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‘Está uma tragédia a saúde das crianças com deficiência no ES’, afirma Coletivo

Mães Eficientes cobram do secretário Miguel Paulo Duarte Neto que amplie a rede pública e reduza terceirizações

Passado quase um ano desde o acampamento no Palácio Anchieta, realizado pelo Coletivo Mães Eficientes Somos Nós, o balanço geral das duas pautas centrais do movimento é que, enquanto na Educação houve avanço em relação ao planejamento para contratação de cuidadores e professores de Educação Especial – que precisa ser mostrar real quando o ano letivo se iniciar – a Saúde continua estagnada numa situação crítica. “Está uma tragédia a saúde das crianças com deficiência do estado do Espírito Santo”, resume a coordenadora-geral do Coletivo, Lucia Mara dos Santos Martins.

Os pequenos avanços obtidos sob a gestão de Nésio Fernandes – hoje Secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde do governo Lula (PT) – se perderam ainda em 2022 e chegam para o atual secretário estadual, Miguel Paulo Duarte Neto, com a velha urgência conhecida das mães.

Sesa

“No começo conseguimos acesso de muitas famílias para consultas no Himaba [Hospital Estadual Infantil e Maternidade Alzir Bernardino Alves, em Vila Velha], mas não teve continuidade do tratamento. Falamos isso na última reunião com o governador. O novo secretário, que não conhece essa demanda, pode ter dificuldade em continuar o diálogo. Por enquanto nós não acreditamos que ele vai conseguir. Até ele entender o que está acontecendo!”, lamenta a coordenadora, acrescentando seu viés privatista, já enfatizado por outras organizações populares da saúde reunidas no Coletivo Defensores do SUS.

Lucia explica que as milhares de consultas com neuro e psiquiatras pediátricos realizadas no Himaba agora se tornaram um problema para as famílias, que chegam a dormir na fila para conseguir as consultas necessárias para o monitoramento periódico do tratamento das crianças e adolescentes. Já no Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória (HINSG), em Vitória, conta, o atendimento é fechado para os pacientes internados na instituição.

Já a experiência em Cariacica, com uma clínica particular contratualizada para realizar consultas de neuro e psiquiatria pediátrica para centenas de famílias, foi “um desastre”, considerando as condições físicas do local, a superlotação e a péssima qualidade do atendimento por parte dos médicos.

“O médico nem olhou para a cara da gente, fez tudo automático, só ligou o computador e deu o laudo ‘não verbal’, sendo que os dois falam. E disse que eu estava ferrada’ por ser mãe do Ricardinho, porque ele ia me dar muito trabalho. A consulta não durou nem cinco minutos”, conta uma mãe. “Esse dia foi o dia dos horrores. Eu nunca na minha vida pensei em ser tão maltratada, não só eu e o meu filho, todas as pessoas que estavam lá”, descreve outra. “O meu filho precisava de medicação para distúrbio de atenção e ele passou remédio para dormir, nada a ver. Não ficamos nem cinco minutos. Seco, ignorante, foi uma porcaria, infelizmente”, desabafou uma outra.

O coletivo, ressalta Lucia, ainda vive o luto da jovem com deficiência Indiana Cristina, filha de uma das mães que integram o movimento, falecida aos 22 anos na véspera do último Natal. “Morreu por negligência do Estado. Era para ela estar viva. A mãe pediu socorro muitas vezes. Quando conseguiu uma vaga no Dório Silva, os equipamentos estavam quebrados e os profissionais não puderam atender. Quando voltou na semana seguinte, não tinha mais jeito, o estado tinha se agravado e ela morreu”.

Qual a demanda?

Questionamos à Secretaria Estadual da Saúde (Sesa) sobre qual a demanda atual para esses dois profissionais de saúde mental no Estado, neuro e psiquiatra pediátrico, e qual o efetivo médico para atende-la. Em nota, a Secretaria respondeu que, na Grande Vitória, os atendimentos são feitos no HINSG e Himaba e que, no interior, a disponibilidade é no Centro Regional de Especialidades (CRE) de Cachoeiro de Itapemirim, no sul, e no CRE de São Mateus, no norte. “O estado possui, sob contrato, 06 neuropediatras atendendo no HINSG e Himaba, e 04 atendendo nas unidades do interior”.

Há ainda, complementou a Sesa, “unidades de apoio e acolhimento a crianças e adolescentes do Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (CAPSi), em Vitória, Vila Velha, Serra e Cariacica”.

Sobre o diagnóstico da demanda, do número de consultas represadas, a Secretaria não respondeu.

Lucia reforça que “o Himaba está atendendo acima da capacidade e não dá conta” e que o Infantil de Vitória “está uma catástrofe”, com “uma direção extremamente ruim” e com poucos profissionais. “A única doutora que tinha no hospital entrou em licença maternidade, e agora vai piorar ainda mais. Dizem que está resolvendo, mas nunca resolve. O hospital está desmontado, não tem atendimento, está indo tudo para o Himaba”.

A Sesa informou ainda que os dois hospitais e os CREs compõem a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência (RCPD), criada pelo governo federal em 2012, mesmo ano em que o Espírito Santo aderiu a ela. Outras estruturas que a compõem, segundo a Sesa, são “a Atenção Básica, composta pelas Unidades Básicas de Saúde (UBS), equipes da Atenção Primária (eAP) e da Saúde da Família (eSF); equipes dos Núcleos Ampliados de Saúde da Família (NASF) e atenção odontológica; Atenção Especializada, composta pelos Centros Especializados em Reabilitação (CER), serviços habilitados em uma única modalidade de reabilitação e os Centros de Especialidades Odontológicas (CEO); e Atenção Hospitalar e Rede de Urgência e Emergência”.

A Rede, no entanto, lamenta a coordenadora do Coletivo, ainda tem pouca efetividade. “Ninguém sabe que essa Rede funciona. Ninguém nem tem conhecimento! Está só no papel”. Sobre os CER, enfatiza, o atendimento é somente nas instituições privadas. “Atende só nas Apaes [Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais] e não dá conta de atender toda a demanda. Não funciona. Esses serviços tinham que funcionar no serviço público. A gente não pode defender o desmonte do serviço público para essas instituições”.

“A saúde está péssima, a gente não sabe mais o que fazer. Todos os dias tem mães pedindo socorro para atendimento para os filhos. Para garantirem o mínimo de dignidade para os filhos, elas precisam ter acesso a um laudo para acessar o serviço de passe livre, um BPC [Benefício de Prestação Continuada] … elas estão passando necessidade, estão passando fome”, relata Lucia.

“Nos sentimos usadas”

Um golpe recente, conta a coordenadora, foi dado em dezembro, com o lançamento da Política Estadual de Cofinanciamento dos Serviços Especializados em Reabilitação Intelectual e TEA (SERDIA). Lucia conta que a proposta foi construída em diálogo com o Coletivo, durante as reuniões mensais com a Sesa e a cada 45 dias com o governador Renato Casagrande (PSB). Mas a forma de implementação foi uma decisão unilateral que contrariou tudo o que vinha sendo discutido.

Redes sociais

Em nota, a Sesa conta que os Serdia com “uma equipe multidisciplinar formada por Médico clínico geral ou Pediatra ou Neurologista ou psiquiatra; Psicólogo; Fonoaudiólogo; Terapeuta ocupacional e/ou fisioterapeuta e Assistente social” e funcionarão com recursos provenientes da coparticipação do estado e municípios.

A Resolução CIB n° 236/2022 estabelece três níveis de Serdia: tipo I, para municípios com população inferior 20 mil habitantes; tipo II, para populações entre 20 mil e 100 mil habitantes; e tipo III, para populações acima de 100 mil habitantes. Os repasses financeiros serão, respectivamente, de R$ 12 mil, R$ 24 mil e 48 mil. Nos três tipos, “os recursos serão transferidos Fundo à Fundo para os municípios beneficiários, mensalmente, em parcela pré-fixada”, sendo o Estado responsável por 60% do orçamento e os municípios pelos demais 40%.

“Inicialmente estão previstos 84 serviços em todo o estado, sendo permitido o agrupamento de municípios ou a habilitação de mais de um serviço em municípios com população acima de 100 mil habitantes. Os SERDIA serão implementados conforme adesão dos municípios com pactuação nas instâncias gestoras de CIR e CIB”, explica a Resolução.

“A proposta construída é excelente, porque vai levar o recurso para os municípios. Mas ficou ‘politiqueiro’, porque no final quem pegou o serviço foi a Apae. A gente nem ficou sabendo”, reclama. Dessa forma, o coletivo entende que a proposta foi desvirtuada. “Não vai conseguir o resultado que a gente quer. O coletivo defende que tem que acontecer o serviço dentro das instituições públicas, com o fortalecimento na rede pública”.

Da forma como está, acentua, o movimento será o oposto. “Isso se chama desmonte do atendimento público, terceirização do serviço público e a gente não compactua com isso. A proposta na sua intenção iria democratizar o acesso sim, mas a forma que foi apresentada pela Feapaes, dá brecha para que seja usada para desmontar o serviço público. Debate no próximo mês com o governador. Nos sentimos usadas, porque vinha fazendo a construção, mas a efetividade não aconteceu”.

Telesaúde e Samu

A Sesa informou ainda sobre um novo serviço de telessaúde, cujas “diretrizes orientativas destinadas às instituições” foram publicadas na última segunda-feira (9), por meio da Portaria nº 171-R.

Em relação ao Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu 192), o pedido do Coletivo, para inclusão de profissionais que possam lidar com crianças, adolescentes e adultos em surto, não há previsão de atendimento.

“O SAMU192 no Espírito Santo segue o padrão de composição de equipes dos demais estados brasileiros. Em todas as situações de acionamento que preencham critérios de urgência e emergência às unidades realizam atendimento e contam com equipe treinadas independente das especificidades de cada situação”, informou a Sesa.

Lembrando fato ocorrido há pouco mais de um ano, quando uma mãe em Cariacica registrou boletim de ocorrência contra maus tratos sofridos pelo filho no atendimento do Samu, Lucia lamenta que “não há atendimento humanizado para as pessoas que necessitam desse serviço com algum tipo de sofrimento mental”.

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“Nada sobre eles sem eles”

Diante do quadro de estagnação e precariedade da Saúde, Lucia reafirma que o Coletivo continua mobilizado para continuar dialogando com o Estado, por meio das reuniões com o governador e seus secretários de Saúde e Educação, conforme acertado após o AcampaPalácio de 2022. “Não vamos dar trégua, se for preciso vamos ocupar o palácio de novo, vamos ocupar as ruas e usar nossos corpos de mulheres em sofrimento para fazer resistência e conseguir a efetividade, não só no papel”.

A primeira reunião com o secretário Miguel Paulo Duarte Neto, foi com a presença dos filhos com deficiência, para surpresa do novo gestor. “Os gestores aprendem a dialogar conosco com a presença ativa dos nossos filhos. Apesar deles estarem nem aí para o que estamos falando, estão ali, interagindo, brincando, fazendo suas questões de criança e do seu protagonismo infantil. É um orgulho construir a nossa luta política com essa presença. Nada sobre eles sem eles!”

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