Mauro convida os amigos para comemorar seu aniversário. Pós-expediente, com pizza à vontade e cerveja geladíssima. “Eu levo o bolo”, diz Lola, a namorada-ficante, no que é muito aplaudida. “Eu levo um filme com bastante pancadaria e perseguições de carro”, diz Juca, melhor amigo. Nada disto; no aniversário Mauro não deixa por menos – “Jogaremos carteado”.
“Baralho é coisa do passado”, exclamam todos, surpresos. “Quem não gosta pode ver televisão”, Mauro responde. E como a pizza é boa e farta a cerveja, todos vão, embora reclamando – quem ainda joga baralho nesses tempos de Internet e Netflix? Mauro explica que o baralho tem história e pedigree.
Inventado na França, seus quatro naipes representam as classes sociais do país. Os quatro reis não foram postos ali por acaso, e representam os quatro grandes reis da história. O Rei de Espadas é David, rei dos judeus; o Rei de Copas é Carlos Magno, rei francês; o Rei de Ouros é Júlio César; o Rei de Paus é o Grande Alexandre.
Grandes todos eles foram, mas como a humanidade tem memória curta, acabaram virando figurinha de jogatina. As mulheres não foram esquecidas, e também estão bem representadas nas cartas. A Dama de Ouros representa Raquel, filha de Abraão; a Dama de Espadas é Atenas, a deusa grega; a Dama de Paus é a rainha Elizabeth I, da Inglaterra.
Lola não quer parecer ignorante, e explica que também as estátuas não são feitas ao bel-prazer do artista que as cria, e obedecem normas rígidas. Se na estátua o herói monta um cavalo que tem as duas patas da frente no ar, quer dizer que essa pessoa morreu no campo de batalha.
Se o cavalo tem apenas uma das patas no ar, quer dizer que o sujeito morreu por causa de feridas recebidas no campo de batalha. Se o cavalo tem as quatro pernas no chão, quer dizer que a pessoa morreu de causas naturais. Ninguém do grupo soube explicar as causas da morte do cavalo.
“E se o cavalo tiver as quatro patas no ar?”, pergunta um engraçadinho. O carteado rola noite adentro, afinal, é sexta-feira. Na hora de acender as velas Lola se lembra que esqueceu de comprar o sorvete. Mas esquecimento não é pecado. Milhões de árvores nascem todo ano porque os esquilos enterram nozes e esquecem onde as esconderam.