Domingo, 28 Abril 2024

São Gabriel da Palha diz não para municipalização de escolas do campo

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São Gabriel da Palha (noroeste do Estado) diz não ao Termo de Ajustamento de Gestão (TAG) do Tribunal de Contas (TCE-ES). O posicionamento foi firmado esta semana, com a entrega de um abaixo-assinado com cerca de quatro mil adesões ao prefeito, Tiago Rocha (União), ocasião em que o gestor afirmou concordar com o pleito das comunidades rurais em relação ao acordo da Corte de Contas.

"Em três dias conseguimos quatro mil assinaturas, e uma comissão de pais de alunos, professores e lideranças comunitárias entregou ao prefeito. Ele disse que não é vontade dele assinar o TAG", relata Carlos Keppe, pai de duas alunas de escolas do campo no município.

"Eu estudei em escola do campo desde a primeira série, me formei no Mepes como técnico agrícola e hoje trabalho na Cooabriel [Cooperativa Agrária de Cafeicultores de São Gabriel da Palha]. Nas escolas rurais tem um trabalho de Pedagogia da Alternância muito bem feito, com apoio dos pedagogos, auto-organização dos alunos, trabalho de plano de estudo, educação própria para o povo do campo, com aulas de agricultura, onde os alunos aprendem, desde o início, a importância de ser da roça, do campo", defende, com orgulho.

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A ameaça de fechamento das escolas do campo do município, afirma, "é indignante". Por isso, "a gente vai até onde for preciso para não acontecer. Se for preciso encher dois três ônibus para ir na porta da Sedu ou onde quer que for, a gente vai".

O motivo do empenho na mobilização das comunidades contra o TAG se justifica pela forma avassaladora com que o pretenso acordo tem sido imposto aos municípios, obrigando-os a assumir toda a oferta dos anos iniciais do ensino fundamental que hoje estejam nas escolas estaduais, e pelo risco evidente de fechamento das escolas que forem municipalizadas. Na verdade, mesmo antes de ser oficializado, o acordo já tem sido usado como pretexto por alguns prefeitos para fecharem escolas, como ocorreu em 2022 em Baixo Guandu, por Lastênio Cardoso (Podemos), e em Iconha, por Gedson Paulino (Republicanos).

Diferente das prefeituras, explica Carlos, o governo do Estado tem mais recursos para aplicar, tanto que reformou recentemente algumas escolas do campo, está com outras em obras, e previsão de mais algumas receberem melhorias. Quando há anúncio de municipalização, conta, a primeira reação dos prefeitos, historicamente falando, inclusive o atual, é de que não há condições de manter todas funcionando.

Nessa toada, ao longo da última década e meia, o Comitê Estadual de Educação do Campo do Espírito Santo (Comeces) afirma que mais de 500 escolas do campo foram fechadas no Espírito Santo. Em municípios com movimentos sociais fortes como São Gabriel da Palha, o vizinho Vila Valério, ou Santa Maria de Jetibá, na região serrana, a mobilização popular blinda as escolas desse processo de extinção, mas onde a organização social é mais frágil, os gestores fazem o que consideram ser mais econômico, transferindo os estudantes, via de regra, para escolas maiores da zona urbana ou de alguma comunidade rural mais populosa. "Essa é a maior preocupação nossa, tem alunos que percorrem distâncias longas, às vezes mais de 30 quilômetros, de casa até a escola".

A incapacidade de compreender a importância das pequenas escolas multisseriadas é um ponto que os educadores e famílias insistem em enfrentar, com posicionamentos seguidos sobre como suas especificidades atendem melhor às necessidades das comunidades. Um dos argumentos, ressalta Carlos, são as próprias avaliações externas de educação.

"Os índices das nossas escolas sempre são maiores que os da cidade", afirma, acrescentando que o número menor de alunos nessas unidades favorece o melhor acompanhamento da vida de cada estudante pelos professores, bem como uma harmonia maior dentro da escola, onde todos se conhecem, gerando até mais segurança. "Na escola da minha filha não tem muita diferença de idade entre os alunos, facilita que eles façam amizades, também", acrescenta.

Professor e membro do Comitê Municipal de Educação do Campo de São Gabriel da Palha, Cassiano Fávero informa que o município tem 15 escolas multisseriadas, sendo 11 da rede estadual. Há ainda quatro escolas de ensino fundamental e duas de ensino médio no campo, sendo que em cinco delas, há oferta de Educação de Jovens e Adultos (EJA), uma, inclusive, integrada ao curso técnico de Auxiliar em Agroecologia, o único do Estado. "Nas escolas estaduais funciona a Pedagogia da Alternância, nas municipais não", ressalta, para além da melhor infraestrutura das escolas estaduais.

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Ele conta que outdoors estão sendo preparados para instalação na cidade, informando a ameaça que o TAG representa, e que o abaixo-assinado entregue ao prefeito também será protocolado na Secretaria de Estado da Educação (Sedu), no TCE e no Ministério Público de Contas (MPC-ES), este, responsável pelo recurso julgado pelo Plenário do Tribunal e que resultou na retirada das escolas de assentados rurais do TAG.

O recurso, por sua vez, foi resultado da mobilização feita durante as atividades do Dia Internacional da Mulher, no início de março. Na ocasião, recorda, o pedido dos movimentos sociais presentes, incluindo o de comunidades quilombolas, dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e dos Pequenos Agricultores (MPA), foi para que todas as escolas do campo fossem retiradas do TAG, mas o conselheiro Rodrigo Coelho, que lidera esse processo dentro da Corte de Contas, direcionou o MPC a pedir a retirada apenas das escolas de assentamento. Um novo pedido de retirada de todas as escolas foi protocolado pelo Comeces no dia 24 de março.

"O processo está sendo sorrateiro, de cima para baixo. Os gestores municipais têm medo de não assinar, porque é o Tribunal que os fiscaliza", comenta Cassiano, reforçando denúncia já feita pelo Comeces. Atualmente, conta, o que os educadores têm percebido é que a Sedu está se aproximando dos municípios e ajudando na elaboração dos planos de municipalização das escolas.

Até então, observa, a Sedu se colocava muito alheia, o que indica uma conivência com o TAG, apesar do discurso oficial negar. "A partir da atuação do [secretário estadual] Vitor de Angelo na política educacional nacional, a gente tem entendimento de que ele apoia sim essa municipalização, que na verdade é mais uma intenção do Estado do que dos municípios. Ele defende esse 'empresariamento' da educação. Desde a reforma do ensino médio, a BNCC [Base Nacional Curricular Comum], é tudo para empresariamento da educação. O Espírito Santo sempre encampou esses projetos e é um dos grandes mentores", critica.

A estratégia agora, sublinha, "é pegar município por município e traçar o plano de municipalização. A secretária municipal de São Gabriel [Marlene Silva Teixeira de Souza] está com a Sedu. É possível que esteja havendo negociações para que aconteça. Isso nos preocupa. A grande questão é: as comunidades não estão participando, não há diálogo nenhum e nenhuma garantia de que as comunidades não irão perder suas escolas", alerta.

Ao contrário, os fechamentos continuam acontecendo e de forma ilegal. "As escolas são fechadas sem respeitar os ritos legais. E em nenhum momento se fala em abertura de novas escolas do campo. São as organizações sociais, que movimentaram a construção dos comitês municiais de educação do campo, que têm garantido as escolas abertas. Sindicato dos Trabalhadores Rurais, MPA, MST, associações, cooperativas...se não, boa parte das famílias já teria desistido de tanta ofensiva".

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Comentários: 1

Paulo em Quinta, 22 Junho 2023 12:01

Essa municipalização é absurda. Já vi muitos casos em que prefeituras pretensiosas usam cargos públicos para garantia de eleitorado, criando processos seletivos escusos, antiéticos, enviesados, tudo para contratar parentes e coligados, em detrimento da qualidade da educação e do investimento em ifraestrutura do ensino. É ridículo e absurdo compactuar com esse posicionamento da Sedu e do TCE.

Essa municipalização é absurda. Já vi muitos casos em que prefeituras pretensiosas usam cargos públicos para garantia de eleitorado, criando processos seletivos escusos, antiéticos, enviesados, tudo para contratar parentes e coligados, em detrimento da qualidade da educação e do investimento em ifraestrutura do ensino. É ridículo e absurdo compactuar com esse posicionamento da Sedu e do TCE.
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