Quarta, 08 Mai 2024

Seminário destaca seletividade da violência nos presídios capixabas

Seminário destaca seletividade da violência nos presídios capixabas
Na manhã desta sexta-feira (13) foi realizada a segunda etapa do seminário "Violência Estatal e Exclusão Social: o estado policial e a criminalização da miséria no Espírito Santo", promovido pelo Instituto Civitas. Os palestrantes do segundo dia foram a advogada e presidente da Comissão de Direitos Humanos da seccional capixaba da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES), Nara Borgo; o professor universitário Thiago Fabres de Carvalho; o coordenador do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), o advogado Clécio Lemos; o defensor público, Bruno Pereira do Nascimento; e o membro do Comitê Estadual de Prevenção e Erradicação da Tortura, Humberto Ribeiro Júnior. 
 
A advogada Nara Borgo deu início ao painel ressaltado que o Direito Penal é seletivo quando trata da questão das drogas. Ela exemplificou a seletividade penal com base no artigo 28 do Código Penal, que deveria diferenciar o usuário do traficante. O artigo 28 não prevê pena restritiva de liberdade ao usuário de drogas ilícitas – que são classificados quanto à natureza e quantidade da droga apreendida; local e condições da ação; e as circunstâncias sociais e pessoais da pessoa – mas Nara lembrou que as pessoas estão sendo presas por serem usuárias. 
 
Quando se fala em tráfico de drogas, os estereótipos são reafirmados. A advogada salientou que quando se pensa em tráfico de droga, se acha que é um jovem, com arma na mão, bermuda, boné, cordões, negro e em uma comunidade carente. “Então, o policial quando aborda, já tem essa figura certa de quem é o traficante de drogas. E aí a gente percebe que nunca vai pensar que o traficante de drogas mora na fazenda, tem um helicóptero e veste terno”, disse ela, acrescentando que estes mecanismos de controle policial e por meio de processos judiciais já separaram que as classes sociais mais baixas e os negros são os traficantes de drogas e isso justifica toda a força policial incidindo sobre essas comunidades e essas pessoas. 
 
Ela levou dados do relatório Tráfico de Drogas e Constituição, do Ministério da Justiça, que apontou que no Distrito Federal 70% dos processos referem-se a presos com quantidade inferior a 100 gramas de maconha. No Rio de Janeiro, 50% tinham quantidade menor a 100 e 50%  acima de 100 gramas. O relatório também mostra que 14% dos condenados no Rio de Janeiro tinham entre 1 e 10 gramas de droga; 53,9% foram presos com quantidades entre 10 e 100 gramas de drogas ilícitas. O relatório concluiu que não se diferencia o grande do pequeno traficante. 
 
A pesquisa do Ministério da Justiça se refere ao Rio de Janeiro, mas Nara também levou números do Estado, compilados a partir de dados da monografia de um aluno que mostram que o Estado não tem um perfil diferente. 
 
O aluno fez o trabalho com base nos processos da 4ª Vara Criminal de Vitória e constatou que em abril deste ano uma pessoa foi flagrada com 18 papelotes de cocaína e foi absolvido. Na decisão, o juiz aplicou o princípio do in dubio pro reo, ou seja, na dúvida, decide-se a favor do réu. Esta apreensão foi feita na Mata da Praia, em Vitória.
 
Em outro caso, foram encontradas 24 buchas de maconha em um carro. O homem que conduzia o veículo foi absolvido por falta de provas. A apreensão foi feita em Jardim da Penha, bairro de classe média também da Capital.
 
Já no bairro da Piedade, um homem trazia consigo cinco buchas de maconha e foi autuado por tráfico. No bairro de Santo Antônio, outro homem com cinco pedras de crack também foi autuado por tráfico. Os dois bairros são considerados periféricos.
 
O advogado Clécio Lemos ressaltou a questão da violência policial e como ela precisa ser justificada para acontecer, já que ela está premeditada. Ele usou como exemplo as manifestações ocorridas em 17 de junho deste ano, na Residência Oficial do governador, quando presenciou que o início do “contra-ataque” da polícia se deu quando uma latinha de cerveja foi arremessada e sequer atingiu os policiais. O fato de a latinha ter ultrapassado a barreira foi a justificativa para a repressão ao processo, que foi classificada como desproporcional na época. 
 
Ele lembrou que em todas as manifestações ocorridas nos meses de junho e julho deste ano tiveram prisões, até para mostrar para a sociedade que aquele era um movimento que poderia ser violento e reprimido. Uma, em especial, chamou a atenção do advogado, já que só havia um detido, mas ele havia sido enquadrado em, pelo menos, três tipos penais, justamente para não ser liberado – a pena passaria de quatro anos – diferente do que havia ocorrido com todos os outros manifestantes detidos antes dele.    
 
Sistema prisional
 
O defensor público Bruno Pereira do Nascimento levou dados alarmantes sobre o sistema penitenciário do Estado. Ele disse que o sistema segue a lógica perversa do aparato policial punitivo.
 
Bruno ressaltou que em outubro de 2013, 70% dos presos homens no Estado cumpriam pena por tráfico de drogas; entre as mulheres o índice chega a 90%. Ele salientou que o perfil médio do encarcerado é de jovem, com idade de 23 anos, negro, com grau de escolaridade de 6ª série e em primeira passagem pelo sistema. “Essa lógica perversa do aparelho estatal reflete grande preocupação da nossa parte”, disse ele. 
 
O defensor público explicou que, na década passada, durante o governo Paulo Hartung – período em que as unidades prisionais ficaram conhecidas como “masmorras” – seguia-se a lógica de dominação do corpo do indivíduo, com mortes, esquartejamentos e mutilações. Depois de todo o processo de reformulação do sistema, a perversidade foi refinada, já que a massa de exclusão social foi retirada das “masmorras” e colocada em unidades novas. A militarização do sistema, segundo ele, chegou a tal ponto e com tal grau de força que o Estado legitima a perversidade com o uso indiscriminado de spray de pimenta, gás CS (lacrimogêneo) e balas de borracha. “Estamos vivenciando um exponencial crescimento do uso de munição não letal dentro das unidades prisionais”, disse ele. 
 
Bruno afirmou que o crescimento começou pelo Centro de Detenção Provisória de Colatina (CDPCol), no noroeste do Estado. Quando a Defensoria Pública verificou que o uso não era algo isolado, e sim de ideologia de aparato de repressão, previu que iria se espalhar para outras unidades. 
 
Ele alertou que a qualquer momento o sistema penitenciário capixaba vai sofrer um grave colapso, já que existe um problema de ideologia do aparato punitivo do Estado. 
 
Quando começou o enfrentamento entre o Estado e os presos, se estabeleceu uma linha de procedimento de segurança, que consistia no uso do armamento não letal. Três meses depois, o diagnostico apontava que o preso não enfrentava mais, só reclamava, mas era reprimido da mesma forma – spray de pimenta, gás CS e bala de borracha. Outros três meses depois, atualmente, o preso não enfrenta nem reclama, está em depressão e ainda é reprimido da mesma forma. 
 
O próximo passo é a revolta, já que o preso já está em um grau de stress e depressão que não aceita mais a forma como é tratado pelo Estado. “Já aconteceu em Linhares, no norte do Estado, quanto mais pressão, o preso vai dar resposta, e essa resposta é violenta”, preveniu. 
 
O defensor público exibiu um vídeo de quatro minutos que mostra um agente penitenciário colocando um preso no “procedimento” na cela, que consiste em sentar no chão, com as mãos entrelaçadas atrás da cabeça para revista. Com a negativa do preso, o agente atira uma bomba de gás na cela e o preso, já sentado e com as mãos entrelaçadas, desmaia. 
 
O preso teve de ser arrastado para fora da cela e não recobrou a consciência até o fim do vídeo, que tem quatro minutos de duração. O vídeo foi entregue, para o espanto do defensor, como um procedimento bem-sucedido pela Secretaria de Estado da Justiça (Sejus) à Defensoria, que viu flagrante violação no ato. O agente vai ser denunciado na segunda-feira (16) pelo crime de tortura. 
 
 
 
 
 
    

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