo "eco" que lhe denomina.

Recentemente, com apoio da Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), que fiscaliza a concessão, chegou a defender que a duplicação seja interrompida dentro de seis municípios localizados a norte da Reserva de Sooretama, caso o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Ibama) realmente não autorize a duplicação dentro da área florestal e, na sua última resposta formal dentro do processo de licenciamento, se limitou a dizer que não fará nenhum desvio e que não irá duplicar o trecho de 25 km dentro da Reserva.

A posição intransigente da empresa se somou ao atraso injustificado das obras de duplicação ao longo de todo o trecho sob gestão da ECO 101, inclusive no trecho sul, onde não há qualquer impasse ambiental, e à consequente continuidade dos altos índices de acidentes e mortes na rodovia, levando o deputado federal Da Vitória (Cidadania) a anunciar a realização de uma audiência pública sobre o atraso nas obras e a impetrar uma representação no Ministério Público Federal pedindo a responsabilização da empresa pelas mortes resultantes de acidentes de trânsito no trecho capixaba da BR.

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Comentários: 1

André Gonçalves em Segunda, 26 Julho 2021 10:13

Universidade Estadual do Rio de Janeiro é UERJ e não UFRJ.

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