Sexta, 03 Mai 2024

Sistema prisional já nasceu falido

 

A entrevista da juíza aposentada Maria Lúcia Karan, publicada neste sábado (8) em Século Diário, deve ter chocado muita gente. Ela defende, sem firulas, o desencarceramento. Isso  mesmo. Em sua opinião, o sistema prisional já nasceu falido e não é capaz de ressocializar ninguém. Ela lembra que a humanidade aplica a pena de prisão há mais 300 anos sem sucesso. E o sistema tem provado que não é capaz de reduzir a violência e criminalidade.
 
“O sistema penal já chega atrasado. Só depois que aconteceu o fato é que se processa, condena e prende alguém, ou seja, não impede que os crimes aconteçam. Mandar alguém para a prisão é fazer com que a pessoa se torne mais desadaptada ao convívio social”. 
 
A constatação é no mínimo corajosa. Ao desnudar a falência do sistema prisional, Karan mexe com um tema tabu da sociedade, que prefere não pensar que existe prisões e presos. Se os presídios funcionassem embaixo da terra ou em ilhas distantes, longe dos olhos de todos, seria mais confortável para a sociedade. 
 
Mas a ideia de Karan não para na falência do sistema prisional. Ela defende o desencarceramento, o abolicionismo penal. Em outras palavras, a juíza aposentada pede o fim das prisões. 
 
Para mostrar que a ideia não é tão absurda quanto possa parecer para alguns, ela questiona a lógica “pedagógica” da ressocialização: “É uma maluquice falar em ressocialização tirando a pessoa da sociedade. É absolutamente irracional ensinar a pessoa a conviver em sociedade, afastando-o dessa mesma sociedade”, questiona.
 
Para Maria Lúcia Karan, não importa o tipo de delito cometido - seja um assalto ou um homicídio -, ela defende que nada justifica o encarceramento, que não traz, segundo ela, nenhum benefício para a vítima ou para o autor do crime, no sentido de recuperá-lo. Como “punição”, ela propõe a reparação material à vítima, se ela ainda estiver viva, ou aos familiares, no caso de um homicídio ou latrocínio. 
 
Para afastar o choque da proposta, ela argumenta que há um punhado de homicidas convivendo em sociedade. Como exemplo extremo ela cita o caso do presidente do Estados Unidos, ressaltando que se fosse americana seria eleitora dele. “A gente convive com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que é um assassino. Ele matou o [Osama] Bin Laden (...)”, constata.
 
Nesse ponto Karan está coberta de razão. Já pararam para pensar quantos homicidas convivem normalmente em sociedade no Espírito Santo? Alguns inclusive são pessoas públicas. 
 
A diretora no Brasil da Law Enforcement Against Prohibition  (Leap-Brasil) – organização  fundada nos Estados Unidos com a missão de reduzir os efeitos resultantes da guerra às drogas – afirma, porém, que a proposta do desencarceramento precisa ser combinada com outro tema tabu, a legalização das drogas. 
 
Liberando as drogas, sustenta Karan, acabaria automaticamente a violência na produção e comercialização. Sem dúvida, outra ideia polêmica, mas que já não é classificada como absurda. Até porque diversos países já adotam a medida com resultados positivos. 
 
Um estudo recente comprova que na Holanda, onde algumas drogas são liberadas para o consumo, o número de usuários vítimas de overdose é sete vezes menor que nos Estados Unidos, onde o consumo é ilegal na maioria dos estados. Outro ponto a favor da legalização. Nos presídios da holandeses faltam presos, enquanto no Brasil há um déficit de quase 300 mil vagas. 
 
A legalização, como defende Karan, parece ser capaz de pôr fim à violência nestas duas etapas da cadeia: produção e comercialização das drogas. Ela dá como exemplo o álcool. “Não se tem violência na produção e comércio de álcool, mas já teve nos Estados Unidos quando era proibido, entre 1920 e 1933”, lembra, referindo-se a guerra travada entre o governo americano e a máfia italiana. 
 
Tanto o fim das prisões como a legalização das drogas, defendidas por Maria Lúcia Karan, são duas propostas que deveriam ser debatidas pela sociedade. Antes de atacar preconceituosamente a ideia e classificá-la como uma maluquice, seria interessante deixar o tabu de lado para fazer a reflexão e responder à pergunta: será que queremos de fato reintegrar em sociedade as pessoas que erraram ou simplesmente queremos nos livrar delas, as enterrando vivas no caixão social que chamamos de prisão?

Veja mais notícias sobre Colunas.

Veja também:

 

Comentários:

Nenhum comentário feito ainda. Seja o primeiro a enviar um comentário
Visitante
Sexta, 03 Mai 2024

Ao aceitar, você acessará um serviço fornecido por terceiros externos a https://www.seculodiario.com.br/