Terça, 14 Mai 2024

A verdade dói

As críticas que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, fez ao Congresso Nacional, nessa segunda-feira (20), durante palestra a estudantes de Direito, em Brasília, continua repercutindo nos meios políticos. 

 
Barbosa tocou em pontos delicados que acertaram em cheio o calcanhar de Aquiles de boa parte da classe política. Disse, por exemplo, que Congresso é subserviente ao Executivo, que os parlamentares não exercem com independência o direito de deliberar, de propor leis, e que muitos partidos são de “mentirinha” - não possuem proposta programática, diretrizes ou linhas ideológicas a seguir. O objetivo de seus líderes é apenas buscar o poder pelo poder. É mentira?
 
Muitos políticos e parte da imprensa receberam mal as críticas de Barbosa. Alguns disseram que as declarações não colaboram para o fortalecimento das instituições; são temerárias para a democracia; que ele não poderia fazer tal análise por ser presidente do Supremo e por ai vai. 
 
O interessante é que Joaquim Barbosa tocou num ponto que incomoda. As suas declarações tornam-se ainda mais perturbadoras porque podem ser replicadas em escala nos parlamentos estaduais e municipais. Sem retoques. 
 
Se analisarmos friamente o comportamento da Assembleia Legislativa capixaba nos últimos anos, perceberemos que o “sermão” de Barbosa se encaixa como uma luva. 
 
Durante os oitos anos do governo Paulo Hartung, o que fez a Assembleia a não ser chancelar as leis que eram ditadas pelo chefe do Executivo? Como disse Barbosa, o Congresso, no caso o Legislativo estadual, é inteiramente dominado pelo Poder Executivo. O ministro lembrou que a prerrogativa do parlamentar é legislar, mas os parlamentos não exercem em sua plenitude o poder que a Constituição lhes confere. Resultado, as leis aprovadas são, na sua maioria, de autoria do Executivo. Os que deviam representar o povo, simplesmente não o fazem.
 
Podemos dizer que o perfil centralizador de Hartung sucumbiu com o fim de seu governo. É verdade que o atual governador Renato Casagrande não conduz a política com a mesma mão de ferro que seu antecessor, mas também não abre mão de ter um legislativo excessivamente “colaborativo”, que não dificulte seu trabalho. Afinal, a palavra chave do atual governo é a mesma do seu antecessor: “Estamos todos unidos para assegurar o desenvolvimento do Espírito Santo, que não pode retroceder, jamais”. 
 
Embora Hartung e Casagrande tenham perfis diferentes, como já frisamos, o comportamento subserviente da Assembleia, salvo poucas exceções, não diverge muito da legislatura anterior. É praticamente o mesmo.
 
O presidente do Supremo também disse que alguns partidos são de “mentirinha”. Será que ele foi injusto, exagerou? 
 
Analisando a trajetória dos partidos que atuam no Espírito Santo não é difícil de concluir que o ministro mais uma vez acertou em cheio. A situação se repete Brasil afora. Observem as palavras do ministro sobre as agremiações partidárias: “Nós não nos identificamos com os partidos que nos representam no Congresso, a não ser em casos excepcionais. Eu diria que o grosso dos brasileiros não vê consistência ideológica e programática em nenhum dos partidos. E nem pouco seus partidos e os seus líderes partidários têm interesse em ter consistência programática ou ideológica”. 
 
Agora basta olhar para os exemplos dos partidos capixabas e analisar se Barbosa, mais uma vez, disse algum despautério. Qual o critério que os nossos políticos têm usado para trocar de partido? Linha ideológica, proposta programática, compromissos com o eleitorado? 
 
Nada disso. Em ano que antecede a disputa eleitoral fica ainda mais evidente que os postulantes a cargos eletivos escolhem os partidos por mera conveniência política. Como alertou Barbosa, o sistema proporcional usado para eleger os deputados no Brasil não ajuda. A preocupação não é a proposta ideológica do partido ou algo que o valha, mas saber com quem o partido pretendido vai se coligar, para calcular as chances de se eleger por determinada sigla ou coligação. É isso que importa. Ideologia, proposta programática? Quase ninguém está interessado nisso. 
 
O presidente do Supremo defende o voto distrital, justamente para evitar que o eleitor vote em A e eleja, por tabela, B. Barbosa acredita que o atual sistema acaba desmotivando e afastando o eleitor do seu representante, pois, muitas vezes, ele não tem afinidade ou tampouco sabe quem é o candidato eleito. 
 
Independente da polêmica que está sendo criada em torno das declarações de Barbosa, se ele fez bem ou não de dizer o que disse, se isso pode estremecer as relações entre o Judiciário e o Congresso, a verdade é que o presidente do Supremo enfiou o dedo fundo na ferida. Já era hora de alguém de peso dar uma chacoalhada na classe política. 

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