Terça, 30 Abril 2024

Anais das masmorras

 

Os dois mandatos do governo Paulo Hartung (2003 – 2010) foram marcados por violações de direitos humanos nas unidades prisionais. Uma mácula que vai ficar para sempre na história do Espírito Santo e do ex-governador, que ficou nacionalmente conhecido como “senhor das masmorras”. 
 
Uma decisão publicada no Diário da Justiça desta quinta-feira (18) revela mais um episódio que se passou nos porões das masmorras, em 2009, que só agora foi corrigido pela Justiça. Se que violação de direitos é passível de reparo.
 
A desembargadora Catharina Maria Novaes Barcellos, da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado (TJES), reformou uma decisão de 1º grau e absolveu Diego Braga Nascimento do crime de dano ao patrimônio. 
 
A desembargadora, sensatamente, discordou da decisão do juiz Alexandre Farina, que havia condenado o homem a nove meses de reclusão. A reforma na decisão de Farina foi providencial, já que o juiz, equivocadamente, quis punir justamente a vítima. 
 
O caso de Diego é apenas uma passagem que reflete o nível de violação que se praticava abertamente no governo Hartung. 
 
Num dos bairros mais nobres da Capital, Barro Vermelho, funciona a Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Com o sistema superlotado, o carcereiro das masmorras, o ex-secretário de Justiça Ângelo Roncalli, encontrou uma solução para confinar presos provisórios que eram encaminhados à DHPP: transformar um furgão em cela. 
 
A solução foi rapidamente assimilada, já que a gestão Hartung-Roncalli já acumulava experiência nas prisões-contêineres. Outra “gambiarra” barata e desumana criada pela dupla para dar um “jeitinho” na superlotação prisional. 
 
A exemplo dos contêineres, a cela-furgão era um local totalmente insalubre, que não deveria se prestar nem para confinar animais. Os presos mal podiam se mexer dentro da cela, tão diminuto era o espaço. 
 
Necessidades fisiológicas eram programadas de 12 em 12 horas. Em caso de emergência, o preso era obrigado a se virar com uma garrafa pet, que fazia as vezes de mictório ou com o recipiente da marmitex, que servia de penico. 
 
A falta de ventilação e as altas temperaturas inspiraram o apelido de “micro-ondas” às celas do DHPP. 
 
Diego foi um dos infelizes que experimentaram o “micro-ondas”. Depois de passar 21 dias confinado na cela improvisada, o detento surtou. Completamente enlouquecido, já que o confinamento funcionava como uma sessão diária de tortura, o homem começou a destruir o gradil da “viatura-prisão”. Ele não queria fugir nem reivindicar uma alimentação melhorada ou tampouco visitas íntimas, Diego queria apenas ser transferido para uma unidade prisional. Nada mais. 
 
O surto do detento virou boletim de ocorrência por dano ao patrimônio. O juiz de primeiro grau, Alexandre Farina, não quis nem saber dos antecedentes que levaram o detento a iniciar o “quebra-quebra”. O magistrado, que não deve imaginar o que é passar uma hora naquelas condições, condenou Diego a nove meses de reclusão. 
 
Diego, um dos sobreviventes das “masmorras”, pôde sentir como funcionava os aparelhos oficiais de violações de direitos do governo Hartung. Sim, oficiais, porque o ex-governador sabia exatamente qual era a situação das unidades prisionais do Estado. 
 
É importante destacar que estamos nos referindo a um episódio que ocorreu no final do governo Hartung. Isso revela que o ex-governador, junto com o ex-secretário Roncalli, é corresponsável pelas violações que ocorreram no sistema prisional. 
 
A gestão que ignorou os direitos humanos é responsável por um rastro de presos que foram sequelados ou mortos nos porões das masmorras. Crimes que ainda precisam ser apurados. 
 
No caso de Diego, e de muitas outras vítimas das masmorras, caberia uma boa indenização do Estado que, em última na análise, é obrigado por lei a oferecer aos detentos prisões que funcionem como espaço de ressocialização, e não calabouços tenebrosos que serviam como covis de torturas, suplícios e até de execuções. 

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