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‘Nós estamos aqui pedindo socorro’, clama quilombola no Sapê do Norte

Placas informativas do território do Angelim 2 foram novamente retiradas por pessoas de fora da comunidade

“Nós estamos aqui, gente, pedindo socorro!”. O apelo é de uma agricultora orgânica, pertencente à Associação Quilombola de Pequenos Produtores Orgânicos do Angelim II, comunidade já certificada pela Fundação Cultural Palmares.

O motivo é o que acontece no entorno da área certificada e em suas extremidades. “Pela segunda vez essas pessoas estão fazendo a retirada das placas da comunidade Angelim 2, que identifica nosso território quilombola. Nós fizemos placas bem grandes, bem claras, com número de processo, com artigo e com lei. É o que nos sobrou, o que nós conseguimos segurar pra identificar e não ter o nosso território totalmente tomado. E pela segunda vez, o pessoal veio aqui em frente à minha casa, retiraram as placas. Fui lá procurei, não encontrei nada, sumiu”, relata a agricultora, fato por ela constatado nessa quarta-feira (3).

“Nós estamos sendo enfrentados, ameaçados, nós podemos ter que sair do nosso chão, o único lugar, o único pedaço que nos restou”, ratifica. “Isso é uma falta de respeito. Estamos aqui há séculos e se tornando vítimas de uma violência. O Estado, os governos não fazem nada favorável a nós”, desabafa. “Isso aí a gente identifica como racismo institucional”, pondera.

Denúncias já foram feitas ao Ministério Público e outros órgãos competentes, conta, “mas nada está acontecendo favorável às comunidades quilombolas, o Estado não faz nada”, reafirma.

As áreas originalmente reconhecidas pelo governo federal, em processo inicial de titulação, estão sendo reduzidas pelas invasões, expõe. “Cada família não tem hoje terra suficiente para produzir e se reproduzir. Imagina 18 famílias em um alqueire e meio. Sendo que nós temos uma enorme extensão de área na mão da empresa, hoje tomada por esses invasores, e correndo o risco de ficar sem nada!”, argumenta.

A pressão que estão sofrendo, avalia a quilombola, deveria ser coisa pretérita. “Isso não era dos tempos passados, quando preto não tinha direito? Hoje nós temos direitos e estamos sofrendo isso por quê? Chama-se racismo institucional o que estamos sofrendo hoje na pele. Porque se fosse fazendeiro, se fossem outras pessoas, com dinheiro, brancos, já tinha resolvido. Mas como é um bando de mulher quilombola, negra, pobre, agricultora, estamos aqui sofrendo toda essa pressão de pessoas desconhecidas, que a gente não sabe quem é e da onde veio”, depõe, inconformada.

Pessoas, explica, que têm se autoafirmado quilombolas e, com essa argumentação, têm conseguido apoio da Justiça. “Essas pessoas hoje falam por aí que são quilombolas e isso é aceito perante os órgãos que nos representam. Nós precisamos passar por dez anos ou mais para sermos reconhecidos. E o povo hoje só apenas fala ‘eu sou quilombola’ e está sendo aceito. Estou indignada com essa situação”, suplica.

De fato, a reintegração de posse que estava marcada para a próxima quinta-feira (11) foi suspensa pela juíza federal Renata Cisne Cid Volotao na noite dessa segunda-feira (1). No despacho, a magistrada informa que a suspensão atende ao pedido feito pela Fundação Cultural Palmares, com base na decisão proferida na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 742.

“Destarte, em recente decisão proferida na ADPF nº 742, em 24/02/2021, o Supremo Tribunal Federal determinou a suspensão dos processos judiciais, notadamente ações possessórias, reivindicatórias de propriedade, imissões na posse, anulatórias de processos administrativos de titulação, bem como recursos vinculados a essas ações, sem prejuízo dos direitos territoriais das comunidades quilombolas até o término da pandemia, nos termos do voto proferido pelo ministro Edson Fachin”, aduz a juiz federal.

“Assim, tendo em vista o que restou decidido nos autos da ADPF nº 742, determino a suspensão do presente feito de ação de reintegração de posse, até o término da pandemia de Covid-19”, conclui.

Horas após o despacho, ainda antes que a informação tivesse chegado ao conhecimento de um grupo de agricultores que estão no território, Século Diário publicou sua súplica, onde afirmam não tratar-se de invasão a “retomada” empreendida, e sim de áreas ocupadas há anos para sobrevivência e não loteamento e venda.

A ênfase na não-venda de lotes, no respeito às comunidades quilombolas certificadas e no trabalho de recuperação do solo e dos recursos hídricos que vêm desenvolvendo nesse período, visa diferenciar o grupo – de aproximadamente 70 famílias, que retomaram uma área de 200 hectares – de um terceiro perfil de recém-ocupantes da área, estes, investigados pela Polícia Civil por atuarem, via associações criadas há cerca de um ano, vendendo lotes para pessoas alheias à luta quilombola, oriundas de outros municípios e até outros estados.

“A gente sabe que tem quilombolas em Vitória e outras cidades, que ainda não fizeram o movimento de voltar para o território. Mas essas pessoas que estão vendendo lotes aqui não têm nenhuma relação com a luta quilombola. Nós não a reconhecemos”, afirma.

Tantos conflitos persistem no território quilombola devido à demora na titulação das comunidades certificadas e das que legitimamente ainda precisam ser reconhecidas. Enquanto a legislação não é cumprida, a terra continua sendo arrasada pelo monocultivo de eucaliptos da Suzano (ex-Fibria e ex-Aracruz Celulose), que, por sua vez, não mostrou até o momento nenhuma ação no sentido de reduzir os conflitos entre quilombolas e não-quilombolas. Será porque, ao contrário, o que interessa à empresa é exatamente semear a discórdia e o medo, enfraquecendo assim a legítima reivindicação dos povos tradicionais do Sapê do Norte?

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