Sexta, 03 Mai 2024

Queda de braço com cooperativas médicas expõe inabilidade do governo para negociações

Queda de braço com cooperativas médicas expõe inabilidade do governo para negociações
Em janeiro de 2013, o então secretário de Governo Tyago Hoffmann foi escalado pelo governador Renato Casagrande (PSB) para comandar as negociações com as Cooperativas de Especialidades Médicas do Espírito Santo. A negociação vinha se arrastando há algum tempo e o Estado fora obrigado a recorrer à Justiça para assegurar o atendimento à população. Afinal, a paralisação das cooperativas decretaria o colapso do atendimento nas principais especialidades de urgência e emergência do Estado: neurocirurgia, anestesia, cirurgia pediátrica, cirurgia geral, cirurgia plástica, ortopedia, vascular e intensivistas.
O acordo saiu e o governo do Estado celebrou um contrato de mais 30 meses com as cooperativas — última renovação que poderia ser feita no contrato que completaria 60 meses em julho de 2015, já no terceiro mandato do governo Paulo Hartung (PMDB).
Sabendo que o contrato entraria na sua reta final, as cooperativas se apressaram em procurar o governo ainda em janeiro do ano passado para abrir as negociações, que prometiam ser longas e desgastantes para os ambos os lados. 
O governo, porém, se fechou ao diálogo, deixou o contrato vencer em julho para depois propor a prorrogação por 60 dias em caráter emergencial, já que não cabia mais renovação. Depois dessa primeira prorrogação, houve uma segunda, por mais 60 dias. 
Em dezembro do ano passado, por meio de comunicados divulgados na mídia, as cooperativas médicas alertavam a população que o contrato emergencial venceria em 31 de janeiro deste ano. Se não houvesse sinalização por parte do governo, os atendimentos de urgência e emergência nos principais hospitais públicas do Estado estariam comprometidos.
A sinal de alerta chegou até o governo. A exemplo do que aconteceu no governo Casagrande, quando o titular da Saúde, Tadeu Marino, saiu de cena para dar lugar na mesa a um negociador mais hábil, Hartung seguiu, inicialmente, o mesmo caminho do antecessor. Outorgou ao vice-governador César Colnago, que é médico, a missão de dobrar os colegas do jaleco branco.
Acordo tratorado 
Colnago e os cooperados saíram da mesa de negociações convencidos de que havia um consenso entre as partes. O ponto mais nevrálgico da discussão, a revisão dos valores do contrato, fora pacificada por Colnago, que tinha fechado um pré-contrato com as cooperativas de 18 meses. A única pendência do acordo era submeter os termos do contrato à Procuradoria Geral do Estado, como é de praxe, para os alinhavos finais e posteriores assinaturas. 
Quando os representantes das cooperativas estavam com as canetas em mãos, prontos para a fase de autógrafos, houve uma reviravolta no acordo. O secretário de Saúde Ricardo de Oliveira teria convencido o governador a não celebrar o acordo. Ao contrário, a estratégia sugerida seria aumentar a pressão sobre as cooperativas e impor um acordo nos termos do governo e não mais se submeter às cooperativas. 
O retrocesso repentino das negociações revoltou os médicos. A Federação Brasileira das Cooperativas de Especialidades Médicas (Febracem) denunciou que havia dois governos negociando com as cooperativas: um favorável à manutenção do acordo, representado por Colnago; e outro contrário, puxado por Oliveira. O secretário de Saúde, que não é médico, chegou a ser acusado de insensível às necessidades da população. 
A Febracem se queixava que Oliveira excluíra do acordo os princípios constitucionais da transparência, impessoalidade e economicidade na contratação de médicos pelas Organizações Sociais, que passaram a ser as principais adversárias das cooperativas.
O impasse continuou e o governo, impedido de renovar os contratos, nem emergencialmente, judicializou a questão. Uma decisão liminar que vigora até abri próximo, obriga as oito cooperativas médicas a manter os cerca de 1.5 mil médicos, prestando atendimento de urgência e emergência à população. 
Desde janeiro, quando as negociações feitas por Colnago voltaram à estaca zero, o secretário de Saúde tenta traçar um plano “B” para sair do imbróglio. A estratégia de Oliveira sempre foi pressionar as cooperativas para mostrar que quem manda é o governo. “O governo não será refém das cooperativas”, foi uma das expressões usadas pelo secretário em tom de desabafo. 
Queda de braço
A queda de braço entre cooperativas médicas e governo segue cercada de tensão. De um lado os cooperados se queixam das Organizações Sociais (OSs). O governo do Estado vem entregando a gestão dos hospitais públicos às OSs, que não têm interesse em contratar as cooperativas, sobretudo por causa dos preços. Hoje, em média, um médico cooperado custa ao Estado R$ 135/hora. Geralmente, os médicos fazem quatro plantões de 24 horas/mês. Recebem mensalmente cerca de R$ 12 mil — há pequenas variações dependendo da especialidade. As cooperativas consideram o valor justo, já que só aceitam associar médicos especialistas. Um neurocirurgião, por exemplo, depois de cinco anos de residência, é submetido a uma prova. Só então ele recebe o título de especialista e pode ser aceito na cooperativa.
As cooperativas destacam a qualidade agregada aos atendimentos de urgência e emergência nos últimos 20 anos na rede pública estadual. Numa carta publicada nos jornais desta terça (1), o neurocirurgião José Carlos Saleme exaltou a qualidade conquistada ao longo dessas duas décadas. “Queremos afirmar, com total conhecimento de causa, que o Espírito Santo oferece hoje, o melhor atendimento às emergências de todo o Brasil, até mesmo quando comparado com os mais sofisticados e caros hospitais privados. As deficiências que existem, se devem a deficiências Institucionais”, afirmou o médico. 
Médicos de fora
Se de um lado os médicos apontam a manutenção das cooperativas como a solução mais viável para assegurar uma boa relação custo-benefício para o Estado, o secretário de Saúde discorda. Oliveira quer ampliar os convênios de gestão com as Organizações Sociais, que descartam contratar cooperados. As OSs estão contratando médicos avulsos ou de grandes empresas de recrutamento de mão de obra. Há informações não oficiais de que os médicos que substituíram os neurocirurgiões cooperados no Hospital Jayme dos Santos Neves, na Serra, são residentes, o que comprometeria a qualidade do atendimento, expondo os pacientes a riscos. 
Há informações de que Oliveira estaria também recrutando médicos de fora do Estado, por meio dessas grandes empresas de mão de obra, para suprir os cooperados a partir de abril, quando expira a liminar da Justiça. Cerca de 100 médicos teriam chegado ao Estado para ocupar as vagas dos cooperados, mas como os médicos seguem nos seus postos em cumprimento à liminar, os novos médicos teriam ficado sem colocação. De acordo com informações não oficiais, esses médicos estariam recebendo, sem trabalhar, aguardando o desligamento dos cooperados. Circulam também que esses médicos custariam o dobro do valor pago aos cooperados.
Na carta, o neurocirurgião Saleme faz menção aos supostos reforços. “Agora somos ameaçados de sermos substituídos por ‘médicos de fora’. Diretores de Hospitais, inclusive os administrados por OSs, foram orientados a procurar pelo Brasil ‘qualquer um’ que queira vir trabalhar em nosso lugar. E estão vindo. Recém saídos da escola da residência, ainda sem a experiência necessária para trabalhar sem preceptores”.
Plano "B"
Saleme desabafa e aponta as OSs como responsáveis pela desestabilização das cooperativas. “O mote sempre foi acabar com as Cooperativas, mesmo sendo a alternativa atualmente em voga, a entrega dos hospitais públicos para OSs, muito mais cara, com resultados muito menores. As OSs não acrescentaram nada ao que é feito rotineiramente nos hospitais em que trabalham Cooperativas”, desabafa o médico, que acrescenta: “As OSs chegam na contramão de tudo isso. Para sobreviver, com elevado custo administrativo, cada qual criou o seu Perfil, somente atendendo quem se enquadra neste perfil. Contratando médicos recém-formados, sem pós graduação, sem a experiência que oferecemos”, compara Saleme.
Embora o impasse entre governo e cooperativas seja cercado de controvérsias, há um fato incontestável nesse episódio. Paulo Hartung entregou o comando da Saúde a Ricardo Oliveira, exaltando justamente sua qualidade de “excelente” gestor. Hartung sempre disse que o problema na saúde é de gestão. 
Apesar do cartão de visita, Oliveira vem se mostrando um gestor incapaz de resolver os problemas da saúde, que não são poucos. Se ele sabia que o contrato vencia em julho de 2015, e conhecia também o retrospecto dessa relação com as cooperativas, por que não antecipou as negociações e se preparou para prover o atendimento de maneira planejada, como se espera de um gestor competente. 
Ao contrário, Ricardo Oliveira esgarçou ainda mais a relação com os cooperados, atropelou o acordo que vinha sendo costurado pelo vice-governador e ainda pôs o atendimento à população em risco. É difícil acreditar que o secretário tenha um plano “B” suficientemente efetivo para dar conta de substituir mais de 1.5 mil médicos especialistas em menos de dois meses sem comprometer a qualidade dos atendimentos de urgência e emergência do Estado

Veja mais notícias sobre Saúde.

Veja também:

 

Comentários:

Nenhum comentário feito ainda. Seja o primeiro a enviar um comentário
Visitante
Sexta, 03 Mai 2024

Ao aceitar, você acessará um serviço fornecido por terceiros externos a https://www.seculodiario.com.br/