Segunda, 29 Abril 2024

É o fim da pesca no Rio Doce e litoral capixaba?

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O primeiro relatório oficial a respeito da segurança do consumo de pescado na bacia do Rio Doce, em sua foz e no litoral capixaba, concluiu que o nível de contaminação é grave, havendo provas de nexo de causalidade com o rompimento da Barragem da Samarco/Vale-BHP para dois contaminantes avaliados.

O documento, a que Século Diário teve acesso, circula entre pesquisadores, membros de órgãos públicos e pescadores envolvidos nas ações de reparação dos danos do crime, e as primeiras análises levam a dois grandes temores. O primeiro, que a pesca seja totalmente proibida em toda essa região atingida, intensificando ainda mais o caos socioeconômico em que foram lançados os pescadores profissionais, visto que, até hoje, passados quase sete anos, os auxílios financeiros emergenciais (AFEs) e indenizações não foram pagos a contento. O segundo, pela saúde dos trabalhadores da pesca e dos outros consumidores do pescado.

O estudo foi realizado pela Aecom do Brasil Ltda, nomeada em março de 2020 como perito oficial pelo juiz federal Mario de Paula Franco Junior, da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte, sendo responsável pela "avaliação da segurança do alimento, direcionada para o consumo do pescado no Rio Doce, desde o Estado de Minas Gerais até a foz e região marítima do Espírito Santo, bem como dos produtos agropecuários irrigados com água do Rio Doce".

O atual relatório, explica a Aecom, é parcial, pois trata apenas do pescado, faltando ainda o estudo sobre os produtos agropecuários. Nele, "o consumo do pescado oriundo da região da bacia do Rio Doce, foz e região marítima no Espírito Santo atingida pelo rompimento da barragem de Fundão apresenta preocupação para os altos consumidores de pescado da bacia do Rio Doce e para as crianças consumidoras dos valores médios (média do consumo na bacia do Rio Doce)" – veja abaixo os critérios para definição de pequeno, médio e alto consumo na região.

"A gente já sabia disso e vinha falando há muito tempo, mostrando os peixes deformados, a lama...mas parece que não acreditavam na gente. Agora o relatório mostra. Estamos com muito medo. Pode dar perda total, proibir tudo. E estamos muito preocupados com a saúde do povo e a nossa, porque a gente tem uma tradição, de jantar o pescado todo dia, às vezes quando acaba a carne faz no almoço também", relata João Carlos Gomes da Fonseca, o "Lambisgoia", presidente do Sindicato dos Pescadores e Marisqueiros do Espírito Santo (Sindpesmes).

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"Eu trabalho há 35 anos dentro da foz do Rio Doce, só pescando camarão. Nunca tinha visto daquela lama", diz, referindo-se às imagens exibidas no último sábado (20), de camarões cobertos com uma lama amarronzada e pastosa, diferente da lama escura e endurecida que naturalmente existe nos pesqueiros de camarão e exibidas com exclusividade por Século Diário.

"Para nós, está sendo uma coisa muito ruim, não dá nem para dizer o quê. Estamos com muito medo", reforça. "Porque mesmo que a gente consiga receber indenização, somos pescadores, muitos não sabem ler nem escrever. Até para ser um pedreiro hoje ter que ter um estudo. A gente vai fazer o quê?", pergunta.

"Lambisgoia" ressalta a situação econômica de extrema vulnerabilidade dos pescadores profissionais e de subsistência, mas afirma que, mesmo que o relatório da Aecom force as empresas criminosas a pagaram os auxílios e as indenizações devidas, o dano não será totalmente compensado ou reparado.

"Tem ribeirinhos em situação que é muito triste. Sem ter o que comer direito, sem dinheiro. Tem colegas que tentaram se suicidar, foram enganados pelo Novel da Renova [sistema simplificado de indenização hospedado no site da Renova, repleto de ilegalidades já declaradas seguidas vezes pela Justiça, que hoje estão sem dinheiro para comprar uma botija de gás. Receber a indenização, o auxílio que têm direito, não vai resolver tudo. Vai ter o que comer e beber. Mas o que vai fazer da vida? Se pescar um peixe vão comer? A nossa cultura foi toda embora", lamenta.

Arsênio, PCBs, mercúrio e metilmercúrio

Segundo o relatório da Aecom, "as substâncias químicas presentes no pescado para as quais foi indicado risco em relação ao seu consumo são o arsênio inorgânico (III + V), as bifenilas policloradas (PCB) [organoclorados, muito presentes em agrotóxicos], o mercúrio e o metilmercúrio [responsável pelo desastre de Minamata, no Japão]".

Para os altos consumidores de pescado, o risco foi detectado em relação às PCB e metilmercúrio nos pescados provenientes da região dulcícola (água doce) e estuarina (Foz do Rio Doce). Para os pescados na região marinha, o risco envolve também o arsênio inorgânico e o mercúrio. Já para os consumidores dos valores médios, foi observada preocupação para o pescado proveniente da região dulcícola, devido à grande presença de PCB.
"O consumo do pescado oriundo dos cultivos que utilizam água do Rio Doce não apresentou preocupação, tanto para os altos consumidores como para os consumidores dos valores médios", pontua.

A equipe de perícia salienta, no entanto, que "o consumo do pescado só pode ser considerado seguro se os resultados para todas as substâncias indicarem baixa preocupação à saúde para o tipo de consumidor avaliado (alto consumidor, consumidor do valor médio e baixos consumidores). Havendo ao menos uma substância que indique preocupação para um determinado tipo de consumidor, o pescado não deverá ser consumido".

Nexo de causalidade

O relatório avalia ainda de que forma a contaminação detectada tem relação com o crime das mineradoras e confirmou o nexo de causalidade em duas situações: "as concentrações de mercúrio encontradas no pescado (peixes e crustáceos) proveniente da região marinha"; e "as concentrações de metilmercúrio encontradas nos peixes provenientes da região marinha".

No entanto, o perito judicial afirma que, "embora não tenha sido possível avaliar o nexo de causalidade com o rompimento da barragem de Fundão para os peixes oriundos da região estuarina para os PCB e o metilmercúrio, a equipe de perícia ressalta que os resultados sugerem que não há diferenças consideráveis entre as concentrações dessas substâncias químicas nos peixes provenientes da área de interesse e da área controle".

Alto, médio e baixo consumo

Um alto consumidor de pescado é aquele indivíduo (de ambos os sexos e entre todas as faixas etárias) que consome aproximadamente 50 g/dia de peixe – o que equivale a 1,5 kg/mês, ou a 1 filé de 120 g três vezes (3X) por semana, exceto para a faixa etária de 7 a 17 e maiores de 18 anos do sexo masculino, cuja quantidade diária é de aproximadamente o dobro dos demais estratos, equivalendo a 3,0 kg/mês ou a 1 filé de 100 g todos os dias – e de aproximadamente 6 a 30 g/dia de crustáceos (entre todas as faixas etárias e sexos avaliados) – o que equivale de 180 g/mês a 850 g/mês de crustáceos, ou a cerca de 1¼ colheres de servir a 6colheres de servir (35g) de camarão/semana.

Os consumidores representados pelos valores médios de consumo de pescado são aqueles indivíduos que consomem aproximadamente de 14 – 24 g/dia de peixe, e de 1,5 – 6,5 g/dia de crustáceos. Tais valores equivalem a cerca de 420 – 720 g/mês de peixe e a 45 – 200 g/mês de crustáceos, ou seja, de 3 ½ filés e meio a 6 filés de 120 g de peixe/mês, e de aproximadamente 1 ¼ colheres de servir a 6 colheres de servir (35g) de camarão/mês.

Os baixos consumidores (P5) de pescado são aqueles indivíduos que consomem cerca de 0,33 a 0,66 g/dia de peixe – o que equivale a, aproximadamente, de 10 g a 20 g de peixe/mês ou de 1 a 2 filé de peixe de 120 g/ano – e que consomem de 0,05 a 0,1 g/dia de crustáceos, o que equivale de 1,5 a 3 g de crustáceos/mês ou de ½ (meio) a 1 camarão grande (30g) /ano.

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