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Onde está Rogerinho no escândalo dos táxis?

Por que o líder do prefeito Luciano Rezende (PPS) na Câmara de Vitória, vereador Rogerinho Pinheiro (PHS), ergue a voz contra o Uber e se cala ante o escândalo da concentração de placas?

Tão injustificável como a concentração de placas nas mãos de um grupo restrito é aceitar que somente e tão-somente este grupo comanda segundo suas vontades frotas particulares de táxi de 60 veículos, cujo faturamento soma pelo menos R$ 300 mil por mês. Há fortes indícios de que a organização do mercado do táxi em Vitória ultrapassa os grandes permissionários e donos de placa, chega à Secretaria de Transportes, Trânsito e Infraestrutura Urbana (Setran) e atinge o líder do prefeito Luciano Rezende na Câmara de Vereadores, Rogerinho Pinheiro (PHS).

Os cerca de 40 dias em que a reportagem circulou pelos pontos de táxi de Vitória confirmaram que irregularidades em contratos de permissão não são de hoje. Todos conhecem as proezas de figuras como Carlos Agner, Josias Siqueira, Mateus Ataíde e Alex Muller, os grandes gestores do mercado de táxi da capital. 

Conhecem também a atuação de figuras menos expressivas, isto é, com frotas mais humildes, e permissionários cujo poder aquisitivo dispensaria a inserção nesse mercado, como servidores públicos, policiais militares de alta patente, policiais federais, empresários e aposentados, muitos ocultos atrás de esposas, filhos e filhas.

Mas ninguém tem ideia de quem efetivamente administra esse conjunto de veículos e sistematiza esse “laranjal” de distribuição de placas. E o que isso significa? Significa que esse mercado é mal costurado, mas bem resguardado. Aqui entra Rogerinho Pinheiro.

É sintomático o silêncio do vereador ante as denúncias de violação nos contratos de permissão de táxi, que, mais uma vez, não são de hoje e nem exclusivas deste jornal. O ex-taxista e representante da classe deveria ser o primeiro a se manifestar, apurar as denúncias, levantar os indícios. Não fez nem uma coisa, nem outra. 

Morador de Itararé e membro da Igreja do Evangelho Quadrangular, Rogerinho Pinheiro trabalhou como defensor por 15 anos. Começou na Serra e depois migrou para Vitória, onde alugava uma placa no ponto do Hotel Bristol Praia do Canto. Desde então nutria o sonho de chegar à Câmara de Vitória, concretizado nas eleições de 2012. 

 
Embora ex-taxista, ostentando uma plataforma de defesa dos taxistas, Rogerinho não se elegeu com o voto da classe. As ruas não veem ali uma liderança da classe.  Quando não é açoitado por críticas, Rogerinho é descrito como uma figura distante para defensores e permissionários. 
 
É visto antes como um defensor dos permissionários do que como defensor dos defensores, eficiente zelador do sistema de serviço de táxi que protege permissionários e sacrifica defensores.
 
O caso Uber em Vitória é sintomático. Em 2015, o vereador apresentou projeto para barrar a utilização do aplicativo de transporte de passageiros em carros particulares na capital e conseguiu aprová-lo antes mesmo da tecnologia aportar por aqui. Mas evitar o Uber em Vitória não é ser contra o Uber. É ser a favor da manutenção da ordem de concentração de placas no serviço de táxi. 
 
Mais que dificultar a dura vida de defensores, que precisam honrar diárias de pelo menos R$ 200 aos permissionários, o Uber desestabilizaria o funcionamento do lucrativo mercado de táxi da capital capixaba. Contra o Uber na Câmara, Rogerinho levanta a voz. Por que não levanta o tom da mesma forma contra os indícios de fraude nos contratos de permissão de táxi? 
 
Em 2013 e 2015, Rogerinho promoveu sessões em homenagem ao Dia do Taxista na Câmara de Vitória. Entre defensores e permissionários, quase uma centena de taxistas foram festejados em prestigiadas sessões: compareceram o subsecretário municipal de Transportes, José Eduardo de Souza Oliveira o secretário municipal de Transportes Josivaldo Barreto de Andrade, e a Gerente do Departamento de Táxi, Adriana Sossai Zaganelli. 
 
Uma cena chama atenção na sessão de 2013. Rogerinho e José Eduardo de Souza Oliveira cumprimentam com sorrisos Alex Sandro Muller Helmer (aos 21’), um dos homenageados e que cerca de um ano depois seria o representante do sindicato dos taxistas do Espírito Santo (Sinditaxi) na Comissão Especial de Licitação (CEL) da concorrência que concedeu 108 novas placas de táxi em Vitória.  Como mostramos na primeira reportagem da série, recai sobre Alex Muller a suspeita de ser um gestor de frota em ascensão. 
 
O silêncio de Rogerinho tem se revelado muito oportuno para o vereador: nele construiu sua posição de líder do prefeito Luciano Rezende (PPS) na Câmara e, até há pouco tempo, presidente estadual do PHS. Quais os seus predicados?
 
A nomeação de Rogerinho Vitória surpreendeu o mercado político naqueles primeiros meses de 2015. Houve um suspense de pelo menos no anúncio do novo líder. O anterior, Davi Esmael (PSB), fora nomeado para a vice-presidência da Mesa Diretora; o ex-presidente da Casa, Fabrício Gandini (PPS), abdicou da indicação. O bom trânsito na Casa e a aprovação dos colegas de plenário pesaram a favor de Rogerinho.
 
As suspeitas sobre a conduta de Rogerinho ganham contornos mais precisos com as informações, que há muito já habitam os corredores da prefeitura, de que uma fatia substancial dos cargos comissionados da Secretaria de Transportes, Trânsito e Infraestrutura Urbana (Setran) são de indicação do vereador.  A secretaria conta hoje com cerca de 132 servidores, dos quais 45 são comissionados, isto é, 34% do quadro de servidores da Setran é fruto de indicação política.
 
Órgão fiscalizador o serviço de transporte individual, a Setran, por omissão ou não, age para proteger as operações de concentração de placas em Vitória. Qual a relação entre um sistema que produz pelo menos R$ 300 mil mensais à margem da lei e a omissão da Setran? Como três pessoas administram cerca de 60 veículos de táxi em Vitória e a Setran, nem Rogerinho e muito menos o prefeito Luciano Rezende não se pronunciam sobre?
 
A licitação que concedeu 108 placas de táxi é exemplo de preservação do sistema ao produzir um novo personagem: Alex Sandro Muller Helmer. 
 
Filho de Dona Lica Muller, de quem já falamos em matérias anteriores, Alex Muller é criado numa remediada família de Bairro República, em Vitória. A mãe capitaneava um movimentado quiosque no final da praia de Camburi, desapropriado para a realização das obras do Viaduto da Vale, processo que valeu à dona do empreendimento um respeitável montante: aqui ela entra no negócio de táxis, sobretudo pela compra de táxis.  
De uns anos para cá, o filho assumiu os negócios e vislumbrou a oportunidade de expandi-lo durante campanha eleitoral de 2012. 
 

Foi em Bairro República que Alex Muller conheceu um assessor do então candidato a vereador Max da Mata (PSD). A aproximação foi imediata, Alex Muller participou ativamente da campanha: pedia votos, postava fotos em seu perfil no Facebook, andava com o candidato.

Max da Mata elegeu-se mas não assumiu. Foi um dos últimos nomes anunciados para o secretariado do prefeito eleito Luciano Rezende: seria o novo secretário de Transportes.

Alex Muller passou a ter trânsito fácil no gabinete do novo secretário. A recém-homologada licitação de táxis é um dos frutos da gestão Max da Mata na Setran. Porém um mau fruto: há indícios das digitais de Alex Muller na confecção do edital. O caso da primeira colocada na licitação, Rosiane de Oliveira Puppim, de quem esta série já tratou de forma exaustiva, é o mais límpido dos indícios. Não é o único. Na 74° posição aparece Heverton Ribeiro, apontado como cunhado de Alex Muller: sua esposa seria Simone Muller, permissionária do veículo 0143. 

 
Como tratamos em matéria anterior, sobre Heverton também pesa a suspeita de ter se valido de cursos de idiomas online apenas para inflar pontuação. O candidato qualificou-se em inglês, italiano e espanhol em 40 dias.
 
As demais suspeitas atingem dois pontos dos critérios de julgamento da licitação. A de 2008, por exemplo, que distribuiu 100 placas, registrava entre os critérios a apresentação de um nada-consta de Carteira Nacional de Habilitação (CNH), removido do edital de 2014. 
 
O critério de nível de escolaridade no recente edital chama atenção: ele veda a participação de candidatos com ensino fundamental incompleto, o que direciona convenientemente o certame ao excluir um volume expressivo de defensores, mesmo aqueles com décadas de praça: muitos não completaram o ensino fundamental.
 
Max da Mata deixa a secretaria em finais de março de 2014; a licitação foi publicada cerca de um mês e meio depois. 
 
Mas o agora vereador manteve raízes na Setran: a gerente de Vistoria e Fiscalização de Transportes, Adriana Zaganelli. A servidora em cargo de comissão zela pelo andamento do serviço de táxi na Prefeitura de Vitória. Descrita como uma espécie de braço-direito de Max da Mata, Adriana foi a representante da Setran na comissão de licitação da concorrência de táxi.
 
Esta última reportagem traça um quadro consistente de que nem Carlos Agne, Josias, Ataíde ou Alex Muller são donos de placas. São, antes, grandes gestores de frotas, lógica que a atual licitação preserva – seja contemplando Heverton, seja contemplando Erika Soares de Almeida Agne, parente de Carlos Agne. O número expressivo de mulheres permissionárias é talvez o principal indício de irregularidades nos contratos de permissão de táxis, uma vez que pouquíssimas atuam nas praças e as o fazem são na maioria defensoras.
 
É um sistema tão bem erigido que muitos os gestores de frota recebem sem trabalhar e no entanto exibem um padrão de vida que não condiz com os valores que recebem. A série também mostrou a sofisticação do sistema, que, como evidencia a Coopataxi-ES, cooperativa de transportes de Carlos Agne, saiu das ruas e chegou ao poder público. 
 
Restam os indícios de um sistema igualmente bem erigido dentro da Prefeitura de Vitória que acoberta as irregularidades nos contratos de permissão e protege esses grandes gestores, seja por omissão, seja em licitação, seja no silêncio de um representante da classe na Câmara de Vereadores. 
 
As evidências apontam que Carlos Agne, Josias, Ataíde e Alex Muller, entre outros menos representativos, são antes gestores de frotas, ocultos por laranjas, geralmente mulheres permissionárias, ou por sublocação de placas, que donos de placas, protegidos por um esquema bem articulado dentro da Setran. 
 
Resta, ao fim, a suspeita de que o montante de R$ 300 mil produzidos mensalmente pelo sistema não tem como destino exclusivo a burra dos grandes gestores de frota. Se assim não é, quem mais partilha desse bolo? 

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