Terça, 14 Mai 2024

Estatística X percepção

A conta do abandono da Segurança Pública durante os dois mandatos do governo Paulo Hartung (2003 – 2010) cada dia fica mais cara para o sucessor, Renato Casagrande. O socialista percebeu, depois de romper a metade do seu governo, que precisa agir rápido. Ele sabe que a violência pode pôr em risco seu projeto de reeleição, ainda mais se o senador Magno Malta decidir entrar mesmo na corrida pelo Palácio Anchieta em 2014.
 
Nas primeiras prévias do discurso que levaria para o palanque, o republicano já deixou claro o tema segurança não vai escapar do seu roteiro. Malta sabe que o alvo é vulnerável porque o tempo que resta a Casagrande para reverter ou ao menos amenizar os números da violência é exíguo. 
 
Após Henrique Herkenhoff deixar a Secretaria de Segurança no início de março deste ano, André Garcia assumiu o comando da pasta com a missão, quase impossível, de tentar fazer em menos de dois anos o que não se fez nos últimos 10 anos. 
 
É visível, em todas as declarações do secretário à imprensa, que o governo adotou um discurso positivo para falar de uma área com resultados tão impopulares. Há mais de uma década o Espírito Santo ocupa o posto de estado mais violento do País. Não bastasse, os homicídios de negros e mulheres também conferem ao Estado as primeiras posições. 
 
Quando toca no assunto efetivo da PM, por exemplo – que é inferior ao de 1993 -, o secretário procura olhar para frente. Ressalta que o governo está fazendo concurso para agregar 1.100 policiais à tropa. Não diz, porém, que o reforço chega atrasado. Esses novos recrutas ainda precisam ser treinados e só estarão prontos para encarar as ruas provavelmente quando os eleitores estiverem depositando seus votos nas urnas em 5 de outubro de 2014 – data do primeiro turno.
 
Isso explica um pouco a pressão em cima do secretário André Garcia, que já começou a recorrer a métodos, digamos, nebulosos, para evitar que os dados de homicídios minem os esforços do governo de tentar mostrar à sociedade que “os números ainda são elevados, mas estão em queda franca desde 2009”.
 
Até meados de maio, cidadãos e jornalistas, embora precariamente, conseguiam acompanhar os dados de homicídios ocorridos no Estado. Normalmente, a atualização da polícia era diária, feita 24 horas após o fechamento dos dados de homicídios do dia anterior. 
 
Garcia simplesmente tirou a informação do ar e só se explicou depois que a imprensa cobrou o “desaparecimento” dos dados. Ele alegou que a Sesp estava desenvolvendo uma nova metodologia para divulgar os dados, uma das mudanças, adiantou, era suprimir a identidade da vítima, segundo o secretário, para preservar os familiares. 
 
A explicação não convence. O novo formato é ainda mais tosco que o anterior. A planilha abre num formato “PDF duro” que dificulta o trabalho de cruzamento de dados para quem está comparando e pesquisando as informações, caso dos jornalistas.
 
A mudança também dá margem para desconfiar de uma possível maquiagem dos dados. Na verdade, não existe compromisso da Sesp em dar transparência aos dados de homicídios. Sabemos que a PM tem todos os dados dos crimes contra a vida (homicídios, latrocínio, confronto com a polícia, lesão corporal seguida de morte, sequestro, estupro) e contra o patrimônio, mas omite esses dados. 
 
Com relação aos crimes contra a vida, a resposta para a falta de transparência é óbvia. O governo insiste no discurso que os homicídios estão em queda desde 2009. 
 
O “pulo do gato” está justamente aí. A Sesp se baseou em um ano atípico, quando ocorreram mais de 2 mil homicídios para imediatamente, no ano seguinte, em 2010, mostrar que houve queda, que se repetiu, sucessivamente, em 2011 e 2012, ou seja, são três anos de queda. A expectativa é manter, a qualquer custa, o discurso de tendência de queda pelo quarto ano consecutivo. 
 
O problema em forçar a barra com os números, como fez o governo Hartung em 2010 – para mostrar que finalmente começava a vencer a guerra contra a criminalidade e entregava a “casa arrumada” também na segurança para o sucessor -, é que uma hora ou outra a maquiagem cai ou borra, desnudando a verdadeira face da violência. 
 
Apesar do esforço para manter o discurso de queda por meio das estatísticas, há outro indicador que está alheio a manipulação do poder público: a percepção da violência. 
 
A sensação de violência é um sentimento muito próprio do cidadão. O governo pode ir para a TV todos os dias e repetir que os números estão em queda. Pode exibir gráficos, efeitos especiais e toda a parafernália que estiver ao alcance. Não adianta nada. A sensação de segurança no cidadão só começa a mudar quando os momentos de paz voltam a prevalecer sobre os de medo. Isso não há estatística nenhuma que dê jeito, por mais que se capriche na maquiagem. 

Veja mais notícias sobre Colunas.

Veja também:

 

Comentários:

Nenhum comentário feito ainda. Seja o primeiro a enviar um comentário
Visitante
Terça, 14 Mai 2024

Ao aceitar, você acessará um serviço fornecido por terceiros externos a https://www.seculodiario.com.br/