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‘Repactuação precisa reparar débito com atingidos, sobretudo com as mulheres’

Em audiência do CNJ, defensora pública Mariana Sobral expôs aumento da vulnerabilidade nos territórios atingidos

Leonardo Sá

Baixa cobertura de indenizações, auxílios emergenciais e de cadastro de atingidos, mesmo passados quase seis anos do maior crime ambiental ocorrido no Brasil, cometido pelas mineradoras Vale, Samarco e BHP Billiton.

Entre os tantos aspectos que evidenciam a postura corporativa e pouco humanitária com que a Fundação Renova tem executado as ações de reparação e compensação dos danos advindos do rompimento da barragem de rejeitos, esses foram especialmente evidenciados durante a audiência pública realizada nessa quarta-feira (6) pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercussão. O debate foi o segundo da série de três audiências públicas remotas voltadas a subsidiar o processo de repactuação da gestão das ações de compensação e reparação dos danos, atualmente sob execução da Renova, com fraca fiscalização por parte do Comitê Interfederativo (CIF).


“Como até o momento as soluções adotadas não repararam o prejuízo causado às pessoas afetadas pelo desastre, o CNJ firmou em junho compromisso com as instituições, empresas e famílias envolvidas para tentar mediar um acordo que dê fim ao caso, que atualmente movimenta cerca de 85 mil processos nas Justiças do Trabalho, Federal e Estadual, sobretudo”, ressaltou o Conselho.
A segunda audiência contou com apoio do Ministérios Públicos Federal (MPF), do Espírito Santo (MPES) e de Minas Gerais (MPMG), e das Defensorias Públicas da União (DPU), do Espírito Santo (DPES) e de Minas Gerais (DPMG), além da Procuradoria-Geral do Estado do Espírito Santo e da Advocacia-Geral de Minas Gerais.
“É importante que a repactuação traga implemento e fortalecimento de políticas públicas direcionadas para a população atingida, pois houve um incremento da vulnerabilidade nos territórios e ainda há um contingente de pessoas com necessidades específicas invisibilizadas”, enfatizou, em sua fala, a defensora pública capixaba Mariana Sobral.
“Em todo contexto de pós desastre, há uma transferência ao Poder Público das despesas afetas aos reflexos do desastre socioambiental, seja do ponto de vista social, seja do ponto de vista ambiental”, complementou, salientando ainda a baixa participação social das comunidades atingidas no processo de reparação, principalmente devido à falta de Assessoria Técnica nos territórios. 
“Mais de dois anos após a escolha das comunidades, apenas uma assessoria técnica restou instalada no território do Espírito Santo”, sublinhou, referindo-se à comunidade quilombola de Degredo, em Linhares, que teve a Associação dos Pescadores e Extrativistas e Remanescentes de Quilombo de Degredo (Asperqd) contratada para assessora-la, a primeira assessoria técnica composta por atingidos em todo o território capixaba e mineiro atingido.
Diretamente para as comunidades atingidas, o rompimento da barragem trouxe uma redução de 66% da renda per capita das famílias, ressaltou a defensora, citando dados divulgados pela própria Fundação Renova em seu Mapa de Vulnerabilidades. “Sem dúvida, há uma íntima relação entre a vulnerabilidade, o aumento da necessidade econômica e o decurso do tempo com o acirramento dos conflitos sociais dentro dos territórios. A paz que foi retirada desses locais, os vínculos afetivos rompidos, a desunião que agora acompanhamos serão grandes desafios quando falamos em reconstrução”, reivindicou.
Entre os perfis de atingidos salientados durante a audiência, estão as comunidades do litoral capixaba, especialmente os pescadores artesanais; as mulheres; e os que se viram obrigados a aceitar a indenização oferecida por meio das comissões de atingidos beneficiadas pelo juiz da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte, Mário de Paula Franco Junior, como as de Baixo Guandu/ES e Naque/MG.
O presidente do Sindicato dos Pescadores e Marisqueiros do Espírito Santo (Sindpesmes), João Carlos Gomes da Fonseca, afirmou que os pescadores locais perderam 75% da produção com os efeitos da lama tóxica na água e nos cardumes de camarão. “Onde nós pescamos havia 10 metros de profundidade, mas agora o rejeito desaguou e só tem três metros de profundidade. Os outros sete metros são de lama”.
Em resposta ao pescador, o conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello anunciou que fará em breve uma visita a Vitória, onde ouvirá representantes das famílias vítimas da tragédia. Da capital do Espírito Santo, partirá em aeronave para sobrevoar algumas das regiões afetadas próximas à foz do Rio Doce, em Linhares, norte do Estado.
A defensora pública Mariana Sobral lembrou que o litoral do Espírito Santo só foi reconhecido através da Deliberação nº 58, de 31 de março de 2017, do CIF. “Isso mesmo, dois anos após o rompimento da barragem!”, acentuou, citando dados da Análise Técnica Socioeconômica que fundamentou a Deliberação CIF nº 473 do CIF: apenas 39% dos pedidos de cadastros dessa região foram efetivados; e, desses, apenas 31% resultaram em indenizações e 36% recebem o Auxílio Financeiro Emergencial (AFE).
Sobre o maior impacto sofrido pelas mulheres atingidas, Mariana Sobral citou estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas, que atua como expert do caso, apontando aumento da sobrecarga doméstica, o que está intimamente relacionado à alteração das condições de subsistência, ao aumento dos conflitos familiares e à interferência à saúde mental das mulheres.
O cadastro, especialmente, foi realizado com metodologias que não retrataram a realidade vivida pelas mulheres nas localidades, ressaltou a defensora. “Os erros do início colocaram as mulheres em situação de luta por inclusão em programas, luta por serem visibilizadas. Há um débito do processo com as mulheres atingidas do Rio Doce que precisam ser reparados e a repactuação deve ser vista como mais uma oportunidade para tanto”, pleiteou.
O CNJ salientou ainda as falas dos participantes da audiência contra a determinação feita pelo juiz Mário de Paula, em julho de 2020, de pagamento integral de indenizações, com valores entre R$ 23,9 mil e R$ 94,5 mil, a 11 grupos profissionais e de trabalhadores ligados à Comissão de Atingidos de Baixo Guandu/ES e de Naque/MG.
O motivo é a preocupação em relação ao futuro das famílias que receberam a indenização em troca de abandonar o processo contra as mineradoras, como é o caso da pescadora Eliana Conceição de Sena Natalli, que assinou o acordo depois de seis anos endividada e impossibilitada de trabalhar. “Não tive opção. Eu fui uma pessoa dessas, abri mão do meu presente e meu futuro. E o amanhã? Como vai saber? O atingido terá de abrir mão do seu futuro, mas a lama do rio está lá agora. Pedimos misericórdia aos órgãos públicos. É angustiante”, afirmou.
No final de setembro, o CIF cobrou mais transparência da Renova na prestação de informações sobre despesas, compras realizadas, contratos celebrados, salários pagos a seus funcionários e colaboradores e as indenizações aos atingidos, por meio da Deliberação nº 530/2021.
A publicação da Deliberação atendeu às recomendações constantes na Nota Técnica 26/2021, da Câmara Técnica de Comunicação, Participação, Diálogo e Controle Social do CIF (CT-PDCS/CIF), elaboradas com participação do Conselho Estadual de Transparência do governo do Estado, após dois anos de “análise criteriosa das informações prestadas à sociedade pela Fundação Renova, diante das queixas sobre morosidade e falta de informações nas ações”.

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