Segunda, 29 Abril 2024

Capricho dos deuses

 

Amados e paparicados em tempo idos, os deuses do Olimpo caíram nas pesquisas de opinião e foram banidos da colina sagrada, substituídos por deidades menos complicadas. O declínio se deu por excesso de deusocracia – punham e dispunham sobre as vidas humanas sem critérios razoáveis; eram rancorosos, vingativos e egoístas.
 
 
Na verdade, eram humanos demais para seres tão poderosos. Mas em sendo eternos, andam camuflados por aí, de vez em quando se intrometendo em nosso vulgar cotidiano, passando por criaturas humanas. A jardineira do meu condomínio, por exemplo, não me engana - é uma deusa mal disfarçada, e nem se deu ao trabalho de mudar o nome – é Diana até na carteira de identidade.
 
 
Talvez tenha vindo checar essa malfadada devastação ecológica que estamos provocando. Além de exibir uma nobre e bela figura, a garota tem mãos de deusa - sob seus cuidados o gramado está sempre verde e lustroso, as flores têm mais cores, os pássaros cantam melhor que Susan Boyle. Pensei que era o novo fertilizante, mas no mês que ela tirou férias foi um desastre – o gramado cheio de falhas ressecadas, as folhagens murchas, e não se achava uma flor nem pra fazer simpatia.
 
 
“Eu não digo?” Diana chora, ao retornar e ver o estrago em seus domínios. “Se eu não cuido vira tudo um deserto...” Acho que ela não falava do nosso modesto jardim, mas de um papel mais amplo em sua missão divina, restaurando a natureza antes que acabemos com ela ou ela conosco. Para confirmar minhas suspeitas, a figueira que ela plantou perto do muro tem nos brindado com doces figos. Francamente, uma figueira?!
 
 
Pesquiso na Internet e descubro que a figueira é uma árvore sagrada, a primeira planta cultivada pelo homem - um presente dos deuses! Antes do louro, os gregos usavam o figo para homenagear os vencedores das competições esportivas, que viraram as Olimpíadas. As belas estátuas dos belos deuses gregos e romanos não se preocupavam com o alto preço das roupas, andavam nus, ocultando as partes sagradas com folhas de figueira.
 
 
O carteiro, também bonito demais para profissão tão modesta, está sempre rondando nosso jardim. Elogia as bromélias, namora as casuarinas, fica horas apreciando a explosão lilás dos flamboyans. Mal distribui as cartas e contas nas caixas postais, corre para descansar no gramado que parece ilustração de propaganda de hotel. Diana passa distraída e ele a persegue, pede uma muda de dandelions, pergunta se tem como mudar a cor de suas brancas e roxas violetas.
 
 
“Que cor você quer?” ela ri, curiosa. “Vermelhas; ficariam lindas em contraste com a parede branca do meu panteon, quero dizer, caramanchão”. Perceberam? Alguém já viu carteiro plantando violetas num caramanchão, nesses tempos em que todo mundo se fala por email? Diana fica pensativa, mas não se deixa convencer,“Há uma tradição na cor das violetas, não convém alterar”.
 
E lá vão os dois flanando entre hortências e gardênias, alfazemas e açucenas como se não fossem desse mundo. Outro dia descobri que ele se chama Hermes, não é estranho? Sempre achei que entregador de cartas se chamava Carteiro. Enquanto isso, a sacola dos correios jaz esquecida na portaria do prédio, ainda com santinhos da última eleição esquecidos no fundo. Por isso que uns ganham e outros perdem: capricho dos deuses!

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