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Quilombolas denunciam agressão de seguranças da Suzano no Sapê do Norte

Empresa é acusada de avançar com tratores e plantar em área quilombola. Comunidade cobra providência do Estado

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A comunidade quilombola do Angelim II, no Sapê do Norte, em Conceição da Barra, norte do Estado, protocolou denúncia de agressão por parte da empresa que presta serviço de segurança patrimonial para a Suzano Papel e Celulose, a Prosevig, do Grupo SBS, com sede na Bahia. 

Um documento com o relato do fato será encaminhado nesta segunda-feira (13) para o Conselho Estadual, o Movimento Nacional e a Secretaria Estadual de Direitos Humanos (CEDH, MNDH/ES e SEDH), além das Defensorias Públicas da União e do Estado (DPU e DPES) e o Ministério Público Federal (MPF/ES). 

A denúncia, a que Século Diário teve acesso, assim como a um vídeo que registra parte do episódio, dá conta de que a violência ocorreu na manhã da última quinta-feira (9), por volta das 7h30, e foi protagonizada por um funcionário da Suzano identificado como Rafael.

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“Estamos indignados com o último acontecimento na comunidade do Sapê do Norte, no dia 9 de junho, aproximadamente às 7h30, dentro da propriedade do quilombola, conhecido por Zé Ferino, a equipe, funcionários da empresa Suzano, depois de ameaçar passar por cima com o trator, agrediu o nosso companheiro Valdereido Frederico, com empurrão e imprensando nas grades do trator da empresa, onde os quilombolas gritaram o nome do funcionário Rafael que estava o agredindo. O que dizer dessa situação? como diz o ditado: a empresa Suzano quer plantar até por cima de nosso cadáver?”

Os moradores relacionam o fato com o racismo institucional, questionando a afirmação de que “a escravidão acabou, que pretos estão livres, e que não existe mais as chibatadas”. No documento, perguntam: “O que sofremos no território do Sapê do Norte é o quê? Levamos chibatadas modernas, pela empresa Suzano e com o Estado assistindo de camarote. Por que será? Apenas por ser preto, porque vivemos em um Estado/País racista, é que preto tem que continuar levando as chibatadas.” 

Ao final, há um pedido de providência por parte do poder público. “Precisamos de um posicionamento das instituições de direitos, e do governo do Estado, ou será que irão continuar assistindo de camarote?”.

O vídeo, também enviado para as instituições citadas, mostra o funcionário identificado com Rafael, nas falas dos quilombolas – o crachá dele está guardado no bolso –, dando ordens para que os tratores avancem e para que os funcionários da Prosevig, aparentemente armados e com coletes à prova de bola, assegurem que os quilombolas não impeçam o trabalho das máquinas. 

Um dos quilombolas avisa: “Plantar vocês não vão não, de jeito nenhum! Essa área já foi retomada pela Justiça Federal”, afirma, citando decisão proferida em outubro passado no âmbito de uma ação civil pública impetrada pelo MPF, em que o juiz determina a anulação dos títulos de propriedade emitidos em favor da Suzano, por entender tratarem-se de terras obtidas de forma ilegal (grilagem) e a obrigação do Estado de realizar a titulação dos territórios quilombolas já certificados pela Fundação Palmares, certificação que abrange não apenas o Angelim 2, mas outras 31 comunidades dentro do Sapê do Norte, incluindo as localizadas no município vizinho de São Mateus. 

Em resposta ao aviso quilombola, o funcionário Rafael ordena: “Podem vir as máquinas, pode, vir!” E, direcionando-se aos moradores, reforça: “Eles vão trabalhar e depois vocês chamam a polícia. Essa área não é de vocês?” Ao que os dois trabalhadores quilombolas respondem que “não precisa polícia não, nós estamos cercando o que é nosso”.

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“Pode vir, bóra! Vamos fazer um cordão aqui, meninos. Se ele bater na gente, puxar arma, alguma coisa”, insiste Rafael, chamando os seguranças para impedir que o quilombola se sente sobre o trator, impedindo o avanço da máquina até que eles recebam instruções de como agir legalmente diante da situação. “Ninguém vai bater em você, não, Rafael! Que ‘puxar arma’, meu filho, não tem arma aqui não”, afirmam os quilombolas. 

O pedido de providências por parte do Estado diante do avanço de novos plantios de eucalipto sobre as terras quilombolas certificadas e retomadas foi intensificado desde fevereiro pelas comunidades, tendo sido uma das pautas centrais da reunião realizado no último 8 de março, na reunião realizada por Renato Casagrande (PSB) com mulheres quilombolas e sem terra, a primeira vez de um governador capixaba com esse público

Em 23 de março, quando foi retomada a agenda de reuniões mensais da Mesa de Resolução de Conflitos Fundiários, coordenada pela SEDH – depois de 120 dias suspensa, sob pretexto de um estudo que seria realizado na região, mas cujos objetivos nem resultados foram apresentados às comunidades –, o assunto foi priorizado pelas comunidades quilombolas, e continua no centro do debate desde então, nas cinco últimas reuniões.

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No entanto, nenhuma medida concreta para frear o avanço do deserto verde foi tomada até o momento, nem pela Suzano nem pelo governo do Estado. “A empresa está enrolando na Mesa há cinco reuniões. E o pessoal no campo trabalhando dia e noite, plantando eucalipto nas áreas onde a comunidade quer que seja feito o recuo. Ela não cumpre nem o protocolo de consulta prévia [Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT], chega de surpresa e passando por cima”, relata Flávia dos Santos, uma das lideranças do Angelim 2 que participa periodicamente das reuniões da Mesa, inclusive na que está agendada para esta segunda-feira (13).

A agressão registrada no dia nove também será discutida em outra reunião nesta segunda, marcada para o período da tarde, no local do ocorrido, que trataria dos fechamentos, pela Suzano, das estradas usadas pelas comunidades para seu deslocamento interno. A denúncia sobre o fechamento também já é de conhecimento dos órgãos que defendem os quilombolas desde maio.

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