Triplex da Resistência, no Centro de Vitória, será palco, no dia 28, das homenagens aos seis capixabas
Orlando Bonfim Júnior e Maurílio Patrício (Manoel), de Santa Teresa (região serrana); Arildo Valadão (Ari), de Muniz Freire (sul do Estado); Marcos José de Lima (Zezinho) e João Gualberto Calatrone (Zebão), de Nova Venécia (noroeste), e Lincoln Bicalho Roque, de São José do Calçado (sul). Os seis capixabas desaparecidos na ditadura militar instalada no país em 1964 serão lembrados no próximo sábado (28), em Vitória, quando é comemorado o Dia da Anistia. A programação, organizada pelo grupo Geração 68, ocorrerá nas praças Vermelha e Costa Pereira e no edifício Triplex da Resistência, Centro de Vitória.
No local, tradicional palco de manifestações políticas, foi construído um memorial em homenagem aos desaparecidos políticos pelo então prefeito João Coser (PT), por sugestão do ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES), Homero Mafra. Oito anos depois da inauguração, no dia 13 de agosto de 2012, que marcou também a instalação da Comissão da Verdade no Espírito Santo, em conversa exclusiva com Século Diário, Homero afirma: “Essa é uma ferida que não cicatriza nunca”.
“Enquanto o Brasil não souber, as famílias não souberem onde estão os desaparecidos, são pedaços da nossa história que não se fecha. Entre as tarefas da OAB está a defesa dos direitos humanos, é tarefa da Ordem assumir essa luta, essa bandeira”.
Com a fala pausada, cheia de emoção, o advogado relembra as primeiras homenagens aos desaparecidos no período da ditadura militar, iniciadas a partir de 2010, e lamenta: “Depois que eu saí da presidência, esse tema não foi mais tocado na OAB do Espírito Santo. O próprio Conselho Federal da Ordem não deu a essa bandeira a importância que deveria e acho que é uma falha na luta pelos desaparecidos, na luta pela anistia, que tinha que ser ampla, na luta pela apuração dos responsáveis pela tortura. Essa questão de anistia recíproca não existe”.
O advogado reforça a necessidade de homenagens como as que serão prestadas no dia 28 e ressalta que é preciso lembrar os desaparecidos. “No Estado, em outras ocasiões, já ocorreram homenagens em Nova Venécia, Cachoeiro, Santa Teresa, porque isso não pode ficar esquecido. Acho que os corpos têm que ser entregues aos familiares. Isso é o mínimo. Isso caberia à OAB, ao Ministério Público Federal. É preciso que essa luta seja de toda a sociedade civil organizada. Quando se abandona uma luta como essa, se permite também que o autoritarismo cresça”.
Sobre a falha na luta pela anistia, imposta pelo regime militar e que evitou o julgamento e punição dos torturadores, apontada como fator que contribuiu para a construção e manutenção do cenário político atual, Homero Mafra comenta: “Nós tivemos, mais uma vez, uma grande transição. Quando saímos da ditadura para o Estado de Direito, não tivemos uma passagem plena. Isso permitiu que a estrutura de poder que existia na ditadura se mantivesse”.
E ressalta: “Tanto que hoje tem no governo elementos que integravam o regime militar. Por exemplo, o general Heleno [Augusto, chefe do Gabinete de Segurança Institucional de Bolsonaro], que foi do staff do general Sílvio Frota, que chefiava o lado mais radical das Forças Armadas do governo Geisel. Ele está aí hoje”.
Questionado sobre declarações do general Heleno, que disse que o Exército pode intervir, defendendo a ameaça de golpe anunciada por Bolsonaro para o 7 de Setembro, citando o artigo 142 da Constituição, Mafra aponta: “Se tem alguém que ameaça a lei e a ordem é o presidente da República. Mas, mesmo em relação a ele, não cabe intervenção militar, essa é uma interpretação equivocada. Eles tentam jogar isso para criar todo um fantasma e ganhar no grito o que, me parece, não tem no voto. É criar um clima de comoção para transformar as eleições num grande teatro, com medo, e assim favorecer aqueles que não têm voto”.
Para o advogado, a investida do presidente da República sobre o Supremo Tribunal Federal (STF) é absolutamente ilegal: “Essa visão do presidente, que tem um papel institucional a ser cumprido, e avança da forma que o faz sobre o Supremo, é absolutamente ilegal e extremamente grosseira. O mínimo que se pode dizer dele é que ele é tosco”, afirma, apesar de destacar falhas, mas “não são essas que o presidente tem apontando. O Supremo cumpre um papel importante, existem equívocos, sim, não é o Supremo que gostaríamos de ter”.
Apesar do quadro conturbado e das ameaças do presidente Jair Bolsonaro e de seus seguidores, Homero Mafra não acredita que um golpe vá prosperar: “O país não vai aceitar esse retrocesso, mas existe a ameaça, os golpistas estão aí, mas não acredito que ela venha a triunfar”, diz, apesar de destacar que o cenário ainda é o mesmo daquela época, e, o que é grave, contribuiu para a manutenção da estrutura de poder político da época da ditadura.
Homenagens
A programação do dia 28 começará às 9h30, segundo a coordenação no Espírito Santo do grupo Geração 68, criado em São Paulo e hoje espalhado em várias cidades, integrado por pessoas que enfrentaram o regime militar, muitos dos quais foram presos e torturados. O movimento já reúne mais de quatro mil membros, entre sindicalistas, intelectuais, jornalistas, médicos, professores, advogados e ativistas de vários setores, como também idosos, jovens e adultos posicionados contra o governo Bolsonaro.
Além do hasteamento das bandeiras do Brasil, de movimentos sindicais, sociais e de partidos políticos, haverá transmissão da historiografia dos desaparecidos pela Rádio Atibaia, instalada no Triplex da Resistência. Às 10h30, será exibido o filme A História Oculta, documentário sobre o desaparecimento do jornalista Orlando Bonfim Jr, em outubro de 1975, dirigido pelo cineasta Orlando Bonfim Neto, seu filho, falecido recentemente no Rio de Janeiro. Em prosseguimento, o escritor Daniel Arão Reis, do Rio, fará um pronunciamento sobre a data, seguindo-se a leitura do manifesto em defesa da democracia, que circula nas redes por todo o país.
História
No mesmo dia da inauguração do local onde haverá a homenagem aos desaparecidos, 13 de agosto de 2012, ocorreu a sessão solene na Assembleia Legislativa para a instalação da Comissão da Verdade e entrega do Prêmio Orlando Bonfim Junior. À noite, o Conselho Federal da OAB abriu, no Centro de Convenções de Vitoria, a V Conferência Internacional de Direitos Humanos, realizada a cada três anos, com a participação da secretária especial de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário Nunes (PT).
Ao contrário de outros países que passaram por ditaduras, entre eles a Alemanha e Itália depois da Segunda Guerra Mundial e, mais recentemente, a Argentina, Chile e Peru, o Brasil não julgou ou sequer puniu os criminosos do período militar. Muitos são objetos de homenagens com nomes de ruas e monumentos públicos e apontados como herói, como o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, já falecido, o único condenado por um juiz de primeira instância, em 2008, cuja sentença foi anulada em 2015. Ustra é citado com herói pelo presidente Bolsonaro e muitos de seus seguidores.
Quase oito anos depois de instaurada, a Comissão da Verdade lançou no último dia 10 o livro com o relatório do colegiado. O militante e escritor Perly Cipriano, um dos responsáveis por esse resgate histórico, torturado e preso pela ditadura por quase 10 anos, aponta: “Nós vivemos em um país que tende a esquecer muitas coisas e a ditadura causou males terríveis às pessoas e também à estrutura de instituições que temos hoje”.
Perly faz um alerta: “Temos ainda seis desaparecidos políticos. Esse relatório ajuda a alertar a sociedade, pois muitas denúncias não chegam a conhecimento público. Temos que repetir com exaustão: ditadura nunca mais, democracia sempre mais”.