Sábado, 18 Mai 2024

Casagrande recorre ao discurso do vale tudo na defesa de incentivos da Era Hartung

Casagrande recorre ao discurso do vale tudo na defesa de incentivos da Era Hartung

 

Diante da possibilidade de expansão dos efeitos da liminar judicial que suspendeu os incentivos fiscais do setor atacadista para outros segmentos, o governador Renato Casagrande saiu em defesa da política de benefícios através dos contratos de competitividade (Compete-ES). Sem contestar os problemas citados nos incentivos – todos criados sem previsão legal no governo passado –, o socialista recorreu ao discurso da criação de empregos e dados conflitantes sobre a arrecadação de tributos para justificar a concessão dos “mimos”.



Para tanto, o governador Casagrande convocou uma coletiva de imprensa para a manhã de sábado (27) para anunciar que o governo capixaba vai recorrer da decisão prolatada pelo juiz Manoel Cruz Doval, da 3ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública Estadual. Na sexta-feira (26), o juiz acolheu o pedido de suspensão dos incentivos ao setor atacadista, feito na ação popular movida pelo estudante de Direito, Sérgio Marinho Medeiros Neto. Decisão que pode dar margem a novas ações contra outros 20 segmentos contemplados pelo Compete-ES.



Nas declarações reproduzidas na mídia local, que também saiu em defesa dos incentivos, Casagrande repetiu os argumentos levantados pelo Estado do Espírito Santo ao longo do processo judicial. Mesmo não sendo acolhidos pelo magistrado no exame do pedido de liminar, o socialista voltou a citar os eventuais benefícios econômicos oriundos da concessão dos incentivos, desta vez, com destaque para a geração de empregos, como justificava para a manutenção do benefício fiscal ilegal.



O governador mencionou a possibilidade da perda de até 15 mil empregos com o fim do incentivo com base nas estatísticas do próprio Sindicato do Comércio Atacadista e Distribuidor do Estado (Sincades), um dos signatários do acordo suspenso pela liminar. Entretanto, os números pouco precisos do sindicato – que chega a falar em 35 mil empregos diretos e indiretos no texto do Relatório de Atividades do Instituto Sincades – acabam não correspondendo à realidade de uma parte das empresas do setor.



Na ação popular, Sérgio Marinho destaca o fato da maior parte das empresas que aderiram recentemente ao sindicato se constituírem de negócios de uma só porta – com pouco mais de um funcionário e uma linha telefônica – com o objetivo de emitir apenas notas fiscais com o benefício fiscal em operações interestaduais. Pelo contrário, Casagrande comemorou a expansão no setor, que saiu de 344 empresas em 2008 (quando foi assinado o contrato de competitividade com o Estado) para 630 no ano passado.



Sobre a perda de receitas com os incentivos fiscais – interpretada pelo juiz como uma possível lesão ao erário –, o governador e o procurador-geral do Estado, Rodrigo Judice, seguiram pelo mesmo caminho: tergiversar sobre os reais efeitos dos benefícios no caixa do Estado e dos 78 municípios capixabas. Para isso, o governador e o procurador citaram dados sobre a arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) pelas empresas que fazem parte do Compete-ES.



Apesar de utilizar os dados sobre os 21 segmentos contemplados com os incentivos para justificar os incentivos concedidos a apenas um deles, os números são suficientes para mostrar o abismo entre o que vai para a conta dos empresários e o que fica como benefício social para os capixabas. De acordo com o governo, todas as empresas do Compete-ES arrecadaram R$ 471 milhões no ano passado. No mesmo período, o Sincades previu um faturamento de R$ 17,6 bilhões apenas para o setor.



Um outro dado comparativo que passou despercebido na fala da dupla foi a renúncia fiscal – isto é, o dinheiro que o Estado abre mão em troca da concessão dos incentivos. Segundo o texto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para este ano, de autoria do próprio governador, a renúncia fiscal estimada para o setor atacadista é de R$ 625 milhões apenas este ano. Muito acima de toda arrecadação do Compete-ES e o repasses para os municípios, que ficam com 25% do bolo de ICMS (neste caso, algo em torno de R$ 117 milhões).



No processo, Sérgio Marinho projeta um dano ao erário na casa dos R$ 3 bilhões desde a assinatura do contrato entre o Estado e o Sincades, o que significaria um prejuízo de R$ 750 milhões nos municípios. Só que ao contrário do discurso oficial, essa renúncia fiscal não resultou – tampouco vai resultar – em arrecadação para os municípios, que foram inclusive chamados a participarem da ação popular contra os incentivos ao setor atacadista por ficarem de fora do incentivo que reduz a carga tributária ao setor de 12% para a alíquota máxima de 1%.



Chama a atenção nas declarações dos representantes do governo é de que em nenhum momento eles atacam o mérito das acusações de ilegalidade nos incentivos. Na decisão liminar, o juiz Manoel Doval afirmou que a política de incentivos fiscais do governo, mesmo que bem intencionada, não serviria de justificativa ao descumprimento do que exige a Constituição Federal.



A norma legal indica que os benefícios deste tipo devem ser precedidos de lei específica ou aprovação pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), sendo que nenhuma das situações ocorreu no caso do Compete-ES. Mesmo assim, o governo tenta justificar a ilegalidade sob argumento de que os acordos fazem parte da política de desenvolvimento econômico.



"Cada estado criou e aperfeiçoou o seu mecanismo de incentivo e, essa liminar, que caminha na contramão do debate nacional equilibrado sobre o tema, pode transformar o Espírito Santo na única unidade da federação sem uma diferenciação interna para ampliar a competitividade. Vamos, por uma decisão em nível estadual, ser prejudicados novamente em relação aos demais 26 estados”, declarou o governador.



Em nenhum momento, Casagrande sugeriu a possibilidade de regularização da situação dos incentivos fiscais – não apenas ao setor atacadista, mas como dos outros segmentos em xeque. Isso implicaria na revogação dos decretos assinados pelo ex-governador Paulo Hartung (PMDB) e envio de um Projeto de Lei específica para Assembleia Legislativa. Contudo, uma ação neste sentido poderia ter duas consequências: além de garantir a permanência dos benefícios já legalizados no atual governo, jogaria o ônus das irregularidades no colo do antecessor – hipótese de risco elevado para o atual governador, eleito sob o discurso de continuidade.

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