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Juiz propõe audiência entre indígenas, mineradoras e instituições no dia 17

MPF e DPU pedem suspensão do despejo. Indígenas relembram violência da PF em 2006 ao atender a Aracruz Celulose

A Justiça Federal propôs uma audiência de conciliação no próximo dia 17 entre as comunidades indígenas e as mineradoras Vale, Samarco e BHP Billiton, responsáveis pelo crime contra o Rio Doce em 2015, além da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), e instituições de Justiça e Direitos Humanos que apoiam a luta indígena.

A proposta consta na decisão publicada nessa quarta-feira (4) pelo juiz federal substituto da 4ª Vara Federal de Belo Horizonte, Vinícius Cobucci, ao final de uma reunião com as empresas, realizada com objetivo de iniciar uma mediação judicial para atendimento às pautas das aldeias Tupinikim e Guarani que ocupam a estrada de ferro da Vale que atravessa seu território, em Aracruz, norte do Estado, desde o dia 17 de setembro.

Aos advogados representantes das mineradoras, foi dado prazo até esta quinta-feira (5) para que confirmem a adesão das empresas ao processo liderado pelo juízo federal da 4ª Vara, que visa retomar as negociações referentes à revisão do acordo de reparação e compensação dos danos causados nos territórios indígenas pelo crime da Samarco/Vale-BHP.

O acordo firmado em 2021 com a Fundação Renova foi injusto e feriu as diretrizes da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), relativas à consulta livre, prévia e informada, conforme argumentam os indígenas, o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU).

O compromisso de rever as cláusulas desse acordo, assumido pelas mineradoras criminosas, foi o motivo da suspensão da ocupação dos mesmos trilhos realizada há um ano, durante 43 dias. A negativa das empresas de continuarem com a negociação, em meados deste ano, foi o motivo dessa segunda ocupação da ferrovia.

Divulgação

Contrapropostas

Em seu despacho, Vinicius Cobucci afirma que, após reunião realizada na última semana com as lideranças do Conselho Territorial de Caciques, “pude perceber que o maior entrave é a falta de manifestação concreta das sociedades [empresas Vale, Samarco e BHP Billiton] com a devolutiva/contraproposta acerca das propostas apresentadas”.

Ao serem cobradas de apresentarem sua posição, o magistrado relata a postergação características das mineradoras: “os advogados das sociedades argumentaram que o prazo do dia 5 de outubro de 2023 se mostrou exíguo para que as sociedades empresárias pudessem apresentar manifestação. Além disso, como pontuado pelos advogados, havia a necessidade de consulta às instâncias de direção das respectivas sociedades”.

As deliberações estabelecidas na sua decisão afirmam que a devoluta das empresas “deverá contemplar todos os itens da pauta, preferencialmente com contrapropostas” e que, “em caso de recusa total de algum item, deverão as sociedades apresentar justificativa detalhada, a fim de que a comunidade indígena possa compreender o motivo da recusa”.

A expectativa, explana o magistrado, é que as contrapropostas sejam discutidas na audiência do dia 17 e que “ao final, eventual novo acordo deverá ser homologado em juízo, em substituição ao anterior [firmado em 2021 com a Renova]”.

Reintegração de posse

A data da audiência antecede em uma semana o novo prazo estabelecido para a execução da reintegração de posse da ferrovia, em favor da Vale, estabelecida pelo desembargador Marcelo Pereira da Silva, do Tribunal Regional Federal da Segunda Região (TRF-2), para o dia 23 de outubro, quando está prevista a participação das polícias Federal, Militar e Civil do Espírito Santo, além do Corpo de Bombeiros, Secretaria Estadual de Direitos Humanos (SEDH), Comissão de Direitos Humanos da Assembleia legislativa, entre outros órgãos.

O alargamento do prazo em mais dez dias úteis (a primeira data era o dia 9 de outubro) atendeu aos recursos impetrados pelo MPF e a DPU, que expuseram que a atual ocupação dos trilhos configura um “estopim de uma longa e contínua violação de direitos” dos povos indígenas de Aracruz por parte das empresas responsáveis pelo crime contra o Rio Doce.

Para o defensor público federal e defensor regional de direitos humanos da DPU/ES, Frederico Soares, o caminho que está trilhado pelo juiz Vinicius Cobucci é o correto. “É preciso suspender a reintegração de posse e alinhar um acordo entre as comunidades e as empresas, que atendam às necessidades dos indígenas”.

Violência policial e estatal é histórica

Presidente da Associação Indígena Tupinikim de Caieiras Velha (AITGCV), Joel Monteiro concorda com a posição do MPF e DPU, visto que a violência contínua de direitos é um dos argumentos centrais da ação que a entidade judicializou para pedir a revisão do acordo com a Renova, e reforça o pleito de suspensão da reintegração, fazendo referência a um despejo violento capitaneado pela Polícia Federal em 2006, atendendo aos interesses da Aracruz Celulose (ex-Fibria, atual Suzano) de continuar com a posse das terras indígenas. “Hoje estávamos lembrando desta data que marcou nossas vidas. Até hoje não sabemos qual fim deu o processo aberto pelo MPF contra a Polícia Federal”, conta.

Autodemarcação indígena em 2006. Foto: Apoena

O caso foi citado por Século Diário como mais um capítulo da extensa luta dos Tupinikim e Guarani por suas terras tradicionais, usurpadas pelo monocultivo de eucaliptos, em matéria publicada em 2015, quando os indígenas receberam a escritura de suas terras, lavrada em cartório de Aracruz.

“No cartório estão registrados 18.154,93 hectares de terras indígenas no Espírito Santo, dos povos Tupinikim e Guarani. As terras estão na região de Caieiras Velhas, no município de Aracruz, com 14.282,79 hectares, e em Comboios, Linhares, com 3.872,14 hectares”, informou à época.

Fase/ES

A luta, narra a reportagem, teve início nos anos 1960 e foi marcada por três grandes etapas. O episódio de 2006 foi uma reação da então Aracruz Celulose contra o reconhecimento, pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), de mais 11 mil hectares de terras, autodemarcadas em 2005 pelas comunidades, em que a multinacional acionou a justiça para expulsar os indígenas que reconstruíam as aldeias Córrego do Ouro e Olho D’Água. 

“Uma decisão judicial a favor da então Aracruz Celulose degenerou em conflito armado: os índios com seus arcos, flechas e bordunas, e a Polícia Federal com armamento pesado e tropa especial. A Polícia retira os índios da aldeia Olhos D’água e destroem a aldeia, inclusive o Opu (casa de reza), a igreja dos índios. Muitos índios saíram feridos, atingidos por balas de borracha”.

“Em 2008, o Ministério da Justiça, ao qual a Funai é subordinada, fez decreto reconhecendo as terras indígenas. O decreto foi homologado em 2010 pelo presidente então Lula, pressionado pelos índios. Agora, em cartório, com data de 24 de março de 2015, foi lavrada a escritura das duas terras indígenas. Nas mãos dos índios, o documento chegou em 13 de abril”.

Conluio entre PF e empresa

A ONG Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) também expôs detalhes da operação de reintegração de 2006 e um verdadeiro “conluio” entre a Polícia Federal e a multinacional.

Na ação, descreve, “pelo menos quatro crimes contra a administração pública e administração da Justiça podem ter sido praticados, e há testemunhas e provas que servirão em futuras investigações. Os crimes teriam sido: prevaricação (art. 319), advocacia administrativa (art. 321), violência arbitrária (art. 322) e exercício arbitrário ou abuso de poder (art. 350). Diante da mistura de equipamentos e pessoal da Aracruz e da Polícia Federal na ação, é preciso investigar a possibilidade da Aracruz ter praticado corrupção ativa (art. 333)”.

O texto também traz relatos da deputada estadual Iriny Lopes (PT) sobre as irregularidades: “Fui à sede da Aracruz [Celulose] torcendo para não ser verdade, mas quando cheguei lá vi uma relação promíscua da PF com a empresa. Na minha opinião, ali houve prevaricação”. A sede da empresa também foi usada como local de detenção e depoimento dos índios detidos. “Ali foram ouvidos dois índios detidos. Índios na Aracruz para prestar depoimento é ilegal. O depoimento teria que ser tomado em uma delegacia local”, afirmou a parlamentar.

“As tantas e patentes ilegalidades da ação não pararam por aí. A ordem judicial determinava que a Funai deveria ter sido avisada da reintegração de posse. Não foi. O Ministério Público Federal, que há anos intermedia a questão indígena no ES, também deveria ter sido avisado. Não foi. Os índios, que há meses ocupam as mesmas terras de onde foram expulsos pela Aracruz há quarenta anos, deveriam ter sido notificados. Não foram. Além disso, houve o escandaloso caso de coação dos dois funcionários da Funai”, acrescentou o texto, assinado por Fausto Oliveira.

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