segunda-feira, outubro 14, 2024
23.3 C
Vitória
segunda-feira, outubro 14, 2024
segunda-feira, outubro 14, 2024

Leia Também:

Justiça mantém indenização para mãe de mulher morta em presídio

Governo do Estado havia recorrido da decisão. Decisão agora também estipulou indenização por danos materiais

Uma comissão colegiada da 4ª Câmara Cível indeferiu recurso do Governo do Estado que pleiteou ausência de responsabilidade ou redução no valor da indenização a ser paga para a mãe de Maciel Santos Soares, mulher transgênero cujo nome social era Macielly, assassinada na Penitenciária de Segurança Média II (PSME II), destinada a presos LGBTI+, em outubro de 2021. A 5ª Vara da Fazenda Pública Estadual e Municipal de Registros Públicos, Meio Ambiente e Saúde de Vitória condenou o Governo a pagar R$ 70 mil de indenização por danos morais.

A comissão é composta por três desembargadores: Robson Luiz Albanez, Jorge do Nascimento Viana e Eliana Junqueira Munhos Ferreira, que é relatora. O advogado da família, Antônio Fernando Moreira, afirma que, caso o Governo do Estado recorra novamente, “a chance de ter êxito é praticamente nula, pois o valor concedido para indenizações por danos morais está dentro da jurisprudência do STJ [Supremo Tribunal de Justiça]”.

Na decisão judicial, também houve o acolhimento do pedido do advogado de pagamento de danos materiais no valor de 1/3 do salário mínimo – R$ 1,3 mil – até a expectativa média de vida da vítima, que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), era de 76 anos, ou até o falecimento da requerente. Na decisão da 5ª Vara da Fazenda Pública Estadual e Municipal de Registros Públicos, Meio Ambiente e Saúde de Vitória, esse direito não havia sido reconhecido.
A vítima foi morta por um companheiro de cela, que teve ajuda de outros dois detentos para cometer o crime. Na nova decisão, a comissão menciona a Constituição Federal, que prevê que “é dever estatal prestar segurança e vigilância aos presos”, e o STJ, que afirma ser “objetiva a responsabilidade do Estado [art. 37, § 6º, da CF] em indenizar a família do detento que estava sob sua custódia e foi assassinado dentro da carceragem, visto que não cumpriu o dever constitucional de assegurar a integridade física do preso, conforme disposto no art 5º, XLIX, da Constituição Federal”.
Diante disso, afirma, “inexiste dúvida que a hipótese de morte de custodiado dentro do estabelecimento prisional gera responsabilidade objetiva para a Administração Pública em decorrência da sua omissão específica em cumprir o dever especial de proteção que lhe é imposto pelo art. 5º, inciso XLIX, da Constituição da República, uma vez que é dever estatal prestar segurança e vigilância aos presos”.
Na sentença, também é destacado que somente nos casos em que não é possível ao Estado agir para evitar a morte do detento, que ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade, rompe-se o nexo de causalidade, afastando a responsabilidade do Poder Público. “A partir destas premissas, verifico que não há como afastar a responsabilidade civil do Estado do Espírito Santo pela morte da filha da requerente, na medida em que o seu assassinato ocorreu no interior de cela da PSME II, sob a guarda e proteção do referido ente estatal, sem que o Poder Público tenha tomado as providências para salvaguardar sua integridade, gerando o dever de indenizar por danos morais e materiais”.
Além disso, é apontado que “as alegações de que a morte da filha da requerente teria decorrido de culpa exclusiva dos demais detentos e que não teria havido falha na fiscalização e guarda dos custodiados pelos agentes públicos, não merecem prosperar, pois confusões e conflitos de interesses no interior das unidades prisionais são notoriamente previsíveis, competindo aos prepostos do Estado a função de buscar evitar que elas venham a ocorrer. adotando as medidas pertinentes, justamente para evitar fatalidades como a aqui noticiada”.
Conforme consta na decisão, o Estado do Espírito Santo argumentou que o valor de R$ 70 mil estipulado para a indenização teria sido desproporcional. Contudo, a Justiça afirma ser “inquestionável que o óbito da filha da autora, quando ainda possuía apenas 26 [vinte e seis] anos, lhe ocasionou dano extrapatrimonial, uma vez que foi privada eternamente da convivência com a sua prole, em virtude de um assassinato ocorrido dentro de uma unidade prisional, acarretando sofrimento imensurável e uma dor que levará consigo por toda a vida, tornando cabível a indenização, nos termos do art. 5º, inciso X, da Constituição da República, e dos arts. 186 e 927, ambos do Código Civil”.
Quanto aos danos materiais, na decisão consta que “as meras alegações do ente estatal requerido no sentido que a autora não fez prova do auxílio econômico de sua falecida filha à família e que esta não estava auferindo nenhuma receita por estar encarcerada, sem o devido acompanhamento probatório, não possui o condão de afastar a presunção relativa de dependência econômica entre todos os membros daquela família de baixa renda, principalmente por ser a falecida uma jovem mulher transgênero, que possui reduzido nível de escolaridade, não tornando leviano supor que, tão logo fosse posta em liberdade, retomaria sua vida junto de sua genitora e, de alguma forma, quando ingresse formal ou informalmente no mercado de trabalho, buscaria contribuir financeiramente com as despesas arcadas pela sua genitora”.
Diante disso, a sentença deixa claro que, “considerando tratar-se de família de baixa renda e não tendo o Estado requerido se desincumbido de seu ônus de afastar a presunção relativa de dependência econômica entre seus membros, deve ser reformada em parte a sentença objurgada, a fim que o ente estatal seja obrigado a efetuar o pagamento de pensão mensal à genitora da falecida detenta na proporção de 1/3 do salário-mínimo, a partir do evento danoso e até a data em que a vítima completaria 77 anos de idade, expectativa média de vida do brasileiro na data do seu falecimento (21/10/2021), ou até o óbito da beneficiária, se tal fato ocorrer primeiro”.
O crime
Quando o crime ocorreu, a Secretaria Estadual de Justiça (Sejus) chegou a se pronunciar dizendo que a ocorrência havia sido registrada pela Polícia Civil (PC) como suicídio e que quatro internos prestaram depoimento no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), sendo instaurado inquérito policial pela Delegacia de Crimes Carcerários, para apurar as circunstâncias do fato.
No inquérito consta que foi determinada “a lavratura do competente auto de prisão em flagrante de delito” contra os três detentos que participaram do crime. O advogado da família, Antonio Fernando Moreira, defende, no pedido de indenização, que não foi adotada qualquer ação para garantir a sobrevivência da vítima, “apenas uma inauguração de presídio, supostamente para apenas presos LGBTI+, para inglês ver”.
A afirmação se baseia, conforme consta no documento, no fato de que um dos assassinos se autodeclara cisgênero no Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), ou seja, não pertence à comunidade LGBT+. De acordo com o relato feito no pedido de indenização, ele desferiu um “mata-leão” contra a vítima e permaneceu segurando seu pescoço por algum tempo. Depois, outro detento colocou as pernas em cima das pernas da mulher, para que ela parasse de se debater e fazer barulho.
Em seguida, o interno que deu o “mata-leão”, ainda segurando o pescoço da vítima, solicitou para um terceiro que pegasse um lençol para enforcá-la, o que foi acatado. As agressões findaram somente quando foi constatada a morte. O detento que deu início à violência pratica artes marciais e disse que agiu motivado por uma dívida de comida. Além disso, ele teria tentado matar outro colega de cela na noite anterior, pois sua intenção com os crimes era ser transferido para outro presídio.

Mais Lidas