Relator Fábio Nery Brasil votou pela constitucionalidade e contra pedido da Findes

O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a Lei de Qualidade do Ar de Vitória (Lei 10.011/2023) vai ser retomado na próxima quinta-feira (12) pelo Tribunal de Justiça do Estado (TJES). No último dia 22, o relator do processo, o desembargador Fábio Nery Brasil, votou contra o pedido da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes) para que a norma seja declarada inconstitucional, o que deu esperanças aos seus defensores.
De acordo com o desembargador, os municípios possuem, sim, competência suplementar para legislar sobre meio ambiente para atender assuntos de interesse local, conforme apontado em dispositivos das constituições Federal e do Espírito Santo. Decisões mais recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) também referendam esse ponto de vista.
Em seu voto, o relator destacou as peculiaridades de Vitória apontadas pela defesa da Câmara de Vereadores: uma ilha e capital de um estado – só existem três em todo país -, onde está contido um porto, um aeroporto e um complexo industrial de grande magnitude inserido bem no coração da cidade, entre bairros populosos e uma praia de grande circulação popular e turística.
O desembargador ressaltou, ainda, notícias recentes sobre aumento do “pó preto” na cidade, e argumentou que o próprio STF obrigou o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) a adotar padrões de qualidade do ar compatíveis com entendimentos científicos mais recentes da Organização Mundial de Saúde (OMS).
“Dentro deste cenário, verifico que o município de Vitória, ao normatizar padrões mais rigorosos de qualidade do ar, atendendo suas peculiaridades locais, caminha ao encontro da recomendação da OMS, colocando-se em posição de vanguarda no aprimoramento do controle e prevenção da poluição atmosférica em âmbito municipal, não havendo se falar em rota de colisão com as disposições contidas no Decreto nº 3463-R/2013 e nas Resoluções Conama nºs 491/2018 e 506/2024, tampouco com a Lei Estadual 12.059/2024, mencionada pela parte autora [Findes]”, afirmou.
O relator rechaçou, ainda, a argumentação da Findes de que a Câmara de Vereadores invadiu a competência do Poder Executivo ao editar norma que cria despesas para a administração municipal. Fábio Nery Brasil apontou que a invasão de competência ocorreria somente se houvesse modificação estrutural da gestão, acrescentando ainda que a própria lei estabelece que a prefeitura deverá regulamentá-la por decreto.
“Lado outro, a norma em nada altera a estrutura ou atribuições já existentes dos órgãos da Administração Municipal, tendo apenas demandado a atuação quanto ao controle e monitoramento da qualidade do ar, encargo este inerente ao Poder Público, a fim de concretizar o direito social à saúde, previsto na Constituição, através de melhores índices de qualidade do ar. Logo, não há que se falar em desrespeito à iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo”, escreveu.
O relator opinou pela inconstitucionalidade de apenas um trecho de um dos dispositivos do artigo 3º, que estabelece prazo de um ano para que a gestão apresente ao Conselho de Defesa do Meio Ambiente de Vitória (Condema) uma proposta de resolução que estabelecerá limites de emissão de poluentes atmosféricos para fontes fixas presentes no município. Fábio Nery Brasil votou para suprimir apenas a parte que determina o prazo.
Logo após o voto do relator, o desembargador Fernando Zardini pediu vistas do processo. Ele foi o plantonista que concedeu a decisão liminar que suspendeu a lei, em dezembro de 2023. Zardini argumentou que “o desembargador Fabio Brasil Nery traz alguns elementos que eu gostaria de revisitar, até pelo lapso de tempo transcorrido”.
Preliminares rejeitadas
Antes da análise do mérito da ação, foi finalizada a discussão sobre as questões preliminares apontadas pelo ex-vereador André Moreira, autor da inciativa que resultou na lei, e que agora aparece no processo como advogado do Partido Socialismo e Liberdade (Psol).
Uma delas diz respeito à legitimidade da Federação das Indústrias do Espírito Santo para questionar a norma. O desembargador William Silva teve um voto divergente sobre a questão. Para ele, a Findes possui pertinência para questionar o artigo 12 da Lei 10.011/2023, que apresenta valores específicos para controle da poluição atmosférica – que é o ponto que mais gera reclamação das principais poluidoras, Vale e ArcelorMittal. O restante da norma, porém, não possui relação direta com os interesses da entidade.
“A despeito da relevância e da amplitude da matéria ambiental tratada na lei municipal, isso não se nega, constata-se que a maior parte de seu conteúdo diz respeito a políticas públicas voltadas à proteção da saúde e ao controle da poluição ambiental em sentido amplo, sem relação direta e específica dos objetivos institucionais da Findes, tampouco com os interesses setoriais das indústrias por ela representadas”, argumentou o desembargador.
Entretanto, o entendimento de William Silva não foi acolhido pelos demais desembargadores. Se a sua visão tivesse prevalecido, a própria ação movida pela Findes poderia ficar inviabilizada, ao menos em parte, antes mesmo de qualquer julgamento de mérito.
Luta pela qualidade do ar
A Lei nº 10.011 foi sancionada pelo prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) no dia 19 de dezembro de 2023, a partir de uma emenda substitutiva ao Projeto de Lei nº 54/2023, proposto por André Moreira em março daquele ano, que foi aprovada por ampla maioria pela Câmara de Vereadores no dia 5 de dezembro.

A ADI foi protocolada dois dias depois da sanção, em 21 de dezembro, e o desembargador Fernando Zardini Antônio acatou-a liminarmente menos de quatro horas após o protocolo, durante um plantão judiciário, alegando risco de prejuízos financeiros para as empresas instaladas na Capital.
No ano passado, o Ministério Público do Estado (MPES) se manifestou contrariamente à constitucionalidade da lei, fazendo coro à Findes. Na visão do MPES, o município não tem competência para legislar sobre essa matéria, apenas os entes estadual e federal.
“É necessário, é urgente, que a gente adote uma medida, uma legislação, cujo rigor seja adequado à preservação da saúde dos moradores de Vitória. E Vitória tem uma siderúrgica dentro da cidade e outra na beira da cidade. Não dá para adotar o padrão estadual em Vitória, justamente porque Vitória tem uma peculiaridade, que é a presença dessas duas grandes empresas, além de outras, porque, obviamente, a legislação não é só referente a elas”, defendeu André Moreira, em sustentação oral durante o julgamento.
‘Padrão indecoroso’
Em âmbito estadual, o governador Renato Casagrande (PSB) sancionou, em abril do ano passado, a nova política de qualidade do ar, que transfere a gestão para a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama), enquanto o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) mantém o papel de órgão fiscalizador e o Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) torna-se órgão consultivo.
Entretanto, o projeto de lei foi aprovado na Assembleia Legislativa sem debate com a sociedade civil e sem apresentar parâmetros atualizados de medição da qualidade do ar. A proposta de regulamentação apresentada pelo governo estadual foi classificada como “indecorosa” pela Juntos SOS ES Ambiental.
Enquanto isso, a “boiada passa”. A ArcelorMittal anunciou, no último dia 6 de fevereiro, que investirá R$ 3,8 bilhões no Complexo de Tubarão, ampliando a produção de tiras de aço com laminador a frio. A notícia foi celebrada por Renato Casagrande (PSB) como o “maior investimento privado da história do Espírito Santo”.