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‘Estado se nega a fazer transferência das nossas terras, que é direito nosso’

Demandas de mulheres quilombolas e sem terra ainda aguardam ações práticas prometidas no 8 de Março

Continua sem qualquer aceno de ações práticas, por parte do governo do Estado, a pauta com reivindicações fundiárias, hídricas, ambientais e de segurança, apresentadas no 8 de Março pelas mulheres quilombolas e sem terra ao governador Renato Casagrande (PSB) e à secretária de Estado de Direitos Humanos (SEDH), Nara Borgo

Apesar das promessas de encaminhamento às secretarias e autarquias responsáveis, feitas no dia do encontro, até o momento, ainda estão centralizadas na SEDH a responsabilidade por intermediar as negociações e demandas aos demais setores do governo, conforme deliberou Casagrande. 

Na pasta da secretária Nara Borgo, no entanto, as pautas estão paradas e a única garantia é de retomada da Mesa de Resolução de Conflitos Fundiários, com a primeira reunião marcada para a próxima quarta-feira (23), após 120 dias de suspensão, período em que a Mesa foi substituída por um Grupo de Trabalho que excluiu os Direitos Humanos

O assunto foi levantado pela advogada popular Josilene Souza dos Santos, da Comissão Quilombola do Sapê do Norte, durante audiência pública realizada nessa quinta-feira (17) na Assembleia Legislativacomo parte das diligências da Comissão Externa da Câmara dos Deputados dedicada a acompanhar o processo de repactuação da governança das ações de reparação e compensação dos danos advindos do crime da Samarco/Vale-BHP contra o Rio Doce, em 2015. Diligências que serão complementadas por visitas do próprio CNJ aos territórios atingidos.

Lucas S. Costa/Ales

“O Estado se nega a fazer a transferência das nossas terras, que é direito nosso. Temos uma lei que há mais de vinte anos foi publicada pelo Executivo do Espírito Santo e até hoje não foi executada”, denunciou a advogada. 

Os quilombolas foram reconhecidos somente em 2020, cinco anos após o crime, mas até agora não receberam qualquer reparação ou indenização. Em fevereiro, se uniram às aldeias indígenas de Aracruz para lutar por um sistema indenizatório justo e equânime, tendo recebido apoio da vice-governadora, Jacqueline Moraes (PSB). “Alguém aqui já ouviu falar de quilombola contemplado por esse sistema indenizatório?”, perguntou Josilene aos presentes. 

A reparação dos danos é mais um direito ainda negado às comunidades do território tradicional do Sapê do Norte, entre Conceição da Barra e São Mateus, no norte capixaba. A negligência do Estado, brasileiro e capixaba, na titulação de suas terras, bem como a agressividade com que grandes empresas usurpam seu território, vem de mais de meio século. 

Terra, água e vida

“A Comissão Quilombola do Sapê do Norte é formada por 32 comunidades. Vivemos na luta, em conflito, sem titulação. Não bastasse ter saído de África, ter sofrido todo açoite, estupro das mulheres, morte, uma liberdade que nunca existiu, fomos sufocados por uma empresa papeleira [Suzano Papel e Celulose, ex-Fibria, ex-Aracruz Celulose]. Vivemos numa tentativa de conciliação com a empresa que se recusa a dialogar seguidas vezes”, relatou. 

As comunidades, afirmou, estão “totalmente devastadas. A gente não tem água. Sem água não tem vida. As nossas produções não são escoadas. A gente não consegue vender nosso beiju, nosso dendê, nossa mandioca. Para ter acesso ao brejo, agora tem que ter uma carteirinha. Pra tirar cipó pra fazer a vassoura, o cesto”. 

A advogada popular quilombola também citou o encontro no Palácio Anchieta no Dia Internacional da Mulher. “Mulheres quilombolas e do MST tiveram que acampar para conseguir uma audiência com o governador para apresentar suas pautas. Se a gente não fizer esse movimento, não é ouvida”.

Leonardo Sá

Pautas em aberto

Século Diário elencou as principais pautas tratadas na histórica reunião (foi a primeira vez que um governador capixaba recebeu as mulheres quilombolas, segundo Josilene Santos), para conhecer os encaminhamentos dados a cada uma: apresentação das conclusões do estudo feito nos últimos 120 dias pelo GT que substituiu a Mesa de Resolução de Conflitos; publicação do decreto regulamentando a Mesa de Resolução de Conflitos Fundiário, em substituição à atual portaria, em vigor; defesa das famílias quilombolas e sem terra atingidas pelo crime da Samarco/Vale-BHP no processo de repactuação do CNJ; reconhecimento, pelo governo do Estado, da legitimidade das retomadas quilombolas e da gravidade da invasão dos territórios quilombolas por loteamentos ilegais; orientação para que a Secretaria de Segurança Pública (SESP) atue na contenção da violência e racismo operados pela Polícia Militar contra as comunidades quilombolas em seus territórios; identificação e titulação das terras devolutas já reconhecidamente pertencentes ao território quilombola; atuação do governo em relação à ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF) que pede declaração de nulidade dos títulos de domínio de terra obtidos ilegalmente pela então Aracruz Celulose, conforme apontado pela CPI da Aracruz realizada pela Assembleia Legislativa em 2002; abastecimento de água das comunidades quilombolas de Conceição da Barra pela Cesan; identificação e retirada de plantios irregulares de eucaliptos em nascentes e outras APPs dentro do Sapê do Norte; abertura de agenda do governador para receber o Fórum de Mulheres do Espírito Santo (Fomes). 

Resolução de conflitos?

Em resposta às pautas, a SEDH se limitou a tratar do retorno das Mesa de Conflitos, após o fim dos estudos feitos pelo GT que a substituiu nos últimos 120 dias. A nota da Secretaria deixa claro que as decisões efetivas sobre as terras devolutas do Estado foram tratadas no GT, que excluiu a pasta de Direitos Humanos. 

Também afirma que a Mesa coordenada pela SEDH não tem como objetivo prioritário atuar efetivamente sobre a justiça fundiária reivindicada por movimentos quilombolas e sem terra, com base em seus direitos constitucionais e legislação federal pertinente, mas sim, está voltada preferencialmente a fazer cumprir a normativa federal que trata de como devem se dar os despejos judicializados pelo agronegócio contra essas populações vulnerabilizadas. Segue nota na íntegra:

“A Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SEDH) informa que o Grupo de Trabalho (GT) para Estudos e Análises das questões fundiárias das áreas patrimoniais do Estado foi instituído através da Portaria SEG/SEAG/PGE nº 001/2021. Entretanto, a SEDH não integra esse grupo. 

As reuniões da Mesa da Comissão Permanente de Conciliação e Acompanhamento dos Conflitos Fundiários, que é coordenada pela SEDH, foram suspensas até a vigência da referida Portaria, estabelecida com um prazo de 120 dias corridos. A Secretaria de Estado de Direitos Humanos informa ainda que o cronograma de reuniões da Mesa será retomado neste mês de março, sendo o próximo encontro agendado para o dia 23 deste mês, onde são tratadas as diversas pautas inerentes aos assuntos pertinentes a Mesa.

A Comissão Permanente de Conciliação e Acompanhamento dos Conflitos Fundiários tem, entre suas atribuições, adotar e fazer valer no Espírito Santo o Manual de Diretrizes Nacionais para a Execução de Mandados Judiciais de Manutenção e Reintegração de Posse Coletiva; atuar de forma a mediar os conflitos existentes, visando à diminuição do confronto e exposição às vulnerabilidades; realizar reuniões conciliatórias e, ainda, bimestralmente para balanço das Reuniões Preparatórias e das execuções de mandados efetivados no período, além de reuniões extraordinárias quando necessário.”

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