Sábado, 20 Abril 2024

'Plano aperfeiçoado' do Supremo e CNJ segue sem participação dos atingidos

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Leonardo Sá

Segue, sem a participação dos atingidos, a construção de mais um acordo para direcionar as medidas de compensação e reparação de danos advindos do maior crime socioambiental da história do Brasil e um dos maiores do mundo.

Coordenado desta vez pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e o Observatório de Desastres do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ambos presididos pelo ministro Luiz Fux, o novo acordo em elaboração é definido como um "plano aperfeiçoado e definitivo para a efetivação das medidas compensatórias ambientais e socioeconômicas causadas pelo rompimento da barragem da Samarco em Mariana em novembro de 2015".

Na reunião convocada pelo STF e CNJ no dia 1 de junho, houve a participação da Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES), na figura do defensor público-geral do Estado, Gilmar Alves Batista, e da defensora Mariana Andrade Sobral, do Núcleo de Desastres e Grandes Empreendimentos. "Na ocasião, o Observatório do CNJ apresentou o resultado de mais de 10 reuniões com setor público e privado, e solicitou prazo de mais 15 dias para avançar das tratativas", informa a DPES.

Num cenário dantesco de descumprimento sistemático de acordos extrajudiciais firmados nos últimos cinco anos no crime da Samarco-Vale-BHP, a entrada da suprema corte e do Conselho – que se dedica a "garantir eficiência, transparência e responsabilidade social da Justiça brasileira" – surge como uma possibilidade de modificar as relações desiguais estabelecidas até o momento, na ausência da contratação das assessorias técnicas Independentes aos atingidos. Mas, ao caminhar sem a presença dos mesmos, a nova mesa de negociação mostra que ainda precisa se aperfeiçoar para mostrar que veio garantir algo realmente novo ao sofrido processo.

Importante no entanto recordar, que a mesa do STF e CNJ foi lançada em uma audiência realizada no dia seis de abril, apenas uma semana após a Força-Tarefa Rio Doce, do Ministério Público Federal (MPF), impetrar um pedido de Arguição de Suspeição contra o juiz substituto da 12ª Vara Federal de Minas Gerais, Mário de Paula Franco Junior, responsável pelo julgamento dos processos relativos ao caso.

Autointitulado "Sergio Moro do caso Samarco", o magistrado tem sido repetidamente acusado pelo MPF, Defensorias Públicas, mais de uma centena de juristas, a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), pesquisadores, acadêmicos e as organizações de apoio aos atingidos, de atuar de forma parcial em suas ações e de cometer diversas irregularidades processuais, sempre em favor das mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton e em detrimento dos direitos dos milhões de atingidos no Espírito Santo e Minas Gerais, numa explícita submissão à "minerosubserviência" e indícios de "minerocorrupção".

Dias após essa primeira reunião, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e outras organizações de atingidos lançaram uma petição propondo três medidas essenciais para trazer de fato justiça ao processo de reparação: "o fim da quitação geral; a participação dos atingidos na gestão do processo de reparação, por meio da contratação das assessorias técnicas; e um fundo de transferência de renda, como renda básica para quem precisa". Pedidos ainda não aventados pela nova mesa de negociação.

Outro ponto importante é ressaltar que uma possível repactuação da gestão das medidas de compensação e reparação dos danos do crime das mineradoras contra a bacia hidrográfica do Rio Doce já estava prevista no último acordo extrajudicial.

Firmado em 2018 entre os ministérios e defensorias públicas, os governos estaduais, a União e as empresas, o Termo de Ajustamento de Conduta da Governança (TAC-Gov) previa uma repactuação em dois anos, com base nos laudos produzidos, nesse período, pelos experts contratados pelo MPF para avaliar o cumprimento, pela Fundação Renova, dos programas estabelecidos no primeiro acordo, de 2016, o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC).

Ao longo desse tempo, no entanto, os experts têm demonstrado, assim como outros estudos independentes realizados pela Rede Rio Doce Mar (RRDM), formado por 27 universidades federais e outras instituições de pesquisa públicas, que a Renova não tem cumprido o TTAC e que os atingidos estão em situação cada vez mais vulnerável, devido à ausência das assessorias técnicas e da devida reparação socioeconômica e ambiental, além da atuação crescente de uma horda de escritórios particulares que exercem verdadeira "advocacia predatória" nos territórios atingidos.

A nova mesa de negociação do STF e CNJ, portanto, precisa considerar, o quanto antes, os laudos independentes, a participação dos atingidos, as acusações de irregularidades praticadas pelo juiz até o momento responsável pelo caso e a incapacidade da Fundação Renova de cumprir o TTAC.

Na audiência de abril, chamou atenção a fala do procurador-geral do Ministério Público de Minas Gerais, Jarbas Soares Junior, que declarou verificar que o processo em curso até agora erra desde o início, quando foi criada a Fundação Renova e que, diante desse histórico, dois fatos precisam ser considerados: a ação do MPMG que pede a extinção da Renova e atuação do juiz Mario de Paula. "Temos um juiz dedicado ao caso, Dr. Mario, no entanto é quase impossível que um juiz só acumulando uma vara complexa como a que ele atua resolver uma ação dessa complexidade e dimensão".

Sobre a Renova, o procurador-geral contrapôs o modelo adotado no caso Brumadinho, também de rompimento de barragem de rejeitos de mineração da Vale. "Temos o acordo de Brumadinho celebrado esse ano com a Vale, MPMG MPF, Defensorias pública e o governo do Estado e um resultado que será muito mais produtivo para a sociedade mineira e trazendo também mais tranquilidade para a companhia, segurança jurídica", disse, posicionando ao final em favor de "um novo modelo, uma construção, a critério de vossa excelência [ministro Luiz Fux] e do CNJ".

Encerrando a audiência, o ministro afirmou que "nós podemos fazer isso [um novo acordo] com o selo do Supremo Tribunal Federal, que pode homologar um grande acordo que seja satisfatório para todos os interessados e eu me disponho a presidir essa grande conciliação que vai ser um exemplo de solução consensual de litígio".

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