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Caparaó integra rede para proteger muriqui e localizar fêmeas migrantes

Maior primata da América e em risco de extinção, espécie tem no Caparaó capixaba sua maior população

Priscila Pereira

A região das montanhas mais altas do Espírito Santo é o abrigo da maior – e possivelmente mais geneticamente diversificada – população do muriqui, o maior primata da América, criticamente ameaçado de extinção. É no Caparaó capixaba, mais precisamente nas florestas de Mata Atlântica protegidas pelo Parque Nacional do Caparaó, que o Brachyteles hypoxanthus encontrou as melhores condições de sobrevivência, ainda que em grupos pequenos e, muitas vezes, isolados entre si, por pastagens e outros monocultivos que avançam entre os remanescentes florestais. 

Considerado por muitos o “panda brasileiro” – seguindo a observação feita pelo notório ambientalista estadunidense Russel Mittermeier, presidente da ONG Conservation International (CI) – devido ao seu grande carisma e vulnerabilidade ecológica, o muriqui possui, de fato, atributos naturais que invariavelmente encantam os que o conhecem. Destaca-se o seu comportamento pacífico e amoroso, acima da média dos demais símios, e mesmo aspectos pitorescos de sua sexualidade, como o fato das fêmeas se relacionarem com todos os machos, não havendo as características competições pelo acasalamento.

Ele já é o símbolo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e objeto de atenção de diversos projetos de ONGs e pesquisadores brasileiros e estrangeiros. Falta, no entanto, uma mobilização humana, científica e conservacionista, semelhante à criada em torno do famoso urso chinês, que possa incidir de forma significativa do status de ameaça do muriqui, hoje na classificação mais grave.
A existência desse verdadeiro tesouro natural, tão ameaçado, trouxe pesquisadores da Rede Muriqui para visitar, neste mês de novembro, propriedades rurais localizadas próximo ao parque e entidades ambientais dos municípios do entorno direto da unidade de conservação, para aderirem a essa iniciativa de ciência cidadã que objetiva conectar pessoas que possam ajudar no monitoramento das famílias de muriquis e, especialmente, das chamadas fêmeas migrantes.
Diretor da Muriqui Instituto de Biodiversidade (MIB) e coordenador da Rede Muriqui, o biólogo Marcello Nery conta que, além do Caparaó, outros importantes redutos de abrigo da espécie são os parques estaduais Serra do Brigadeiro e Rio Doce, e as Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) Feliciano Miguel Abdala e Mata do Sossego, todos em Minas Gerais. Entre as cinco unidades de conservação, vários fragmentos isolados de Mata Atlântica que esboçam corredores ecológicos em potencial, medida que permitirá uma garantia maior de sobrevivência da espécie. Há ainda a região central serrana do Espírito Santo, especialmente o município de Santa Maria de Jetibá, e também os seus vizinhos Santa Teresa e Santa Leopoldina.
As tratativas para a formação dos corredores, ainda iniciais, foram debatidas durante o I Workshop Internacional Corredor Ecológico Brigadeiro-Caparaó, realizado há um ano. Enquanto isso, os pesquisadores da Rede e do MIB atuam em cada região. “Mapeamos 49 municípios. Já rodamos Caratinga, Caparaó e região serrana do Espírito Santo. Daqui seguimos para o Brigadeiro, Ibitipoca, Peçanha, no norte de Minas, e Parque Estadual do Rio Doce”.

Apenas mil indivíduos
Somando todas essas áreas, a estimativa é de que haja pouco mais de mil indivíduos, 300 deles distribuídos em sete grupos localizados no Caparaó, seis deles na vertente capixaba.
Christian de Paula

Marcelo observa que, mesmo após décadas de trabalho de tantas instituições e pesquisadores, o muriqui continua muito pouco conhecido. “Mesmo as pessoas do entorno imediato das matas onde ele ocorre, não o conhecem. Quando se depararam com uma fêmea sozinha, não conhecem esse movimento de migração delas e acabam não sabendo o que fazer, como ajudar”.

A ideia da Rede Muriqui surgiu a partir de um trabalho feito pela proteção dos macacos, especialmente barbados, dizimados durante a última epidemia de febre amarela, que se encerrou há cinco anos. “Tínhamos 50 proprietários cadastrados e ficamos ainda, dois anos depois de 2017, coletando informações”. 

Nesse período, os pesquisadores desenvolveram uma “ficha de campo” que conseguiu ser utilizada por pessoas de todos os níveis de escolaridade, inclusive analfabetos. No formato de calendário, ou “folhinha de parede”, as pessoas apenas marcavam os dias em que haviam feito visualizações ou outros sinais de muriquis nas redondezas. “Monitoramos o retorno dos primatas nesses fragmentos, passada a epidemia, publicamos um artigo e, com base nessa experiência, pensamos nessa estratégia mais ampla, baseada em ciência cidadã, de conexão das pessoas”. Dos bugios para os muriquis foi um pulo. 

No Caparaó, a Rede Muriqui se conectou com o Projeto Muriquis do Caparaó executado na região há doze anos pela Rede Ecodiversa. A bióloga Mariane Kaiser coordena o projeto junto com Daniel Ferraz e, ambos, foram estagiários da antropóloga estadunidense Karen Strier, professora e pesquisadora da Universidade de Wisconsin e maior especialista em muriquis do mundo, responsável pelas pesquisas desenvolvidas com a espécie há 40 anos na RPPN Feliciano Abdala, em Caratinga, que abriga a população mais bem conhecida dos muriquis-do-norte. Na Fazenda e RPPN, os muriquis são monitorados diariamente e já se habituaram com a presença dos pesquisadores, fornecendo a maioria das fotos mais emblemáticos do carismático macaco.

Christian de Paula

“São diferentes projetos unidos para atingir o maior número de pessoas e falar principalmente das fêmeas isoladas. Unir esforços é de extrema importância para a conservação das espécies. Cada indivíduo importa”, afirma Mariane Kaiser, pesquisadora também no Instituto Nacional da Mata Atlântica, com sede em Santa Teresa, onde o Instituto de Pesquisas da Mata Atlântica (Ipema) mantém o Projeto Muriqui. A iniciativa foi tema de reportagem da Revista Século e, em 2003, faturou o primeiro lugar no Prêmio de Reportagem sobre a Biodiversidade da Mata Atlântica, promovido pela Conservation International e a SOS Mata Atlântica. 

Em todos esses espaços onde já atuou em favor dos muriquis, Mariane considera que o Caparaó é um dos mais desafiadores, devido ao seu tamanho e acessos difíceis. “Às vezes a gente tem que andar cinco quilômetros mata adentro para encontrar um grupo”. 

Uma técnica importante de pesquisa nessa vasta região tem sido o monitoramento com tecnologia, em que armadilhas fotográficas são instaladas nos altos das árvores, onde os arborícolas muriquis passam a maior parte do tempo passeando entre os galhos, com a ajuda de sua longa calda preênsil, que funciona como um quinto membro. “É um método não invasivo que faz registro em foto e vídeo”. 

Outro método não invasivo eficiente é o monitoramento genético pelas fezes. Os pesquisadores recolhem fezes dos animais no chão da mata e, em laboratório, fazem o estudo genético para identificar, entre outras coisas, a viabilidade genética dos grupos. 

Resgate da Bonita

Uma ação do projeto que teve repercussão nacional aconteceu há quatro anos, a tentativa de resgate da Bonita, fêmea que foi encontrada isolada na região de Pedra Menina. As fêmeas de muriqui, quando estão perto da maturidade sexual, têm o hábito de se afastar de seu grupo natal e buscar um outro grupo para se reproduzir.

Christian de Paula

Comportamento fundamental para garantir a diversidade genética da espécie, a migração das fêmeas no entanto, as coloca muitas vezes em situação de isolamento, pois a desconexão entre fragmentos as impede de chegar a um outro grupo e realizar o acasalamento. São as chamadas fêmeas isoladas, cuja única solução encontrada até hoje tem sido a translocação, ou seja, a captura para posterior soltura dentro de um grupo com machos jovens. 

Na época da Bonita, conta Mariane, as pessoas da região não sabiam que existia o fenômeno das fêmeas isoladas, nem que se tratava de um animal tão ameaçado de extinção. “Monitoramos a Bonita por dois anos com uma moradora local e duas câmeras traps no dossel. Com o tempo, ela passou a usar outra matinha do lado. Quando fizemos a campanha de captura, monitoramos por uma semana, mas a perdemos de vista numa sexta à tarde e somente no sábado os veterinários chegaram. Continuamos monitorando por mais alguns dias e, numa quarta-feira, apareceu outra fêmea em Pedra Menina, na Forquilha do Rio, a Nena, e fizemos o resgate dessa outra fêmea, que foi levada para Ibitipoca”, relata.

Carla Possamai

Redes sociais

Marcello Nery conta que a Rede tem produzido diversos materiais de divulgação, com vistas a potencializar a comunicação entre os integrantes e expandir os contatos. Folderes, cartazes, vídeos, postagens nas redes sociais, contatos com rádios, jornais e televisões locais. “A ideia é atingir o maior número de mídias que a gente conseguir”. 

Algumas formas de contato são o WhatsApp – (33) 9 9922-9969 – o Instagram , o Site e o canal no YouTube.

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