Violências contra mulher operadas pelo Judiciário terão canal de denúncia
Todas as formas de violência praticadas pelo Judiciário contra as mulheres contarão com um canal específico de denúncia, além de capacitações recorrentes aos magistrados e servidores vinculados a este poder e também aos cartórios. A iniciativa é da Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ) e tem o objetivo de garantir uma "política permanente de enfrentamento a todas as formas de violência contra a mulher", crime que tem o Espírito Santo como um dos estados onde os índices são mais elevados. As regras constam no Provimento nº 147, publicado na última sexta-feira (21) pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Luís Felipe Salomão.
"Essa era uma demanda antiga de grupos especializados na prevenção, combate e repressão às formas de violência contra a mulher, como o Fordan e tantas outras iniciativas existentes nas universidades brasileiras e nos grupos da sociedade civil organizada que, agora, finalmente se torna realidade e seu cumprimento pode ser cobrado com base nas diretrizes estabelecidas pelo provimento", comemora Carla Appollinario, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), onde é vice-coordenadora do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito e coordenadora da Clínica Jurídica LGBTQIA+.
A acadêmica é parceira do programa de extensão da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Fordan, por meio do qual vem acompanhando os recorrentes atos de misoginia e violência institucional que ocorrem no Espírito Santo a partir do Judiciário, que agravam o drama das mulheres que sofrem violência doméstica e não encontram na Justiça o espaço de acolhimento e enfrentamento que têm direito, caracterizando uma revitimização, denunciada seguidas vezes pelo programa de extensão.
Casos emblemáticos dessa situação são os de Rosemery Casoli e de Alessandra Souza, noticiados em Século Diário. Nesses e em muitos outros, a negativa ou revogação irregular da Medida Protetiva de Urgência (MPU), executadas pela 1ª Vara Especializada em Violência Doméstica e Familiar contra Mulher de Vitória, expõe as mulheres ao risco de morte. A falta de acesso à MPU, conforme mostra estudo do Fordan, está diretamente relacionada ao aumento dos casos de feminicídio.
O provimento prevê englobar desde casos de ofensas e desrespeitos, até assédios moral, psicológico e sexual. O "canal simplificado de acesso a vítimas de violência", a ser criado no CNJ, prevê, entre os princípios e diretrizes, a não exigência de uma "prova pré-constituída dos fatos alegados", valorizando assim a legitimidade do relato da mulher agredida.
Carla Appollinario ressalta também a possibilidade de que a vítima seja ouvida por uma juíza mulher ao fazer a denúncia e de obter atendimento psicossocial por um órgão de preferência da pessoa vítima de violência, o que pode facilitar o acesso. "Todas essas medidas são fundamentais, não apenas para capacitar os agentes do Poder Judiciário e dos serviços auxiliares para que participem diretamente na prevenção de toda e qualquer forma de violência, como também tem o potencial de diminuir a incidência de situações em que o próprio Judiciário é responsável pela sua prática, direta ou indiretamente, por ação ou omissão, o que pode se configurar como violência institucional", avalia.
"O formulário deverá conter, além de linguagem simplificada e humanizada, dados que permitam a formulação de estudos estatísticos acerca do perfil das demandas, observado o sigilo das informações. Caso a apuração dos fatos não seja de competência da Corregedoria Nacional de Justiça, a vítima receberá orientação acerca das vias adequadas para a formulação de sua reclamação", pontua o CNJ. "O provimento orienta ainda para a necessária capacitação dos magistrados e servidores da Corregedoria Nacional de Justiça, a fim de enfrentarem as formas de violência contra a mulher e atuarem segundo o protocolo de julgamento com perspectiva de gênero", acrescenta.
Outros princípios que norteiam o documento incluem: "eliminação de todas as noções preconcebidas e estereotipadas sobre as respostas esperadas da mulher à violência sofrida e sobre o padrão de prova exigido para sustentar a ocorrência da agressão"; "não revitimização da ofendida, evitando-se sucessivas inquirições sobre o mesmo fato, bem como questionamentos desnecessários sobre sua vida privada"; e "enfrentamento da subnotificação dos casos de violência contra a mulher".
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