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Aviões devem ser proibidos e drones precisam de regulamentação, avalia MPA

Camponeses ampliam debate do PL sobre pulverização aérea de venenos e defendem políticasde ATER e crédito

Divulgação/ MPA

Proibição total da pulverização de agrotóxicos e outros insumos químicos por avião e regulamentação para o uso seguro de drones para fins agrícolas. Esse é o caminho legal mais adequado para reduzir as contaminações por agrotóxicos no campo e permitir a inovação tecnológica também da agricultura familiar no Espírito Santo. O entendimento é do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), diante das discussões a respeito do Projeto de Lei (PL) nº 828/2023, de autoria conjunta das deputadas estaduais Camila Valadão (Psol) e Iriny Lopes (PT), que propõe proibir todo tipo de aplicação aérea de venenos, ao acrescentar o artigo 8ª-A à Lei nº 5.760/1998.

As discussões sobre a matéria foram acirradas durante toda a semana na Assembleia e, para o movimento camponês, é uma oportunidade de ampliar o debate sobre as melhores estratégias para reduzir a dependência em relação aos agrotóxicos e favorecer a melhoria da qualidade de vida às famílias agricultoras, especialmente as de propriedades menores, que são as principais responsáveis pela garantia dos alimentos que chegam às mesas capixabas.

“Em relação ao avião, nós somos totalmente contra. Avião necessita de área muito grande de manobra, não tem controle exato de aplicação, a dispersão é imensa, ele não trabalha à noite, são inúmeros os problemas e impactos. No Espírito Santo, é usado especialmente no norte. Não tem uma legislação que regulamenta, então, o que não é proibido é permitido. Em relação ao drone, é bastante diferente. A tecnologia em si não é o problema, ao contrário, é muito interessante e pode inclusive favorecer as propriedades camponesas. A questão não é o combate à tecnologia, a questão é a regulamentação”, explica Valmir Noventa, membro da coordenação estadual do MPA no Estado.

Em seu município, Boa Esperança, na região noroeste, tramita um projeto de lei exatamente nesse sentido, com vistas a atualizar a legislação atual, aprovada em dezembro de 2017 (Lei nº 1649/2017), proibindo a pulverização aérea de venenos agrícolas, uma das ações municipais pioneiras no Espírito Santo. “Os vereadores queriam banir a lei para permitir o drone. Durante o debate na Câmara, ficou acertado de manter a proibição do avião e regulamentar o uso do drone”, relata.

Na regulamentação, é preciso estabelecer quais distâncias mínimas devem ser respeitadas em relação a Áreas de Preservação Permanente (APPs), estradas, residências, povoados, escolas, postos de saúde, lavouras de terceiros e criações de abelhas e outros animais. “O grupo de agroecologia de Boa Esperança foi convidado para a discussão na Câmara, junto com lideranças das comunidades e do agronegócio”, conta Valmir Noventa.

ATER integral e crédito

Na Assembleia, sugere, o caminho a ser seguido poderia ser semelhante, sendo acrescida da ampliação da discussão para encaminhar políticas públicas que efetivamente possam reduzir o uso de agrotóxicos, seja de que forma for, por trator, aplicador costal ou aviação.

“O problema é o modelo de produção que utiliza grande quantidade de veneno. E o que deveríamos discutir junto com isso, é um plano da agricultura camponesa de produção de alimentos saudáveis, com assistência técnica e extensão rural [ATER] integral, apoio do Estado com sementes de qualidade, infraestrutura, logística e garantias de comercialização. Assim criava junto aos camponeses uma possiblidade diferente de não ficar só na monocultura e uso de veneno”, propõe.

O Plano Camponês, do alto de suas três décadas de existência, elenca essas diretrizes, que são seguidamente reivindicadas aos governos municipais, estaduais e federal, e que também são viabilizadas, na escala e tempo possível, por esforço próprio do MPA, com parceiros que se somam ao longo do caminho, como técnicos do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) especializados em Agroecologia, o Banco do Nordeste e entidades do terceiro setor com fundos de apoio à Agroecologia. É a única forma de frear o êxodo rural da juventude e garantir a existência camponesa a longo prazo e, consequentemente, a segurança e soberania alimentar da população.

“O campesinato vem sendo muito pressionado nos últimos anos pelo agronegócio e pelas tecnologias. Cada vez que passa, tem que produzir mais em menos área e o campesinato vai ficando para trás, especialmente na região norte. O campesinato vai sumindo, vai perdendo sua importância econômica. Especialmente porque a juventude não vai entrar nesse discurso de fazer agroecologia no modelo antigo, em que o importante é a propriedade não ter veneno, mesmo que produzindo pouco, com pouco retorno financeiro. Não, para o jovem, esse projeto precisa estar associado à melhoria da produção, da renda, da qualidade de vida. A questão da renda é fundamental. E para ter a renda, tem que ter acesso à terra, às sementes e, especialmente, assistência técnica e extensão rural integral, contínua”, explica.

Por isso a presença do MPA no Fórum de Agricultura Familiar, que reivindica o fortalecimento da ATER pública e de qualidade, historicamente realizada pelo Incaper, mas que vem desaparecendo, devido ao sucateamento sistemático da autarquia. “O Estado precisa induzir isso, fazer chegar a tecnologia a todos. O mercado vai disponibilizar para quem tem mais poder econômico, não vai priorizar o camponês. E tem que chamar a academia, também, que tem muitos pesquisadores especialistas. E agregar os movimentos sociais, com seus laboratórios e seu dia a dia nas propriedades rurais”, convoca o coordenador do MPA.

Sobre comercialização e crédito, Valmir Noventa reconhece a importância de programas federais como o de Aquisição de Alimentos e o de Alimentação Escolar (PAA e PNAE), e o estadual Compra Direta de Alimentos (CDA), mas eles não resolvem o problema, não atendem a toda a demanda. É imprescindível, afirma, melhorar a política de crédito para os menores agricultores familiares, com até cinco, dez hectares, e que não conseguem acessar o Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf), hoje dominado por agricultores, também classificados como familiares, mas que possuem 50 ou mais hectares e já contam com maquinário, secadores e até drone.

“O Brasil foi deixado sem possibilidade de governança, sem orçamento, e tem muita coisa boa acontecendo nesse novo governo, mas para nós camponeses ainda não chegou nada. O Pronaf não existe mais para a gente, o Plano Safra não trouxe nada de novo, só aumentou o volume de recursos, mas isso não resolve os problemas antigos, que é o endividamento crônico e a dificuldade de acesso ao crédito pelo agricultor de menor porte. O endividamento se aprofundou na pandemia e no governo Bolsonaro e até agora não temos solução E o Pronaf, criado há mais de 30 anos, não mudou. O modelo de crédito no Brasil tem que ser reformulado”.

Descontrole

Na justificativa do PL, Camila Valadão e Iriny Lopes abordam dados importantes sobre o uso descontrolado de agrotóxicos no País e no Estado, como a liderança brasileira no consumo de venenos, desde 2008, e citam a falta de fiscalização sobre a exigência de licenciamento ambiental para aplicação aérea no Espírito Santo, conforme veiculado em Século Diário em 2017, por ocasião de denúncias feitas por agricultores do norte do Estado e pela Comissão de Produção Orgânica do Espírito Santo em audiência pública na Assembleia Legislativa.

“O produtor é quem deve solicitar licença ambiental, mas ele não o faz, a empresa [de aviação agrícola contratada] também não pede e ninguém fiscaliza. A pulverização nunca foi fiscalizada no Espírito Santo e nenhum voo tem autorização ambiental”, alertou, na ocasião, Abel Taveira de Moraes Junior, representando a secretaria executiva da CPOrg no debate na Casa de Leis.

Iniciativas municipais

Em paralelo às discussões em âmbito estadual, naquele ano, Boa Esperança travava um debate intenso para aprovar sua lei de proibição de pulverização aérea. Dias antes da lei ser sancionada pelo prefeito, Lauro Vieira da Silva (PSDB), a CPOrg organizou a publicação de um manifesto em apoio ao Padre Romário, que vinha sendo perseguido e ameaçado por liderar o movimento popular que culminou na lei.

No Manifesto, a Comissão diz apoiar e encorajar os moradores, para que “os opressores sejam denunciados e punidos” e solicita “ao Poder Público Estadual imediata investigação para identificar de onde estão partindo as ameaças e aplicar as devidas punições a quem mereça”. O documento destaca o fato de que o PL, de iniciativa popular, que contou com 2.680 assinaturas da população e foi aprovado por unanimidade pela Câmara, “trouxe consigo a mais cruel face do agronegócio no Brasil: ameaças à vida e ao bem estar dos envolvidos no combate aos agrotóxicos”.

Em seu artigo primeiro, a lei de Boa Esperança estabelece que “fica expressamente proibida a pulverização aérea de agrotóxicos no Município de Boa Esperança”. A penalidade para os infratores é multa de R$ 30 mil, sendo que o valor é quadruplicado se a infração ocorrer no raio de 500 metros de unidades escolares, unidades de saúde e núcleos residenciais da zona rural. A lei diz ainda que “a aplicação da multa não exime o responsável de outras penalidades na esfera penal, civil e administrativa” e que o valor integral será destinado a projetos de incentivo à Agroecologia.

No ano seguinte, em julho de 2018, a lei foi questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag), por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 529. A decisão dos ministros do STF foi anunciada em fevereiro de 2020, pelo arquivamento da ADPF, garantindo assim o direito de municípios e estados também legislarem sobre o assunto, desde que de forma mais restritiva que a normativa federal.

Antes de Boa Esperança, os municípios de Vila Valério, Nova Venécia e Jaguaré também já havia promulgado leis proibindo a pulverização aérea de agrotóxicos.

Oportunidade

Em 2018, uma tentativa de legislação estadual, por meio do PL 31/2016, de autoria do ex-deputado estadual Padre Honório (PT), não foi aprovada pela Assembleia. Em um dos debates na Casa, chamou atenção a defesa exaltada dos eucaliptais da Suzano (ex-Fibria e ex-Aracruz Celulose), feita pelo então deputado Freitas (PSB). Na ocasião, apenas Sergio Majeski (PSB) votou contra o parecer da Comissão de Constituição e Justiça que recomendou o arquivamento do PL.

Apesar de dizer que “é preciso discutir a monocultura”, Freitas, em sua defesa do arquivamento do PL, chegou a exibir slides de “plantações de eucaliptos destruídas pela lagarta”. “Eu gostaria que alguém me informasse: como acabar com a lagarta do eucalipto? Com trator? Com bomba costal?”, questionou. “Vamos abrir mão da cultura do eucalipto?”, inquiriu. Os slides também mostraram as demais monoculturas que utilizam a tecnologia: pastagens, banana, cana-de-açúcar e café com limão. “Como usar bomba costal se são grandes plantações?”, perguntou, já explicando a verdadeira necessidade da tecnologia no Espírito Santo.

A história mostra que a pulverização aérea sempre foi privilégio do agronegócio e seus monocultivos, causando graves danos ao meio ambiente e à saúde de populações rurais. O drone, por ser mais avançada e com tendência de redução de custos, pode ser a oportunidade de popularização de uma tecnologia com potencial de benefícios efetivos para os agricultores familiares de menor porte, desde que devidamente regulamentada e acompanhada de políticas públicas adaptadas a esse segmento, que não só provê o alimento das famílias capixabas, mas também é um gerador de emprego e renda fundamental no campo.

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