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‘A classe comum tem que ser o local privilegiado da Educação Especial’

Douglas Ferrari comemora a revogação de decreto que segregava pessoas com deficiência na Educação

Arquivo pessoal

A revogação do decreto que segregava as pessoas com deficiência (PCDs) na Educação foi um dos primeiros atos do presidente da República empossado neste domingo (1), Luiz Inácio Lula da Silva, ao lado de outras decisões importantes, como o restabelecimento do Fundo Amazônia, a revogação dos decretos que facilitavam o acesso a armas pela população, a garantia do Bolsa Família de R$ 600 para as famílias pobres e a continuidade de subsídios para os combustíveis. 
Sobre a Educação Inclusiva, a decisão do novo governo federal foi publicada no Diário Oficial por meio do Decreto nº 11.370/2023, que revogou o decreto bolsonarista nº 10.502, de 30 de setembro de 2020. O ato de Lula foi comemorado entre os militantes da causa, como o professor do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (CE/Ufes) Douglas Ferrari, que também é PCD e foi um dos personagens importantes na luta pelo fim da segregação imposta pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
“A revogação do decreto é a vitória de pesquisadores e ativistas. É uma vitória da militância feita pela e para as pessoas com deficiência”, afirma, citando o Coletivo Mães Eficientes Somos Nós (MESN) como exemplo de luta feita para PCDs no Espírito Santo. “Ele já estava suspenso, mas precisava ser revogado, pois alguns estados continuavam aplicando aquela política segregacionista”, pontua. No Espírito Santo, a rede pública estadual não o aplicava, mas o pesquisador diz não poder afirmar se todos os 78 municípios capixabas também o faziam.
Douglas ressalta ainda o trabalho empreendido por dois parlamentares capixabas, que foi fundamental para essa vitória. “O deputado Felipe Rigoni [União] e o senador Fabiano Contarato [PT] entraram na Justiça contra o decreto de Bolsonaro”, diz, citando ainda 14 pedidos, feitos por outros parlamentares dentro do Congresso Nacional, para sustar a normativa. “Colaborei com esses processos legislativos e judiciários com informações e argumentações. Foi um trabalho coletivo que ajudou a colocar a questão na prioridade de ação do presidente Lula”, avalia.
“Atrapalha os sem deficiência”
Uma das mensagens compartilhadas nas redes sociais da militância pela educação inclusiva destaca uma fala de Bolsonaro e uma de um de seus ministros da Educação, o pastor presbiteriano Milton Ribeiro, que foi nomeado dois meses antes da publicação do famigerado decreto e que, dois anos depois, em junho de 2022, já como ex-ministro, seria preso pela Polícia Federal, suspeito de comandar um esquema de propinas envolvendo igrejas aliadas a ele e com pagamento em barras de ouro.
Conforme lembra o vídeo, Bolsonaro chegou a afirmar que “o pessoal acha que juntando tudo, vai dar certo. Não vai dar certo! A tendência é todo mundo ir na esteira daquele com menor inteligência” e o pastor, que “a pessoa com deficiência era colocada dentro de uma sala com alunos sem deficiência e ela não aprendia, ela atrapalhava o aprendizado dos outros”. 
Ajustes necessários
Política excludente revogada, agora é hora de fazer os ajustes necessários à Política de Educação Especial vigente, publicada em 2008. “Com a revogação, abre-se uma janela de oportunidade para se pensar na permanência e aprendizagem das pessoas com deficiência. O novo governo precisa garantir orçamento e estrutura para fazer essa avaliação, passados 14 anos da publicação. Nessa avaliação, é preciso pensar numa educação especial que tenha de fato o pedagógico como prioridade, como raiz fundamental, e que tenha a classe comum como locus privilegiado da Educação Especial. É preciso fortalecer o setor de Educação Especial no Ministério da Educação [MEC]”, afirma Douglas Ferrari.
O pesquisador entende que o pais vive um “segundo momento da Educação Especial”. O primeiro momento, explica, foi o de garantir a entrada das PCDs nas redes regulares de ensino. Agora, é preciso garantir a permanência. “Não é só matricular; é permanecer e incluir. E um aspecto importante dessa permanência e dessa inclusão é a aprendizagem. Os estudantes com deficiência também têm direito de acessar o conhecimento historicamente produzido pela sociedade, a matemática, as ciências … todas as disciplinas do currículo regular”. 
A fala é importante, porque de fato, como denunciam o Coletivo MESN, seus filhos não estão conseguindo aprender os conteúdos, ficando prioritariamente nas chamadas salas de recursos ou até mesmo nos pátios das escolas, devido à falta de profissionais em quantidade e experiência suficiente para auxiliar os estudantes PCDs dentro da sala regular. Ao menor sinal de crise ou dificuldade do estudante com deficiência, os estagiários ou cuidadores acabam tendo que retira-lo da sala de aula, impedindo que ele receba o aprendizado garantido aos demais. 
Essa situação, afirma Douglas, não muda a condição de “cada um no seu quadrado de arame farpado”, analogia que ele faz em reportagem a este Século Diário e que tem sido repetida seguidas vezes para ilustrar o estado atual das coisas. “As pessoas com deficiência têm que estar inseridas plenamente na sociedade e, como Lula disse sobre as mulheres, elas têm o direito de ser o que elas quiserem e, para isso, precisam contar com as políticas públicas necessárias para isso. Até porque todos se beneficiam da inclusão. Os estudantes sem deficiência aprendem a conviver com a diferença e a diversidade e têm mais oportunidade de exercitar a solidariedade”.
O episódio deste primeiro dia de mandato de Lula tem ainda links com outros aspectos considerados equivocados presente na educação brasileira. “A educação precisa ser voltada para uma formação humana, o ser social, não pode ser pensada primeiro como formação de mão de obra para o mercado de trabalho, isso distorce o objetivo principal da educação. O decreto que foi revogado estava nessa linha, assim como a reforma do Ensino Médio e várias medidas que ainda favorecem os interesses das empresas privadas de educação, em detrimento da educação pública. As pessoas com deficiência precisam chegar à universidade pela educação regular e não somente pela EJA [Educação de Jovens e Adultos], como ocorre hoje”.

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