MP ingressou com ação contra aditivo assinado pelo ex-prefeito Victor Coelho

A desembargadora Janete Vargas Simões, do Tribunal de Justiça do Estado (TJES), determinou a suspensão dos efeitos do 14º termo aditivo ao contrato de concessão dos serviços de água e esgoto de Cachoeiro de Itapemirim, no sul do Estado, incluindo aumento da tarifa. A decisão, publicada nessa terça-feira (2), atende parcialmente a um agravo de instrumento do Ministério Público do Estado (MPES).
Em julho, o MPES ingressou com uma ação civil pública contra a concessionária BRK Ambiental e a Prefeitura de Cachoeiro, por causa do contrato aditivo assinado em 2023, durante o mandato do ex-prefeito Victor Coelho (PSB). A alegação é de que o aditivo é irregular, indo de encontro aos dados apurados por uma empresa de consultoria para revisar a concessão, e reajustou ilegalmente a tarifa de água e esgoto em 4% para o consumidor.
Em decisão de primeira instância, no último dia 21 de agosto, o juiz João Batista Ramos reconheceu que as alegações do Ministério Público tinham fundamento, mas descartou suspender o aditivo liminarmente. No entendimento do magistrado, havia o “risco inverso”, ou seja, a “reversão da tarifa, sem considerar a totalidade das implicações, ocasionaria riscos significantes, pois a BRK, ao fazer investimentos com base na tarifa atual e operando, com a mesma base, por mais de ano e meio, ampara-se nos princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança legítima e na teoria do fato consumado”.
Diante da decisão, o Ministério Público recorreu ao TJES. A desembargadora afirmou que o juiz de Cachoeiro agiu com “prudência notória”, mas “a decisão não encontra respaldo quando se analisa a profundidade do perigo de dano que a manutenção da decisão pode causar à coletividade”.
“O perigo de dano é evidente e de difícil reparação, haja vista que a suspensão da eficácia do Termo Aditivo pode evitar a perpetuação de um suposto ato jurídico nulo, que vem causando prejuízos financeiros aos consumidores e ao erário, por meio da majoração da tarifa e da operacionalização de uma antecipação de outorga que pode ser, ao final, considerada ilícita. Assim, a manutenção da majoração da tarifa e do repasse da antecipação da outorga causa um prejuízo financeiro contínuo e diário a um grande número de consumidores, tornando a restituição dos valores cobrados de difícil e complexa execução com o passar do tempo”, escreveu a desembargadora.
Nesta quarta-feira (3), o vice-prefeito de Cachoeiro, Júnior Corrêa (Novo), gravou um vídeo comemorando a decisão. “A gente sabe, o serviço da BRK é bem feito em alguns cantos da cidade, o serviço de tratamento de esgoto, mas tem que ser respeitado o direito da população cachoeirense. E esse direito não foi respeitado”, disse.
Segundo a administração do prefeito Theodorico Ferraço (PP), a decisão da desembargadora deverá resultar em redução de mais de 10% na tarifa de água e esgoto.
‘Empréstimo’
O 14º aditivo ao contrato de concessão, que teve início em 1998 durante gestão anterior de Theodorico Ferraço, permitiu o reajuste na tarifa para o consumidor em 4%, e também previu R$ 122,7 milhões de investimentos no serviço e pagamento de R$ 15 milhões por antecipação de outorga – ou seja, valor pago antecipadamente pela BRK Ambiental à Prefeitura de Cachoeiro em decorrência da exploração do serviço. Entretanto, o MPES considera que o aumento foi ilegal, e resultou em faturamento estimado de cerca de R$ 30 milhões para BRK Ambiental.
De acordo com o MPES, em 2022, a empresa Houer Concessões, consultoria contratada pela própria prefeitura, elaborou parecer indicando que a Taxa Interna de Retorno (TIR) efetivamente obtida pela concessionária era de 19,34%, valor superior à TIR original contratual de 18,82%. Segundo a Houer, seria necessário aplicar um desconto linear de 7,6% nas tarifas até o final da concessão para restabelecer o equilíbrio financeiro do contrato.
Mesmo assim, sem justificativa formal, o acordo para reequilíbrio do contrato foi arquivado em 27 de fevereiro de 2024 pela Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos Delegados (Agersa), “sob a justificativa de que o 14º Termo Aditivo havia sido pactuado por meio de acordo firmado entre o Município e a Concessionária”, segundo o MPES.
Paralelamente aos trâmites do acordo, o então secretário interino de Governo, Thiago Bringer, também procurador-geral do município, requereu a inclusão da antecipação de outorga devida no valor de R$ 15 milhões no procedimento de revisão e reequilíbrio contratual. O MPES classificou a medida como uma forma de escamotear um “empréstimo” para a administração municipal.
No processo, a BRK Ambiental alegou que os estudos da Houer “padecem de defeitos graves”, e que o aumento da tarifa baseou-se em estudos técnicos válidos e internos da própria Agersa, conforme nota técnica de 2023. Além disso, segundo a concessionária, o aditivo possui uma cláusula de quitação mútua, no qual desistiu de todos os seus pleitos à Prefeitura de Cachoeiro. O cancelamento do acordo obrigaria as partes a renegociarem, uma vez que existe, na verdade, um desequilíbrio em seu favor de R$ 10 milhões.
Aterro e despejo de esgoto
Atualmente, a relação entre a BRK Ambiental e a gestão do prefeito Theodorico Ferraço passa por uma grande tensão. Na segunda-feira (1), a Agersa informou que instaurou um processo administrativo para apurar a legalidade de um aterro construído no rio Itapemirim pela concessionária. A medida foi anunciada após vistoria realizada na região da Ilha da Luz, próximo à sede da concessionária.
Nas últimas semanas, a empresa também recebeu de R$ 650 mil por conta do despejo de esgoto sem tratamento no rio Itapemirim por mais de dez dias. De acordo com a prefeitura, o faturamento mensal da BRK Ambiental em Cachoeiro é de R$ 6 milhões