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Mata Atlântica tem proteção legal como bem cultural natural, além do ambiental

CEC cria Comissão para reverter normativas e acórdão que negam essa prerrogativa em licenciamentos

Leonardo Sá

Um dos biomas com maior biodiversidade e grau de ameaça do mundo, a Mata Atlântica é também o lar de mais de dois terços da população brasileira, incluindo a totalidade do território capixaba. Sua importância e vulnerabilidade são reconhecidas por uma vasta legislação dedicada a proteger sua integridade e perpetuidade e cresce o número de programas e políticas públicas com objetivo de restaurar áreas degradadas mais estratégicas em termos de serviços ecossistêmicos essenciais.

Essa complexa teia de dispositivos legais e políticos, no entanto, é, via de regra, alvo de tentativas de simplificação predatória nos licenciamentos ambientais de grandes empreendimentos industriais e portuários. No Espírito Santo, duas normativas legais e uma decisão judicial recentes atuaram no sentido de facilitar essas tentativas predatórias, ao imporem uma negativa ao reconhecimento do bioma como patrimônio cultural natural, prerrogativa reconhecida em âmbitos internacional, nacional e estadual, a exemplo do seu tombamento estadual em 1991 (Resolução CEC nº 3/1991) e posterior declaração como Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA) pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco/ONU).

O Espírito Santo foi o terceiro estado a fazer o tombamento da Mata Atlântica em seu território, integrando, junto com o Rio de Janeiro, a Fase II da constituição da atual Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA), que envolve todos os estados 17 onde há ocorrência do bioma, incluindo ainda ilhas costeiras e marinhas, como Fernando de Noronha (PE) e Trindade (ES).

As três tentativas de negligenciar essa prerrogativa aconteceram em 2016 e 2019, com a publicação da Portaria Conjunta da Secretaria e do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama/Iema) nº 11-R/2016; do Parecer nº 114/2016 da Procuradoria Geral do Estado (PGE); e do Acórdão nº 3/2019 do Conselho da PGE (CPGE). Em comum, os três alegam que não é mais necessário obter a anuência da Câmara de Patrimônio Ecológico, Natural e Paisagístico (CPENP) do Conselho Estadual de Cultura (CEC) durante os processos de licenciamento ambientais, por já haver órgãos diretamente relacionados à proteção do meio ambiente que são consultados.

Reverter os efeitos desses três incidentes legais é o objetivo da Comissão Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural da Mata Atlântica, criada por meio da Resolução nº 1 do Conselho Estadual de Cultura (CEC), publicada nesta quarta-feira (5) no Diário Oficial.

Assinada pelo presidente do CEC e secretário estadual de Cultura, Fabrício Noronha, a Resolução estabelece que a Comissão tem a duração provisória de 180 dias, período em que irá atuar junto aos mais diversos órgãos envolvidos em licenciamentos ambientais. O objetivo é apresentar o Parecer nª 6/2022 da CPENP/CEC – acesse o documento na íntegra abaixo – onde essa alegação de dispensa da anuência do CEC é descontruída, tirando todas as dúvidas relacionadas a este aspecto legal dos licenciamentos e, em última instância, garantir que o reconhecimento da Mata Atlântica como bem cultural natural continuará sendo respeitado no Estado, por meio da revisão dos pareceres da PGE, da Portaria da Seama/Iema e de outras possíveis normativa estaduais e municipais semelhantes.

Um exemplo prático da concomitância da proteção da Mata Atlântica como patrimônio cultural natural e patrimônio ambiental ocorre no Pico do Itabira, em Cachoeiro de Itapemirim, sul do Estado, que foi declarado Unidade de Conservação em 2014 e, anteriormente, em 1999, já havia sido tombado com Bem Paisagístico Natural Pico do Itabira”.

Segurança jurídica

O parecer 6/2022 do CEC foi aprovado em novembro passado, com relatoria dos conselheiros Alessandro Bayer, Cloves Mendes e Vitor Amaral, e traz uma argumentação aprofundada sobre os equívocos e perigos que esses três incidentes legais representam para a Mata Atlântica capixaba e explica a necessidade urgente de revertê-los, de modo a evitar “uma grave insegurança jurídica no campo ambiental (…) e possíveis constrangimentos junto à Unesco/ONU, em relação à Reserva da Biosfera da Mata Atlântica tombada enquanto Patrimônio Mundial e Cultural da Humanidade”, além de “uma jurisprudência legal que questionaria todo o sistema de anuências que auxiliam o Licenciamento Ambiental no Estado”.

Inicialmente, porém, os conselheiros relatores tratam de ponderar que a portaria, o parecer e o acórdão equivocados são provavelmente resultado da falta de conhecimentos dos autores sobre a complexidade da teia legal que envolve as múltiplas formas de proteção da Mata Atlântica e que, a esse desconhecimento, somou-se a negligência de consultar os membros do Conselho antes de tomar suas decisões, destacando que, no caso do Acórdão do CPGE, os procuradores chegaram a afirmar que a Resolução CEC 03/1991, que estabeleceu o Tombamento da Mata Atlântica e Ecossistemas Associados, perdeu sua validade, “caducou”.

Em decorrência desse desconhecimento e negligência, argumentam, “é compreensível que ocorram equívocos de diversos tipos nos entendimentos sobre leis e regras vigentes em cada trecho de um território amplamente cobiçado, e que por seus atributos naturais e espaciais despertam o interesse de todo tipo de atores sociais”.

Poder de polícia

Explanam ainda que, assim como o próprio CEC é chamado “a anuir ou não sobre empreendimentos e intervenções pretendidas em territórios de Bens Naturais e Paisagísticos Tombados”, também outros órgãos o são, suas respectivas áreas de atuação – como o Iphan, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Departamento Estadual de Estradas de Rodagem (DER) – sem nunca antes terem sido questionados quanto ao uso do [seu] “poder de polícia” na alçada florestal, ambiental, ou qualquer outra entidade que também não possuam estas competências legais”.

Nesse ponto, os redatores tocam no questionamento feito pela PGE e Seama/Iema, explicando que a legitimidade do Conselho está no “poder de polícia de patrimônio cultural natural tombado” e não como “poder de polícia ambiental e florestal”, como erroneamente alegam em seus pareceres e acórdão. O poder de polícia de patrimônio cultural natural tombado, enfatiza o CEC, é estabelecido na Lei Complementar Nº 421/2007 como válido para o CEC e para o Iphan. Ambos os órgãos detêm ainda o “poder de propor a autuação e aplicação de multas administrativas às pessoas, físicas e/ou jurídicas, que estiverem em flagrante agressão ao patrimônio cultural do Estado do Espírito Santo”.

Atribuições

Entre as entidades que serão envolvidas nesse diálogo com a recém-criada Comissão, estão: Seama; Iema; PGE; CPGE; Ministério Público do Espírito Santo (MPES); Ministério Público Federal (MPF); Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan); Secretaria da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA) em São Paulo; Fundação SOS Mata Atlântica; Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco/ONU).

As atribuições da Comissão incluem: “executar todas as deliberações definidas nas reuniões do CEC, referentes à proteção do patrimônio cultural natural da Mata Atlântica”; representar e esclarecer junto aos órgãos municipais, estaduais, federais e internacionais o conteúdo do Parecer CPENP nº 06/2022; Realizar reuniões com a Seama, Iema, PGE e CPGE para reformulação de portarias, pareceres e acórdãos relacionados ao Tombamento da Mata Atlântica; Esclarecer e dirimir dúvidas de outras instituições, tais como: MPES, MPF, Ibama, Iphan, Secretaria da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA) em São Paulo e outros estados, Fundação SOS Mata Atlântica, Unesco/ONU, e outras instituições que se fizerem necessárias.

A comissão é formada por nove conselheiros: Alessandro Bayer (presidente), Sebastião Ribeiro Filho; Cloves Mendes Neto; Patrícia Cristine Viana David (Representante da PGE); Chander Rian de Castro Freitas (Iema); Daniela Coutinho Bissoli; Júlia Pela Meneghel; e, representando a Secult, Rodrigo Zotelli Queiroz; Patrícia Bragatto Guimarães; e Fernanda Travaglia Magnago


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