PEC protocolada pelo deputado vai de encontro a decisões de ministro do STF

O deputado estadual Lucas Polese (PL) apresentou, nessa semana, a Proposta de Emenda Constituição Estadual (PEC) 2/2025, que visa alterar a nomenclatura das guardas municipais que atuam no Espírito Santo para “polícias municipais”. A pauta tem sido defendida por grupos bolsonaristas em todo o Brasil.
Projetos de lei visando mudar a nomenclatura das guardas municipais tem se multiplicado em diversas cidades do Espírito Santo. A novidade do projeto de Lucas Polese é que ele se propõe a obrigar que todos os municípios capixabas que possuam guardas locais adotem a nova terminologia, o que ficaria validado a partir da mudança na Constituição Estadual.
Na justificativa do projeto, Polese citou decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF), de repercussão geral, que garante a constitucionalidade da participação das guardas municipais em ações de segurança, inclusive policiamento ostensivo, uma função, que, em tese, seria privativa da Polícia Militar.
“O STF já frisou entendimento de que, assim como as polícias civil e militar, as guardas municipais também integram o Sistema de Segurança Pública (ADPF 995, Reclamação 61.542/GO e ADI 5.780). Essa equiparação significa que as guardas não possuem apenas a responsabilidade de proteger o patrimônio público, mas também de garantir a segurança da população, atuando de forma integrada com os demais órgãos”, argumenta o deputado.
“No que tange à constitucionalidade da proposição”, continua a justificativa, “o STF já firmou entendimento de que a competência para legislar sobre a atuação das polícias não cabe apenas à União e aos municípios, mas também aos estados. Além disso, não há interferência na competência privativa do governador, visto que não cria nova atribuição, tampouco reorganiza órgão da administração pública”.
Entretanto, em decisão posterior, o ministro Flávio Dino, do mesmo STF referendou, uma liminar que impede o município de Itaquaquecetuba (SP) de mudar a denominação de sua Guarda Civil Municipal para Polícia Municipal. O mesmo foi firmado em outra ação pelo ministro, em abril, mantendo decisão da Justiça de São Paulo que suspendeu a mudança de nome da Guarda Civil Metropolitana para Polícia Municipal de São Paulo. O pedido foi feito pela Federação Nacional de Sindicatos de Guardas Municipais (Fenaguardas).
“A denominação ‘Guarda Municipal’ é um elemento essencial da identidade institucional desses órgãos. Permitir que um município altere a nomenclatura de sua Guarda Municipal por meio de lei local representaria um precedente perigoso, pois equivaleria a autorizar estados ou municípios a modificar livremente a denominação de outras instituições cuja nomenclatura é expressamente prevista na Constituição Federal”, afirmou o ministro.
“A terminologia empregada pela Constituição não é meramente simbólica ou acidental, mas traduz a estrutura organizacional e funcional das instituições públicas, assegurando coerência e estabilidade ao ordenamento jurídico em um estado federal, no qual a autonomia dos entes subnacionais é limitada e não significa soberania”, completou Flávio Dino.
Atualmente, tramita no Senado Federal a PEC 37/2022, de autoria do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), que propõe a inclusão das guardas municipais e dos agentes de trânsito entre os órgãos que compõem a segurança pública. Já o senador Styvenson Valentim (PSDB-RN) propôs uma emenda para permitir que os municípios possam renomear a nomenclatura das guardas. Também há outros projetos semelhantes no Congresso.
Decisão do STF repercute
Em fevereiro, o STF concluiu um julgamento que resultou na seguinte tese de repercussão geral: “É constitucional, no âmbito dos municípios, o exercício de ações de segurança urbana pelas guardas municipais, inclusive o policiamento ostensivo comunitário, respeitadas as atribuições dos demais órgãos de segurança pública previstas no artigo 144 da Constituição Federal e excluída qualquer atividade de polícia judiciária, sendo submetidas ao controle externo da atividade policial pelo Ministério Público, nos termos do artigo 129, inciso 7º, da Constituição Federal”.
Logo depois que a decisão foi publicada, começaram a surgir iniciativas no Espírito Santo, capitaneadas por políticos de extrema direita, de alteração da denominação das guardas municipais em cidades como Serra, Cariacica, Vila Velha, Vitória e Cachoeiro de Itapemirim (sul do Estado). Apesar disso, diversas entidades e especialistas enxergam as iniciativas com desconfiança.
“Na verdade, os prefeitos nutrem o desejo de ter uma polícia para chamar de sua, e ao mesmo tempo obter aumento de popularidade e dividendos eleitorais. Esse tipo de medida amplia o desejo das guardas e de outros grupos que querem ser reconhecidas como polícia e agir da mesma forma. Considero retrocesso todas as iniciativas de institucionalizar novas polícias e também autorização e facilitação de porte e uso de armas. Não vi ainda gestores municipais defenderem a obrigatoriedade das câmeras corporais pelos agentes das guardas”, opina Gilmar Ferreira, militante do Movimento Nacional de Direitos Humanos no Espírito Santo (MNDH/ES).
A Federação de Entidades de Oficiais Militares Estaduais (Feneme) soltou nota pública quando a decisão do STF foi divulgada, informando que pretende usar embargos de declaração para pedir esclarecimentos sobre alguns pontos da tese. Na visão da entidade, as guardas podem, sim, atuar em ações de segurança urbana, mas não deve ser permitido que exerçam atividades de polícia ostensiva e polícia judiciária, por não se tratar de instituição policial.
“Outro aspecto a ser ressaltado”, diz a nota, “é que a tese não autoriza as guardas municipais a alterar a designação para polícias municipais”. (…) Quanto ao controle externo, tal aspecto é importante no sentido de que atuando as guardas municipais em integração com as instituições policiais, devem estar sob controle externo do Ministério Público, pois mesmo sem serem instituições policiais, podemos contribuir significativamente para as ações de polícia judiciária, polícia ostensiva e de polícia de preservação da ordem pública, ensejando assim a fiscalização nos termos especificados na tese”.