De Armandinho Fontoura e Leonardo Monjardim, PL é considerado “censura”

A Câmara de Vitória aprovou, na sessão desta terça-feira (20), o Projeto de Lei (PL) 198/2025, conhecido como “Lei Anti-Oruam, em referência ao rapper Oruam. De autoria dos vereadores bolsonaristas Armandinho Fontoura (PL) e Leonardo Monjardim (Novo), o PL impede “a contratação, pelo município de Vitória, de shows, artistas e eventos abertos ao público que envolvam, no decorrer da apresentação, expressão de apologia a crimes, ao crime organizado e ao uso de drogas e dá outras providências”.
O PL, em seu 1º artigo, veda, por parte da administração pública municipal direta e indireta, inclusive fundações, autarquias e empresas públicas, “a contratação de artistas, bandas, grupos musicais ou quaisquer outros eventos culturais, para apresentações custeadas, patrocinadas ou apoiadas com recursos públicos, que promovam apologia ou exaltação de práticas criminosas ou contravenções penais; incitação à violência, ao uso de armas, ao tráfico ou uso de entorpecentes; enaltecimento de facções criminosas, organizações milicianas ou do crime organizado; e discurso que ofenda os princípios da dignidade da pessoa humana, da moralidade administrativa ou da segurança pública”.
A proposta foi aprovada com 11 votos favoráveis, cinco contrários e uma abstenção. Além dos autores, apoiaram o PL os vereadores Aloísio Varejão (PSB), André Brandino (Podemos), Aylton Dadalto (Republicanos), Baiano do Salão (Pode), Camillo Neves (PP), Darcio Bracarense (PL), Davi Esmael (Republicanos), João Flavio (MDB), Luiz Emanuel Zouain (Republicanos), Luiz Paulo Amorim (PV) e Maurício Leite (PRD).
Foram contrários os vereadores Ana Paula Rocha (Psol), Karla Coser (PT), Jocelino (PT), Bruno Malias (PSB) e Pedro Trés (PSB). Mara Maroca (PP) se absteve e Dalto Neves (SDD) não compareceu à sessão. Anderson Goggi (PP), por presidir a Casa de Leis, não vota. O PL tramitou em regime de urgência. Antes de ir ao Plenário, foi votado nas comissões de Constituição, Justiça, Serviço Público, Redação e Fiscalização de Leis (CCJ), Finanças e Cultura.
Antes da votação da CCJ, Karla Coser defendeu que a matéria é inconstitucional e apontou alguns vícios, como violar a liberdade artística, além de usar termos “vagos e subjetivos”, como “enaltecimento e apologia”. A vereadora recordou que, no início do século XX, o samba, “expressão máxima da cultura popular brasileira, era sinônimo de vadiagem, crime”. “Se alguém fosse visto tocando, cantando, com um instrumento na mão, seria preso. Que a gente não cometa isso que no passado já foi feito no Brasil”, ressaltou.
Durante a votação, Davi Esmael foi o primeiro a se pronunciar, declarando que a proposta busca “proteger nossas crianças de determinadas influências” e “limitar regras para uso dos recursos públicos”. Jocelino, então, destacou que o Código Penal já responsabiliza artistas e demais cidadãos que fazem apologia ao crime. Em seguida, Karla novamente subiu à tribuna e exibiu um vídeo do prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos ,no palco durante o show do cantor de arrocha Nadson, o ferinha.
A vereadora apontou que, se a lei fosse aprovada e sancionada, músicas como Aniversário de Amantes, de Nadson, não deverão ser tocadas em eventos da cidade, assim como o refrão “gata, vem pra minha tenda e vamos fazer amor”, de Jeffinho Faraó, a quem Karla classificou como “um dos maiores expoentes da música popular capixaba”. “Não teremos mais eventos públicos na cidade, pois todas músicas poderão ser problematizadas”, disse Karla. Ela destacou que, inclusive, as músicas da banda de forró Calcinha Preta serão proibidas, em clara alusão ao vídeo que circulou nas redes sociais e no qual o prefeito aparece em um show da banda com a vice-prefeita, Cris Samorini (PP). “Impor limites subjetivos à produção da arte é censura”, enfatiza a vereadora.
Pedro Trés apresentou algumas músicas de grande sucesso que poderiam ser proibidas, como Vamo pra lá beber, de Calcinha Preta, e Acordando o prédio, de Luan Santana. Falou, também, que eventos da prefeitura, como a Arena de Verão, trouxeram artistas e bandas que não poderão voltar na próxima edição, como É o Tchan. “Quem vai ser o julgador daquilo que ofende a dignidade humana?”, indagou.
Ana Paula Rocha pontuou que a proposta “tenta ter roupagem de proteção às crianças e adolescentes, mas como o vereador Pedro destacou, temas como bebida e violência sexual estão em todos os gêneros musicais”. Contudo, denunciou a vereadora, as sanções previstas na lei não valerão para todos, pois o PL busca “censurar, cercear a cultura negra jovem periférica, como as batalhas de rima, o slam”. “Quem é o censor, quem vai julgar qual música está errada?”.
A apresentação do projeto “Anti-Oruam” tem se repetido em estados e municípios brasileiros, como uma estratégia de parlamentares ligados ao bolsonarismo. Na última semana, proposta semelhante foi aprovada na Câmara de Cachoeiro de Itapemirim, no sul do Estado, sob protesto de coletivos e organizações de direitos humanos. Na Assembleia Legislativa, os deputados Callegari e Lucas Polese, ambos do PL, protocolaram propostas sobre o tema. Também há projetos de lei semelhantes tramitando em diversas cidades capixabas, como Vila Velha e Cariacica, na região metropolitana, e Jerônimo Monteiro, no sul do Estado.
O rapper Oruam é filho de Marcinho VP, preso desde 1996 por sua vinculação com a organização Comando Vermelho. Quando apresentou projeto para proibir recursos públicos para eventos com suposta apologia ao crime, a vereadora paulista Amanda Vetorazzo (União) utilizou o cantor como referência – por isso o apelido.
Mais sobre o projeto
Conforme consta no PL, a vedação prevista no artigo 1 “aplica-se também a subcontratações realizadas no âmbito de eventos maiores, tais como festivais, feiras, comemorações ou celebrações, ainda que o artista, banda ou apresentação não conste diretamente do contrato principal firmado com a administração pública municipal”.
O 2º artigo prevê que o descumprimento da lei, por parte do artista, grupo ou evento contratado, acarretará em “rescisão imediata do contrato; obrigação de devolução integral dos valores pagos com recursos públicos, a qualquer título, pelo município de Vitória; vedação de contratação com a administração pública municipal pelo prazo de até cinco anos”.
Além disso, no 3º artigo consta que “é obrigatória, nos contratos administrativos de que trata esta lei, a inclusão de cláusula expressa de compromisso por parte do contratado, obrigando-se este a: não realizar, durante sua apresentação, qualquer manifestação, gesto, fala ou performance que configure ou sugira apologia a práticas previstas no Art. 1º; reconhecer, de forma expressa, que o descumprimento dessa cláusula resultará na aplicação das penalidades previstas nesta lei, especialmente a devolução dos valores pagos”.
Na justificativa, os autores defendem que “a proposta surge da necessidade de garantir que tais eventos sejam promovidos de forma responsável, especialmente no que diz respeito à proteção de crianças e adolescentes que os frequentam”. O texto acrescenta que “o Poder Público institucionalizar expressões de apologia ao crime organizado ou ao uso de drogas por meio de contratações artísticas em eventos com acesso ao público infantojuvenil, é resguardar, sobretudo sob a ótica dos direitos fundamentais, a dignidade, a saúde e a vida do menor, que não deve ser incentivado às condutas criminosas”.
Também diz que “não deve o poder público promover a ‘adultização infantil’, observada quando se há a aceleração forçada do desenvolvimento da criança para que ela tenha comportamentos ou tenha contato com temas não esperados de sua idade e grau de amadurecimento psicológico, expondo o menor a conteúdos que não pertencem a sua classificação indicativa”.
Os vereadores apontam, ainda, que “além da vedação de contratação, o projeto também estabelece a possibilidade de denúncia, que pode ser feita tanto por cidadãos quanto por órgãos da Administração Pública Municipal, o que garante a fiscalização desta lei”.