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‘Proibição de saidinha é Cavalo de Troia em lei de monitoração de detentos’

Criminalista diz que veto de Lula não elimina texto “catastrófico” e Estado não tem condições de aplicá-lo

Leonardo Sá

O presidente Lula sancionou, nessa quinta-feira (11), o polêmico projeto de lei que trata da restrição às saídas temporárias de detentos e endurecimento das regras para progressão de pena. Para alguns, Lula vetou o principal da norma, ao contrariar o Congresso Nacional e manter as “saidinhas” para presos em regime semiaberto visitarem suas famílias. Entretanto, para o advogado criminalista do Estado Antonio Fernando Moreira, o veto não elimina um texto “catastrófico” em sua totalidade.

“Essa parte da saidinha, para mim, era apenas um ‘Cavalo de Troia’ dentro do projeto de lei, um presente de grego. Agora, a lei passa a prever monitoração eletrônica em qualquer hipótese, basta a pessoa estar cumprindo pena. Isso é inviável. No Espírito Santo, já não tem tornozeleira para quem deveria ter, as pessoas ficam presas por falta de tornozeleira. No Estado, o regime aberto tem cerca de 50 mil pessoas”, relata Fernando.

Apesar do veto, Lula manteve a parte da lei que proíbe a saída de condenados por crimes hediondos, como homicídio, estupro e tráfico de drogas. Além disso, os detentos do regime semiaberto terão que usar tornozeleira em suas saídas. Advogados criminalistas e militantes do movimento de Direitos Humanos têm apontado que a nova lei prejudicará o processo de ressocialização e aumentará o já superlotado sistema prisional.

Outro ponto criticado é a necessidade de exames criminológicos para todos os casos de progressão de pena. “Isso estava na Lei 7.210/84, de Execução Penal, mas foi extinto em 2003. Agora, até ladrão de desodorante terá que passar por exame criminológico. O Estado não tem condições de avaliar todos os detentos. Vai ser um caos”, comenta Fernando, prevendo que a tendência é que a população carcerária no Brasil aumente de 800 mil pessoas para 1 milhão ainda este ano com a nova lei.

Ao falar em “Cavalo de Troia”, Fernando se refere ao fato de a discussão sobre o projeto de lei ter se resumido à questão das saídas temporárias, quando, na verdade, todo o escopo do texto deveria ter sido analisado com critério.

“Tinha que ter havido um debate. O nome da norma é ‘Lei Sargento PM Dias’, um policial assassinado por um detento que estava em saída temporária – ou seja, põe o nome da vítima na lei para não ter debate, e se você fala mal da lei, está indo contra a vítima. O próprio governo liberou a bancada no Congresso para votar como quisesse, não teve nenhum debate sobre população carcerária”.

O veto do presidente Lula também será analisado no Congresso Nacional, onde o projeto de lei foi aprovado por esmagadora maioria.

Relevância da saidinha

Além de permitir que detentos do regime semiaberto visitem familiares – o que poderá cair, caso o veto de Lula seja derrubado -, a nova lei mantém a saidinha concedida aos detentos em regime semiaberto se for para cursar supletivo profissionalizante, ensino médio ou superior, pelo prazo necessário para o cumprimento das atividades escolares.

Antônio Fernando Moreira informa que a saidinha está prevista na legislação desde 1984, mas era um direito sonegado aos detentos, que passou a incomodar quando de fato passou a ser concretizado. Um dos fatores que possibilitaram sua aplicação, explica, foi uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que permitiu que as cinco saidinhas anuais pudessem ser permitidas em decisão única, e não ter que ir cinco vezes para o Ministério Público, o que fazia com que as varas de execução não dessem conta de analisar todos pedidos.

No Espírito Santo, informa, a decisão única é feita para o período de dois anos. A saidinha, para ele, possibilita “uma volta paulatina do preso à sociedade”. “Evita que isso ocorra de forma abrupta, o que ajuda na restauração dos seus laços familiares e sociais. Do contrário, saindo de ‘uma vez’ após anos preso, certamente será mais difícil se reinserir no mercado de trabalho, tanto que no Espírito Santo só permitem que os detentos do semiaberto usufruam de trabalho externo após terem retornado da primeira ‘saidinha’, pois isso é um indicativo de que não terá porque não retornar do trabalho externo e que tem responsabilidade no cumprimento da pena”, explica Antônio Fernando.

O advogado afirma que mais de 90% dos detentos que usufruem do direito à saidinha retornam para os presídios. No Espírito Santo, destaca, apenas cerca de 2% não voltam. Além disso, o fato de a saidinha ser voltada para detentos do semiaberto é algo desconhecido para muitos, como afirma o militante do Movimento Nacional de Direitos Humanos no Espírito Santo (MNDH/ES), Gilmar Ferreira. “Não é para todo e qualquer preso, como muitos acreditam, é para os do semiaberto. O juiz vai analisar cada caso, não é ao Deus dará, tem regras rígidas, é feita uma análise do histórico criminal da pessoa”, diz.

Gilmar lamenta o fato de o Governo Lula não ter se posicionado a respeito do projeto, que avalia ter motivações de “oportunismo político” e “fins eleitoreiros”. “Quando o presidente não sinaliza para a sua bancada uma posição contrária à proposta, comete um equívoco, adotando um posicionamento populista, punitivista, que não tem a ver com a postura de um governo com compromisso com os direitos humanos, com um governo que tem atribuições organizacionais nessa área, como um ministério, que se relaciona bem com organismos internacionais”, pontua.

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