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Petrocity continua a avançar sem ouvir os povos tradicionais afetados

“Nas audiências públicas, eles só falam o que é bom para eles”, critica líder comunitária de São Mateus

Divulgação

O megaempreendimento Petrocity, previsto para ser instalado no litoral sul de São Mateus, norte do Estado, segue avançando sem ouvir as comunidades tradicionais que vivem nos territórios por ele cobiçados.

A triste constatação vem sendo renovada há anos, a cada novo passo dado pelo empreendimento, que foi negado duas vezes pelo órgão ambiental estadual, tendo sido então aceito na esfera federal, quando o Ministério do Meio Ambiente estava sob o comando de Ricardo Salles e seu ímpeto de “passar a boiada” na normativa ambiental brasileira, aproveitando-se da pandemia de Covid-19.

“Não fomos ouvidos”, afirma a presidente da Associação dos Pescadores, Catadores de Caranguejo, Agricultores, Moradores e Assemelhados de Campo Grande de Barra Nova (Apescama), Kelly Ramalho de Sena. Campo Grande é uma das três comunidades tradicionais identificadas como diretamente afetada pelo empreendimento, ao lado de Urussuquara e Barra Seca, em Linhares.

Pelo menos outras seis, no entanto, também serão afetadas caso a obra seja erguida, acrescenta a líder comunitária: Barra Nova Sul, Barra Nova Norte, Nativo, São Miguel, Ferrugem e Sítio da Ponta. “Todas serão diretamente afetadas, porque são comunidades de povos tradicionais que vivem da pesca e vai ser retirado delas a pesca, o lazer, tudo o que traz sustentabilidade para elas. Nós temos o nosso cultural, o nosso social, vivemos desse oceano. Precisamos que a Petrocity não veja só o lado dela”.

As comunidades, afirma, “não são contra o empreendimento e o crescimento do município, mas contra a forma como está sendo implementado, sem ouvir as comunidades atingidas, que ali vivem e habitam”.

A experiência com o Terminal Norte Capixaba (TNC), conta, mostra o perigo que a Petrocity traz consigo. “Já sabemos o quanto que sofremos com um pequeno empreendimento como o TNC, que trouxe pouco emprego, uns 20 no máximo, aqui dentro de Campo Grande, e muita discórdia, muito impacto. Imagine um portuário desse tamanho, que vai tirar nossa privacidade, nossa segurança”.

A presidente da Apescama lembra que, em fevereiro de 2018, as comunidades protocolaram uma lista de necessidades que gostariam de ver contempladas como condicionantes no licenciamento do Petrocity. Eram mais de 70, que foram levadas ao Ministério Público Federal (MPF), Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) e à própria empresa. “Mas não deram nenhum retorno para nós. Se nossos pedidos foram incluídos como condicionantes, isso não foi apresentado em nenhum momento. Tivemos audiência dentro da comunidade há anos, mas sentar e discutir o que é de melhor, o que vai trazer de segurança, não temos nada garantido. Nessas audiências eles só falam o que interessa para eles, que vai ter emprego, mas não tem nada garantido. E a gente também não depende só do emprego, tem que olhar o nosso social, nossa segurança, nossa privacidade”.

Em 2020, quando o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) já havia assumido o licenciamento negado pelo Iema, o presidente do Petrocity, José Roberto Barbosa da Silva, chegou a dizer que as demandas protocoladas pelas comunidades não estavam no escopo do empreendimento e deveriam ser sanadas pelo poder público. Este, por sua vez, em nada mudou a postura de negativa histórica de atendimento às necessidades listadas. Ao contrário, a Câmara de Vereadores e a Prefeitura apenas modificaram a classificação da região dentro do Plano Diretor Municipal (PDM), até então considerada zona rural.

Drasticamente atingida pelo crime da Samarco/Vale-BHP, com impactos sociais e ambientais que se intensificam continuamente, a região agora se vê sob ameaça de mais um gigante. “Nossa pesca já não é mais como antes, por causa da Samarco. São Mateus foi incluído como atingido, mas nem todos os pescadores e catadores foram indenizados. E os que receberam não foi da forma correta. Porque receber 60 mil, 90 mil, não resolve a saúde mental, a depressão da pessoa que não pode mais praticar sua atividade tradicional. E muitos moradores estão sem receber nada. Com o Petrocity, o pouco que sobrou vai acabar, vai acabar tudo”, lamenta Kelly de Sena.

Nesta sexta-feira (28), está agendada mais uma audiência pública do processo de licenciamento, tendo como pauta a apresentação dos estudos ambientais para a instalação do Centro Portuário de São Mateus (CPSM), formado por um terminal portuário de uso privado para transporte de cargas gerais e contêineres, além de usina termelétrica, e está sob a responsabilidade da Petrocity Portos.

A apresentação do novo Relatório de Impacto Ambiental (Rima), visando a concessão de licença ambiental do empreendimento, acontecerá às 18h30, no Espaço Guriri Parador Internacional, no centro de São Mateus, e será acompanhada pelo MPF, que instaurou um Inquérito Civil (IC 1.17.003.000038/2018-37) para apoiar o pedido das comunidades de inclusão de suas necessidades como condicionantes do licenciamento.

A presidente da Apescama observa que o formato da audiência mostra como a falta de diálogo com as comunidades permanece. “A audiência pública deveria ser feita na região onde vai ser o empreendimento, para a gente ir com todo o nosso povo para participar. Mas eles fazem lá parece que para dificultar mesmo. Mas vamos nos fazer presentes mesmo assim, porque eles precisam nos ouvir”.

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