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Comunidades exigem rediscussão do Centro de Eventos de Vitória

Fotos: Leonardo Sá/Agência Porã
 
 

Já ao final do debate público, quando a sociedade civil se manifestou ao microfone, o presidente da Associação de Moradores de Morada de Camburi, Vilson Venturi, apresentou à mesa e plateia a sua “metáfora do nó”. Em tom sereno, explicou: àquela altura, após quase duas horas de discussão, já estava claro o que desejavam os moradores e o que queria o poder público quanto ao Centro de Eventos de Vitória (CEV). 

 
Havia um nó entre um e outro, que só se agravaria se cada um puxasse para o seu lado. “Então, para, respira e vamos refazer o processo”, concluiu, recebendo aplausos.
 
A fala seguinte foi de uma moradora. Mais incisiva, ela vociferou: “Não vamos deixar que nos empurrem esse projeto goela abaixo como fizeram com a Petrobras na Praia do Canto. Não vamos aceitar esses projetos que só atendem a interesses de empresários e de homens do serviço público”. Nova aclamação. 
 
As duas intervenções retratam o clima do debate público que tomou a noite dessa sexta-feira (20) no auditório da Escola de Serviço Público do Espírito Santo (Esesp), em Bairro República. A chuva fina, o vento frio e a sexta-feira de feriado prolongado não intimidaram as cerca de 100 pessoas que foram ao encontro. 

Em 20 de maio, uma audiência pública no mesmo local apresentou o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) do centro. Ali os moradores já mostraram um tanto receosos com o empreendimento. O documento ficou à disposição da população na prefeitura por 10 dias para consulta e formulação de questionamentos. O debate público foi solicitação de moradores dos bairros abrangidos pelo centro. Projeto de grande envergadura, o CEV ocupará uma área de 42 mil metros quadrados às margens da Avenida Adalberto Simão Nader, no sítio aeroportuário.

 
Entre metáforas singelas e manifestações furibundas, ficou claro para a Prefeitura de Vitória e governo do Estado que será tarefa árdua levar adiante a implantação do Centro de Eventos de Vitória. Promovido pela prefeitura, o segundo encontro que debateu o empreendimento deu contornos ainda mais visíveis ao misto de dúvidas e preocupações dos moradores quanto aos impactos do projeto. A arena multiuso foi o principal foco de rejeição.
 
Compuseram a mesa a secretária municipal de Gestão Estratégica, Lenise Loureiro, a secretária municipal de Desenvolvimento da Cidade, Sandra Monarcha, o engenheiro da prefeitura, Leonardo Schultz, o engenheiro agrônomo da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semmam), Fernando Pratti, o secretário de Turismo de Vitória, Leonardo Krohling, e Luiz Cesar Maretto, diretor-geral do Instituto de Obras Públicas do Estado do Espírito Santo (Iopes). 
 
O borbulhante debate também atraiu vereadores da capital: o presidente da Câmara Fabrício Gandini (PPS), Luiz Emanuel Zouain (PSDB), Reinaldo Bolão (PT) e Serjão Magalhães (PSB). O ex-secretário municipal de Transportes, Max da Matta (PSD), também compareceu.
 
 

O debate começou com a leitura das questões protocoladas na prefeitura, seguidas pelas respostas do poder público. A Associação de Moradores de Mata da Praia (AMMP) classificou de “desatualizado” os estudos viários apresentados no EIV e, amparada no Plano Diretor Urbano, considerou que as questões ambientais “deixaram a desejar”, especialmente quanto a geração de poluição sonora, atmosférica e de resíduos sólidos. 

 
Quanto à primeira, Leonardo Schultz respondeu que a metodologia utilizada pela prefeitura, que realizou pesquisas em dias chamados típicos (terça, quarta e quinta; segunda e sexta são dias diferenciados, a que se recorrem em estudos para shoppings, por exemplo) é consagrada pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e tem validade de dois a três anos. A pesquisa para o CEV foi realizada em 2012.
 
Fernado Pratti respondeu sobre o segundo ponto. Segundo ele, o EIV é como uma licença prévia, destacando a seguir que a prefeitura tem metodologias de monitoramento e fiscalização. A complementação seguinte provocou burburinhos: “Um detalhamento mais aprofundado vai ser feito na fase de licenciamento ambiental”.
 
Uma das questões solicitava a realização de um estudo de impacto de ruído pelo EIV, ao que o representante da Semman respondeu que tal ainda não seria viável: “Ele [o CEV] ainda não foi construído”. Risos irônicos encheram o auditório. A situação provocou a primeira, de pelo menos mais duas, intervenções da secretária Lenise Loureiro para reorganizar o fluxo do debate. “Em um momento subsequente nós detalharemos o projeto para vocês”, disse.
 
Outra questão protocolada pela AMMP solicitava que as intervenções viárias de mitigação dos impactos do CEV sobre o trânsito estejam concluídas antes do centro de eventos. A entidade também pedira a apresentação do projeto arquitetônico do CEV e das exigências para que ele seja aprovado.
 
“A implantação total da área se dará em um arco de 10 anos”, explicou Sandra Monarcha. Lenise complementou que as obras são projetadas tanto pela Secretaria Estadual dos Transportes e Obras Públicas (Setop) quanto pela Sedec. “Mobilidade urbana é uma diretriz em qualquer governo do país”, ponderou.
 
Mais tarde, o presidente da AMMP, Sandoval Zigoni, questionaria a secretária: como em 10 anos, se a obra já está licitada? Em dezembro de 2013, o Diário Oficial registrava a empresa Andrade Vallafares Engenharia e Construção Ltda como vencedora do certame para construção do centro ao custo de R$ 98,3 milhões. A licitação foi lançada no dia 17 de junho de 2013. Prazo de execução: 720 dias.
 
As obras viárias são: um elevado no encontro das avenidas Fernando Ferrari e Adalberto Simão Nader e um mergulhão no das Adalberto Simão Nader e Dante Michelini, além de uma via projetada, paralela a um trecho da Rodovia Norte-Sul
 
Coube à apresentação de Luiz Cesar Maretto os momentos mais tensos e palpitantes do debate público. “Estou sentindo um clima um pouco tenso por causa dessa atividade”, disse, à guisa de introdução. Ele destacou que Vitória se consolidou nos últimos anos como uma das cidades mais propícias do país para o desenvolvimento do turismo de negócios e eventos. Nesse contexto, um centro de eventos seria uma demanda natural.
 
Maretto lembrou ainda que, embora as discussões de um tal empreendimento em Vitória já tenham cerca de 12 anos, o projeto nasceu de fato em 2006, com o endosso dos então governador Paulo Hartung (PMDB) e prefeito João Coser (PT). Em junho daquele ano, uma solenidade no Palácio Anchieta oficializou a cessão, pela Empresa Brasileira de Infra-estrutura Aeroportuária (Infraero), de 100 mil metros quadrados da área do aeroporto para a construção do CEV. À época, o projeto arquitetônico do centro levou o III Grande Prêmio de Arquitetura Corporativa na categoria Obras Públicas.
 
 

Neste ponto a reunião sofreu a primeira interrupção. “Então por que não foi discutido com a população naquela ocasião? Por que não fazem um projeto desse tamanho entre Vila Velha e Guarapari?”, interrompeu alguém na plateia. Uma mulher ponderou: “Não se faz um projeto desse tamanho em área residencial”.

 
O diretor-geral do Iopes então passou a apresentar detalhes, exteriores e interiores, do centro de eventos. Quando passou à arena multiuso, sublinhou: “Mas ela não será para shows de banda baiana, não. Sem querer denegrir”. A plateia reagiu com risos de descrença. 
 
Maretto ainda tentou contornar: disse que todo centro de eventos de certo porte precisa de uma área ampla para as plenárias de congressos e outros grandes eventos. Nova interrupção, mais ruídos e conversas paralelas. A partir daqui, os semblantes das autoridades à mesa passariam a revelar um visível cansaço. 
 
Os impactos viários sobre os bairros do entorno do CEV são uma das grandes preocupações dos moradores. Durante todo o debate eles manifestaram descrença na capacidade de o centro absorver todos os impactos que ele possa gerar. Enquanto Maretto (abaixo) passava lâminas no telão, alguém perguntou se todas as áreas do CEV poderiam ser utilizadas simultaneamente. 
 
Ele respondeu que sim. A plateia fez as contas: a arena comporta sete mil pessoas; edificação para salas e auditórios, 2,5 mil; a área de exposição, cinco mil. Além disso, o CEV demandará cerca de 700 funcionários. Os moradores confrontaram tais números com a capacidade do estacionamento: 1.691 vagas.
 
Uma advogada chegou a se levantar e enunciar a todos: “Só mesmo ação civil pública ou ação popular para barrar isso”. E convocou a comunidade para se unir. Havia muitas dúvidas no ar. Lenise Loureiro interveio mais uma vez para recolocar o debate no caminho. 
 

Em uma intervenção posterior, a subsecretária estadual de Turismo, Lisia Pimenta Mendes, destacaria a impossibilidade de se fazer plenárias de congresso sem uma arena multiuso. “Não é arena para shows, isso não agrega para o turismo. Entendo que há um trauma quanto a eventos como o Vital”, afirmou. Segundo ela, o local será utilizado para esporte de alta competitividade e grandes eventos.  

 
Só que mais tarde a audiência saberia que a arena tem autorização para funcionamento das 20h às 3h, o que pôs em descrédito os argumentos dos representantes do poder estadual. 
 
Sandoval Zigoni (abaixo) abriu as falas da sociedade civil lendo um documento de seis laudas assinado pelas associações de moradores de Mata da Praia, Bairro República, Morada de Camburi e Boa Vista, bairros localizados na zona de impacto direto do CEV. Além de destacar um abaixo-assinado com 1.100 subscrições manifestando contrariedade ao centro, com foco na arena multiuso, e requerendo a rediscussão do projeto, o documento reúne 10 pontos críticos ao projeto apresentado pela prefeitura. Ele resumiu as dúvidas e preocupações dos moradores.
 
Para os moradores, o EIV não considera: a localização do acesso ao Aeroporto de Vitória pela Adalberto Simão Nader, onde será localizado o novo terminal de passageiros, o de carga e os hotéis; o crescimento de 6% ao ano da frota veicular da capital, entre outros pontos.
 
O documento pleiteia uma via interna na Adalberto Simão Nader para amortecimento dos impactos negativos do trânsito; a conclusão das intervenções viárias antes do CEV; o esclarecimento se os projetos viários estão sob responsabilidade da prefeitura ou do governo (aqui, disse Lenise Loureiro, as ações são simultâneas); além de considerar precários diversos aspectos apresentados no EIV em relação ao que prevê o artigo 144 do PDU, que regulamenta o EIV; e apresentação do projeto arquitetônico do CEV (os moradores não se sentiram contemplado pelas lâminas do diretor-geral do Iopes). 
 
O documento ainda requer a realização de uma consulta pública e que o processo relativo ao CEV só seja pautado no Conselho Municipal do Plano Diretor Urbano depois que sejam respondidos todos os questionamentos e pedidos formulados pela sociedade civil.
 

Dois pontos do documento merecem destaque. O quinto pede a retirada da arena multiuso do CEV, uma vez que, para as entidades, a vizinhança não comporta os impactos, tanto acústicos quanto os pré e pós evento: venda de bebidas e aumento da violência, trânsito e poluição. A proposta é que ela seja substituída por um anfiteatro de padrão internacional, com capacidade para duas mil pessoas. 

 
O oitavo evoca a Lei de Licitações, segundo a qual uma licitação com o valor estimado do Centro de Eventos de Vitória deverá ser obrigatoriamente iniciado com uma audiência pública, com antecedência mínima de 15 dias úteis da data da publicação do edital. Ou seja, no caso do CEV, a lei de 1993 não foi observada.
 
Pelo menos ali, o discurso do progresso, do desenvolvimento, da dinamização econômica, que tantas vezes triunfou no Espírito Santo, demonstrou desgaste. Não que os moradores sejam contra o CEV – eles discordam, antes, da condução conferida ao processo. Mas, de qualquer modo, entre a dinamização da economia e a qualidade de vida, eles marcam a segunda opção. 

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