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​Controle econômico do uso da água exclui agricultura de pequeno porte

A mercantilização da água restringe seu uso e atinge a agricultura de pequeno porte no Espírito Santo

“A construção do Plano Estadual de Recursos Hídricos [PERH] segue uma metodologia que deixou os pequenos agricultores, pescadores e ribeirinhos de fora e só contemplou poderosos grupos econômicos locais, como a ONG Espírito Santo em Ação, e corporações transnacionais”. 

Ao apontar essa distorção, o engenheiro agrônomo Merci Pereira Fardin, estudioso do assunto que produz uma tese de doutorado sobre o uso da água, ressalta que está em desenvolvimento acelerado a implementação de um mercado de água, regulamentando a outorga com um direito de uso e passível de transferência, estabelecendo mais uma commodity com mecanismos de controle econômico.

A cobrança pelo uso da água teria como objetivo, segundo ele, restringir o uso por parte do usuário, como o Projeto de Lei que altera a Lei nº 7.001, de 27 de dezembro de 2001, em tramitação na Assembleia Legislativa, que define as taxas devidas ao Estado em razão do uso dos recursos hídricos, entre outras medidas.

“A política de água segue uma direção circular, em que a participação é incentivada na formação de uma estratégia empresarial, gerenciada e orientada pela autogerência, que na política de recursos hídricos pode ser percebida na adoção de debates técnicos com linguagem distantes da maioria dos representantes das organizações populares”, afirma Merci Fardin.

Esse meio de exclusão, segundo o engenheiro agrônomo, evoca manuais de administração de empresas modernas e conceitos de “governança”, “direção comum” e “visão compartilhada”, favorecendo a participação de técnicos burocratas representantes dos interesses privados.

“O que não se verifica é que esse controle econômico tem um efeito desastroso, com a valorização das ações das companhias estatais de abastecimento em vias de privatização, o que torna a água um ativo para a valorização dessas empresas”, alerta.

Até que ponto se pode afirmar que a água natural, como bem comum, está financeirizada, questiona Fardin, lembrando que a pergunta é importante para saber quais novas tentativas de mercantilização da “mercadoria” água foram feitas até agora, como possíveis passos para que aconteça a financeirização, e quais implicações isso terá, considerando que a água já é bastante escassa.

Nesse cenário, o pequeno produtor rural, base da agricultura familiar, é prejudicado por medidas adotadas pelo Estado, cujo impacto foi ampliado com o Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERH/ES), aprovado em outubro de 2019 pelo Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERH), encerrando os trabalhos iniciados em 2017. A partir daí, foram estabelecidas as diretrizes para a gestão das águas no Espírito Santo para os próximos 20 anos, por meio da Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh).

A elaboração do plano contou com o apoio técnico do Consórcio NKLac/Cobrape, formado pela empresa japonesa Nippon Koei Lac e pela Companhia Brasileira de Projetos e Empreendimentos (Cobrape). Durante todas as etapas foram realizados seminários, oficinas interinstitucionais, consultas públicas regionais e diversas reuniões setoriais, com o objetivo de garantir a ampla participação dos usuários de água, da sociedade organizada e do poder público, afirmam os comunicados oficiais.

Fardin ressalta, porém, que a articulação de corporações aponta para um controle econômico da água como “mercadoria”. Ele cita ações desenvolvidas no Espírito Santo, entre elas o projeto na foz do Rio Doce, com o objetivo de apoiar a recuperação florestal de parte das microbacias capixabas e ampliar a segurança hídrica para a população. A justificativa era possibilitar a recuperação e conservação florestal no norte do Espírito Santo, por meio do programa Reflorestar, existente desde 2011.

O projeto contou com a participação da Coca-Cola Brasil, Leão Alimentos e Bebidas, Coalizão Cidades pela Água, The Nature Conservancy (TNC), Instituto BioAtlântica (IBIO) e o Comitê das Bacias Hidrográficas do Rio Barra Seca e Foz do Rio Doce, visando a recuperação e a conservação florestal na região dos córregos do Cupido e do Pau Atravessado, que estão localizados em parte da Bacia Hidrográfica de Barra Seca e Foz do Rio Doce, e que têm sentido os efeitos negativos da estiagem atual.

“A The Nature Conservancy (TNC), uma das maiores organizações ambientalistas do mundo e parceira do Estado desde 2007, informa que “apoia a implementação do programa Reflorestar, cuja meta é aumentar a cobertura florestal em 30 mil hectares. Esse programa une ferramentas de incentivo, como Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), associadas à recuperação florestal de áreas degradadas, conservação de florestas nativas e a implantação de modelos de produção amigáveis ao meio ambiente e busca atuar em 78 municípios firmando três mil contratos por ano”.

A organização desenvolve projetos em parceria com grupos econômicos de grande porte, diretamente interessados no mercado de água: “Em uma ação inédita e pré-competitiva, Coca-Cola, Ambev, Pepsico e demais empresas se uniram com a liderança da The Nature Conservancy (TNC) em uma parceria denominada Coalizão Cidades pela Água”, informa comunicado formal dessas corporações.

O texto prossegue: “A iniciativa tem o objetivo de restaurar e conservar matas ciliares de rios e nascentes que abastecem mais de 60 milhões de brasileiros, em 12 regiões metropolitanas. O projeto prevê ações nos estados de São Paulo (bacias do Alto Tietê e dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí), Minas Gerais (bacia do Rio das Velhas) e Espírito Santo (bacia do Rio Doce)”.

O modelo de atuação da TNC possibilita o desenvolvimento de ações estruturantes de longo prazo, denominadas infraestrutura verde. O programa identifica quem são os proprietários dos pontos de geração e retenção de água nas bacias, realiza o processo de regularização fundiária, a inserção da área no Cadastro Ambiental Rural (CAR), e estabelece as árvores que deverão ser plantadas ou preservadas. Todo esse mapeamento é feito em parceria com secretarias de governo e comitês de bacias hidrográficas.

Para Fardin, o processo capitalista de mercantilização da água avança e atinge a área rural e, também centros urbanos, com a política de privatização dos serviços de saneamento em andamento no País, por meio de projetos recentes que tramitam em casas legislativas estaduais e no Congresso Nacional.

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