Sábado, 27 Abril 2024

Comunidade quilombola comemora abolição em festa Raiar da Liberdade

raiar_da_liberdade_FotoLuanVolpato Luan Volpato

Passados 135 anos da abolição da escravidão, a conquista da liberdade será comemorada na 135ª edição do Raiar da Liberdade, tradicional festa realizada na comunidade quilombola de Monte Alegre, em Cachoeiro de Itapemirim, sul do Espírito Santo, neste sábado (13).

A programação deste ano está diferenciada, mas sem perder sua essência. Além da tradicional apresentação de grupos de patrimônio imaterial e da feijoada comunitária, haverá ações com foco na empregabilidade, emissão e renovação de Carteira de Identidade (RG), e, ainda, missa afro, mesa de debate e lançamento de livro.

Luan Volpato

De manhã, das 8h às 12h, terá a Ação Balcão de Empregos e Emissão e Renovação de RG, em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Social de Cachoeiro. Genildo Coelho, da Associação de Salvaguarda do Patrimônio Imaterial Cachoeirense, explica que a inclusão dessa atividade foi motivada pelo fato de que Pacotuba, distrito no qual a comunidade quilombola de Monte Alegre está localizada, tem um dos menores índices de desenvolvimento humano de Cachoeiro, sendo, portanto, uma área com muitas pessoas em vulnerabilidade social.

A abertura da festa será às 17h, com a missa afro, celebrada pelo padre Daniel Nyanydh, moçambicano, que atua na Diocese de Cachoeiro de Itapemirim. A missa contará com a participação da equipe de música da Pastoral Afro da Diocese e fará uma imersão na cultura africana, agregando aspectos culturais e vivências da comunidade. Em seguida, às 18h30, acontecerá a mesa de debate "Direito à cultura dos povos e comunidades tradicionais: dever do Estado".

As debatedoras da mesa, que não terá um formato acadêmico, sendo uma roda de conversa com linguagem popular, serão Rosimar Domingos, mestra do Caxambu Horizonte, de Alegre; Luciene Carla Francelino, professora de História da rede municipal de ensino de Cachoeiro; e Camila Valadão (Psol), deputada estadual e presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da Assembleia Legislativa.

"A ideia da mesa leva em consideração que nossos direitos foram muito desrespeitados nos últimos quatro anos. Fomos colocados como bandidos. Está na hora, com a volta do país para o povo, de discutir essas questões. O Estado brasileiro financia a cultura por meio de editais. Mas será que isso é suficiente para aqueles grupos que não sabem lidar com a burocracia do Estado? Não queremos o fim dos editais, mas defendemos que grupos reconhecidos como patrimônio imaterial possam ter uma subvenção do Estado", destaca Genildo.

Às 19h30, acontecerá o lançamento do livro Memórias do Caxambu Santa Cruz, de autoria de Genildo, Luan Faitanin Volpato e Rosângela Venturi Barros. A obra traz relatos de idosos da comunidade de Monte Alegre, obtidos por meio do projeto Ponto de Memória Quilombola, por meio do qual participantes entre 60 e 96 anos contaram histórias e memórias a respeito da comunidade. O livro, que será distribuído gratuitamente e disponibilizado para download no site da Associação, também apresenta pesquisas com base em documentos históricos.
Luan Volpato

A festa terá prosseguimento com a apresentação de grupos de patrimônio imaterial, às 20h, como os de Caxambu, Jongo, Charola e Folia de Reis. Ao todo, serão 10 grupos. Depois, será realizada a feijoada comunitária, com previsão de distribuição de cerca de mil pratos.

Genildo destaca que, este ano, além de uma programação maior, os grupos terão garantia de transporte e receberão "um cachê justo", assim como as pessoas que trabalharão na cozinha e outros espaços, que nas edições anteriores atuavam voluntariamente.

Os ingredientes da feijoada e outros produtos adquiridos para a realização da festa serão comprados principalmente na comunidade. 
Isso foi possível, segundo ele, por meio de recursos da Lei de Incentivo à Cultura Capixaba (LICC). Nos anos anteriores, a festa era financiada por meio de edital do Fundo de Cultura do Estado do Espírito Santo (Funcultura), que limita o valor ao teto de R$ 20 mil.

Patrimônio Imaterial

O Raiar da Liberdade já teve o início da tramitação de seu processo de registro da festa como patrimônio imaterial aprovado pelo colegiado do Conselho Estadual de Cultura. O próximo passo é a apreciação pela Câmara de Patrimônio Imaterial, para elaboração de um parecer. "É preciso reconhecer as festas genuinamente populares, de comunidades negras, quilombolas", pontua Genildo. Ele explica que em muitas outras localidades do Espírito Santo e do Brasil se comemora o 13 de maio, mas a única comunidade do Estado que manteve a festa no dia 13 foi Monte Alegre. "Com o êxodo rural, as festas passaram a acontecer nos terreiros de Umbanda e Candomblé", afirma.

A elaboração do inventário para dar entrada no registro de patrimônio imaterial foi feito com recursos do Edital 12 da Secult, de Seleção de Projetos e Concessão de Prêmio para Valorização dos Patrimônios Imateriais Reconhecidos e Registrados no Estado do Espírito Santo, de 2020. Na metodologia, adotada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para o estudo e o reconhecimento das referências culturais brasileiras, foram utilizados formulários do Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC).

Para a elaboração do inventário, conta Genildo, não foram buscados critérios generalizantes, sendo isso uma "aposta política e metodológica". Foi feito um levantamento comunitário por parte das próprias mestras. "A gente transcreveu o que elas falavam, com a linguagem delas, não uma linguagem acadêmica, de um doutor, sem interferência minha, de um acadêmico. Não somos contra a Academia, queremos deixar isso claro. Será que o Conselho vai reconhecer um processo aberto e produzido pelos portadores? Seria um ato de coragem fazer esse reconhecimento, um avanço institucional", opina.

História

Os grupos folclóricos se apresentam anualmente no Raiar da Liberdade em uma relação chamada de "compadrio", pois marcam presença na festa uns dos outros, se visitam. Os grupos não se restringem aos de Cachoeiro de Itapemirim, abarcando também outros municípios do sul capixaba, como Muqui, Itapemirim, Presidente Kennedy, Alegre, Jerônimo Monteiro e Atílio Vivácqua.
Luan Volpato

Genildo conta que o Raiar da Liberdade é uma festa que lembra o processo de luta do povo negro. "A gente comemora a vitória de uma revolução que começou no chão da senzala, que acontece em uma comunidade onde foi formado um quilombo, organizado por negros que fugiram de fazendas da região".

Ele narra que, em 13 de maio de 1888, a notícia da abolição foi recebida via telégrafo, comunicada pelos fazendeiros aos escravos, que no mesmo dia foram para a praça da cidade, onde começaram a fazer seus batuques em frente à Câmara Municipal. O presidente da Casa de Leis tentou se apropriar da comemoração, tirar o protagonismo dos negros, distribuindo comida e bebida. Dias depois, sem emprego, comida, moradia e outros direitos, os negros voltaram para as fazendas, permanecendo no regime de escravidão.

A festa, então, passou a ser comemorada anualmente nas comunidades da região, mas hoje acontece somente em Monte Alegre e Vargem Alegre, também em Cachoeiro. Em Monte Alegre, a comemoração é liderada por Maria Laurinda Adão desde 1961, quando ela tinha 18 anos. Trata-se de um compromisso que passa de geração em geração. Seu trisavô, Negro Adão, que fundou a comunidade quilombola, foi quem deu prosseguimento à festa, ainda no Século XIX, passando depois para os bisavós, avós e pais de Maria Laurinda, que destaca-se nacionalmente e internacionalmente como defensora da cultura negra e quilombola.

Além de ativista, Maria Laurinda é mestra de Caxambu, parteira, coveira e líder espiritual. Ela recebeu em 2008 o título de "Patrimônio Cultural do Brasil", do Iphan. Sua história também foi eternizada no documentário Todas as faces de Maria, em 2011.

Conselho aprova tramitação do processo de registro do Raiar da Liberdade

Próximo passo sobre evento realizado em Cachoeiro é a apreciação pela Câmara de Patrimônio Imaterial, para elaboração de um parecer
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