Nos idos de 1988, foi publicado pela Fundação Ceciliano Abel de Almeida, da UFES, o livro Uma, duas, três histórias infantis, com os contos, obviamente três, premiados em concurso realizado pela entidade dois anos antes. Primeiro lugar, Fadações, de Marcos Tavares; segundo lugar, O gigante fungacor, de Wanda Sily; terceiro lugar, Grades suspensas, de Lacy Ribeiro.
Não foi minha primeira nem a última publicação, mas assim mesmo, e embora dividida por três, foi uma grande emoção. Sempre é, pois livro, já disse Confúcio, é igual filho: dá o mesmo trabalho, as mesmas alegrias e as mesmas amarguras.
Passaram-se os anos – e os meus desenganos, como cantou Emilinha Borba – e deparo com o livro em um sebo da cidade, disputando poeira e traças com outros desprezados e abandonados, alguns clássicos ilustres, alguns clássicos nem tanto, a maioria publicados pelos próprios autores, tendo todos em comum a cor amarelada que o tempo imprime ao papel, indiferente ao que nele se imprimiu.
Lembrei de um antigo poema de … A múmia, que eu adorava recitar na infância. Se não me envergonha a memória, falava de uma triste múmia esperando, com o rosto eternamente exposto à execração de gerações incultas, “Que serenado o céu por sua paz sublime, e julgando o castigo inda maior que o crime, conceda-te o perdão, transformando-te em pó”. Como esses pobres livros…
Meu conto nessa honrosa publicação fala de um gigante malvado e egoísta – leia-se racista nas entrelinhas – que por culpa de suas próprias tramas, desaparece. Tudo porque foi ficando preto, mãos, braços, pernas, orelhas… Mas não morre, que em sendo o conto infantil não convém ser macabro. A solução foi fazê-lo encolher, se automutilando – tira daqui, tira dali, até sumir de todo. O tal gigante preferiu sumir do que ficar preto.
Os livros, sejam bons ou maus, sofrem o mesmo processo – vai-se a capa, solta uma folha, ou duas, rasga, rabisca, divide em dois, ou dez, molha na chuva, esquece no ônibus, resseca no sol – e acaba no lixo, no banheiro de borracharia, na reciclagem, nas prateleiras menos visitadas de uma biblioteca, ou esquecidos em porões empoeirados.
Alguns poucos privilegiados viram raridades, pela idade ou pelo conteúdo, e repousam para sempre em redomas de vidro nos museus, onde também nunca mais serão lidos porque devem ser preservados do contado humano ou do tempo… tal como a múmia envolta em suaves unguentos, perderam o direito de morrer.
Aos autores, bons ou medíocres, jamais ocorre a incômoda reflexão – Valeu a pena derrubar tantas árvores para publica-lo? Nós, humanos, somos todos egoístas., mesmo quem diz ou pensa que não é. Se pudesse escolher, quem iria preferir que a desgraça batesse em sua porta, ao invés da do vizinho, que tem mais filhos ou é mais trabalhador?
Nenhum autor, seja a Wanda Sily ou o Paulo Coelho, por mais rico e famoso que esse seja, escreveu um livro pensando no bem-estar da santa humanidade. Escreve para enaltecer seu ego, e se faz sucesso, então matou dois coelhos. Se, de alguma forma, esse livro traz algum benefício para a humanidade, ele será o primeiro a se surpreender.