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Com bela vista, arte e história, Rota do São Benedito estreia em junho

Saiba como é o percurso no morro de Vitória que passa a abrigar experiência diferenciada de turismo comunitário

Praça Jair de Andrade. Ou Praça do São Benedito, como é mais conhecida, em referência ao bairro em que se localiza, em Vitória. Ali é o ponto final do ônibus 031 e também de encontro de pessoas, jovens a idosos, em torno de alguns comércios e residências. Embora pequena, a praça guarda muitas memórias, seja na arquitetura que permanece, nas pessoas que ali vivem ou nas histórias passados por aqueles que já se foram dessa vida, mas passaram adiante o conhecimento sobre esse local.

Nesse marco zero do bairro, antes feito de mato e barro e hoje urbanizado, é que se inicia a Rota do São Benedito, projeto realizado pelo Ateliê de Ideias com o movimento comunitário local e recursos de um edital do Instituto de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) municipal. É uma aposta no turismo comunitário e de experiência, não só para gerar renda para a comunidade, como desfazer estigmas que pairam sobre o chamado Território do Bem, conjunto de nove bairros que reúnem mais de 30 mil moradores na capital capixaba.

Placa instalada na pequena praça marca ponto de partida do tour. Foto: Thais Gobbo

“A gente quer mostrar para a sociedade que aqui dentro tem potência. Geralmente a mídia mostra só a parte ruim, não vem ver com os próprios olhos o que estamos fazendo. A gente quer mostrar a beleza, a culinária e comércio locais, a história do bairro, a mata atlântica que a gente preserva”, conta Valmir Dantas, líder comunitário e profundo conhecedor do São Benedito, que nos acompanha no tour. Ele recomenda vir com roupas leves, calçado adequado para fazer caminhada, protetor solar se for de dia, e ainda água e um lanchinho, que podem também ser comprados no comércio local, caso o visitante queira ajudar a fortalecê-lo.

O passeio pode durar entre duas e três horas e Valmir considera que a caminhada não é muito pesada, embora exija algum esforço na reta final, com uma subida mais íngreme e na terra, para acessar o farol localizado no topo do morro de São Benedito, a cereja do bolo da rota, com umas vista única de 360 graus da ilha e continente de Vitória. Farol marítimo ainda em funcionamento, é considerado o mais alto do Brasil, com 208 metros de altitude, servindo para os navios e também para os aviões antes que a rota aérea do aeroporto fosse modificada. Lá de cima, a vista por si só já valeria o passeio, mas a comunidade queria mais.

Do alto do São Benedito, uma vista única da cidade de Vitória. Foto: Leonardo Sá

Valendo-se de um inventário feito pelos próprios habitantes por meio do Fórum de Moradores do Território do Bem, a história ganhou expressão também em alguns muros do caminho, por meio de parceria com o Cidade Quintal, projeto que já realizou pinturas e pesquisas em vários bairros da Grande Vitória. “Eles chegaram até nós com um repertório, material, cartilha, documentos, coisa muito rica. Nosso trabalho veio para pensar uma experiência que traduzisse essa pesquisa mais documental em imagem e textos numa linguagem acessível”, conta Juliana Lisboa, do Cidade Quintal.

Em cada uma das oito paradas, além de uma pintura específica, há também um áudio que pode ser acessado por QR Code em celular, reunindo depoimentos de moradores sobre cada local, remetendo à oralidade tão importante na transmissão de conhecimento na comunidade. A recomendação é que o tour seja feito em companhia com guias locais, o que de forma alguma esgota a experiência. Ao contrário, diz Juliana, os áudios foram pensados para serem complementares em relação às informações dos guias, que estão sendo formados com moradores da própria região, com a intenção de constituir futuramente uma agência de turismo comunitário.

Embora a Rota do São Benedito tenha sido construída com uma ordem numérica, ela pode ser feita de diversas maneiras, já que os áudios são independentes. Também pretende-se que possa se adaptar a diversos públicos, desde aventureiros a famílias, idosos e estudantes de diversas áreas, podendo ter enfoques específicos. As subidas poderão ter diferentes pacotes, incluindo por exemplo café da manhã ou a opção de horário para ver o pôr do sol ou o nascer do Astro-Rei. O projeto, que está acertando os últimos ponteiros para estrear oficialmente, divulga suas informações no site https://www.rotadosaobenedito.com.br.

Uma das pinturas que fazem parte da rota. Foto: Leonardo Sá

Entre as experiências registradas nos muros e áudios, estão de personalidades vivas como Maria Sururu, uma moradora que é catadora de sururu há décadas, se sustentando da venda do marisco comum no litoral capixaba; o de dona Nailma, uma das primeiras moradoras quilombolas vindas do norte do Estado a se instalar no São Benedito, após a expulsão de várias famílias que vivam no território de Sapê do Norte diante da implantação de monocultivos de eucalipto para a instalação da indústria de celulose. Para fazer a pintura que a representa, como moradora que ajudou a acolher muitos migrantes quilombolas, foi convidado Thiago Balbino, artista cujas raízes familiares vêm dos quilombos do Sapê do Norte.

Com sorte, dá pra encontrar algumas das personagens que dão depoimentos nos áudios, como o próprio Valmir e seu Maurílio, um dos primeiros moradores, que nos conta sobre o processo de chegada e ocupação do local a partir da década de 1950. Seu Otto Rodrigues é outro personagem que geralmente pode ser encontrado no caminho, com a marcenaria onde produz banquinhos e utensílios de madeira, além de estar sempre disposto a uma boa prosa para contar um pouco sobre sua trajetória de mais de nove décadas de vida.

Outros personagens dessa história não estão mais entre nós, como seu Manoel, dono de um antigo bar, hoje mercearia, cujas paredes ganharam sua imagem junto ao número 220. Isso porque ali era o primeiro local a ter endereço registrado no morro, com aquele número, para onde todos moradores destinavam suas correspondências, que eram guardadas ali no bar e buscada por eles. Até hoje é assim, conta Cauã Moura, neto de Seu Manoel, que encontramos por lá. Embora em quantidade muito menor, graças à regularização dos endereços e extensão das direções postais, ainda tem quem use o local para fazer chegar suas cartas onde hoje é um mercadinho familiar.

Outros pontos são arquitetônicos, mas guardam grandes memórias. Uma delas é a lavanderia coletiva, um dos primeiros locais desenvolvidos no bairro, do qual permanecem apenas ruínas, agora acompanhadas por um muro pintado com lavadeiras e sinalizado com o áudiotour que conta sua história. Já a Igreja do São Benedito, ainda está inteira e resiste, agora com uma pintura e áudio que lembram as tradicionais procissões feitas no bairro em louvor ao “santo preto e seu dia”, conectando o material e o imaterial.

O Farol é outro ponto importante por sua história – e pela vista proporcionada, como já dito – e por possibilitar uma curta caminhada pela mata. Também traz como atrativo, que ajuda a contemplar a vista, um banco feito totalmente de plástico de tampinhas de garrafa reciclado como protótipo do Cidade Quintal em um projeto de reciclagem. As tampinhas foram colhidas em latinhas colocadas em pontos de comércio do Território do Bem, num projeto que teve adesão e continua.

Outro tipo de banco, não de sentar, mas de investimentos, é motivo de orgulho para muitos e finaliza o roteiro original da Rota do São Benedito. Trata-se do Banco Bem, um banco comunitário que é referência no Brasil, realizando empréstimos para empreendimento dentro das comunidades e utilizando também uma moeda social para fomentar o consumo e fortalecimento da economia local.

A expectativa é que a rota possa também ajudar a movimentar o setor econômico, ao trazer pessoas de outros bairros, cidades, estados e países para visitar e gastar no local. A ideia já gera expectativa em empreendedores locais, como Singrid Borges, que junto com sua irmã Simone, comanda o Sabor e Alegria, estabelecimento que vende lanches, salgados, sorvete, milk-shake, açaí e outros comes e bebes. Antes localizado na parte baixa, em Gurigica, ela resolveu mudar a loja para a garagem de sua casa, no alto do São Benedito e no início da subida mais íngreme até o farol.

O novo local está sendo reformado graças a outro projeto do Ateliê de Ideias e Onze8, de assistência técnica em arquitetura para melhorar empreendimentos comerciais, e conta com uma boa vista para a paisagem só enxergada lá de cima. Agora, livre do aluguel do antigo ponto, Singrid acredita que conseguirá manter a clientela fiel lá de baixo, que podem subir até o novo local, mais espaçoso ou optar por entregas em delivery, além de incorporar novos clientes no entorno e os visitantes que podem vir.

Essas são algumas histórias que se podem contar sobre o trajeto da Rota do São Benedito. Outras podem ser descobertas a cada caminhar, seja perguntando ou observando. Desde o movimento dos moradores à brincadeira das crianças e o descanso dos cachorros, incluindo problemas como a dificuldade na coleta do lixo, causa de recorrente reclamação no bairro, e também as construções que vão melhorando casas e comércios, tudo isso faz parte da experiência que implica viver e transitar em morros e favelas do Brasil, onde há muitas semelhanças e muitas singularidades como em São Benedito.

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