Sábado, 27 Abril 2024

Missão internacional apresenta provas da prática de espionagem no Brasil

Missão internacional apresenta provas da prática de espionagem no Brasil

 
A missão internacional que encerrou seus trabalhos no Brasil na última sexta-feira (14) apresentou provas da prática de espionagem a organizações e movimentos sociais pela Vale e o Consórcio Construtor de Belo Monte. A farta documentação comprova os indícios de corrupção, acesso à informação confidencial, gravações clandestinas, usurpação de identidade, acesso ilícito a bancos de dados públicos e demissão injustificada de empregados. Apesar das evidências, as empresas ainda não foram devidamente investigadas pelo Estado brasileiro.
 
Esses são os resultados preliminares de um relatório que será apresentado em dois meses pela Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH) e pela Organização Mundial de Combate à Tortura (OMCT), que integram o Observatório para a Proteção dos Defensores de Direitos Humanos. 
 
Segundo as entidades, o documento apontará conclusões e recomendações ao governo federal, organizações internacionais e representações diplomáticas no país, assim como mecanismos de proteção nacionais, regionais e internacionais de proteções dos direitos humanos.
 
Reuniram provas e testemunhos dos casos no Brasil os advogados Alexandre Faro e Jimena Reyes, que atuam no exterior, além de Danilo Chammas e Alexandra Montgomery, que defendem os militantes da Justiça nos Trilhos e Justiça Global, respectivamente.
 
Considerando insatisfatória a reação do Estado brasileiro em relação às denúncias que vieram à tona em 2013 pelo ex-gerente da Vale, André Almeida, e em 2011 por movimentos sociais, os integrantes da missão conclamaram o governo as autoridades judiciais brasileiras a tomarem todas as medidas necessárias para que a verdade seja conhecida e os responsáveis pelos delitos devidamente condenados.
 
“Esperava-se, com toda a documentação e depoimentos ricos em detalhes, que fosse conduzida uma investigação séria e imparcial. Infelizmente, isso não tem acontecido”, alertou Chammas. 
 
Os representantes da missão também conclamaram a presidente Dilma Roussef a uma maior coerência, denunciando publicamente, no mesmo nível, tanto esta espionagem como a do “Caso Snowden”. Os movimentos sociais cobram providências do governo federal e do Judiciário desde maio de 2013.
 
Os delitos que envolvem a Vale e Belo Monte teriam ocorrido com a cumplicidade de agentes do Estado. Alguns documentos apresentados pela missão demonstram subornos a agentes do Estado e um possível apoio da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) - órgão do Estado anteriormente conhecido como o Serviço Nacional de Inteligência, desenvolvido nos períodos da ditadura e essencialmente composto por ex-militares - no caso de Belo Monte e, no caso da Vale, atuação de agentes da Abin licenciados contra atores e ONGs considerados por essas empresas como possíveis obstáculos às suas atividades.
 
Jimena Reyes, responsável do Escritório das Américas da FIDH, lembra que as práticas de espionagem e infiltração têm como efeito minar a liberdade de expressão e o direito de divergir, pilar essencial de um Estado democrático. 
 
Opinião reforçada pelo advogado Alexandre Faro. Ele atribuiu à ausência de regulação do fenômeno de privatização da inteligência pelas empresas o cometimento de delitos contra a sociedade civil. “O poder das multinacionais exige um contrapeso judicial e legal forte para impedir novos desvios deste tipo”, pontuou.
 
Durante a missão, os integrantes se reuniram com as vítimas, organizações sociais, representantes do governo, das instituições jurídicas, parlamentares e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Alguns ministérios se recusaram a receber a missão, assim como a Abin e as empresas denunciadas. A Vale comunicou do adiamento do encontro meia hora antes do horário programado, quando a missão já se dirigia ao local.
 
Lista extensa
 
O caso da espionagem da Vale foi revelado pelo ex-gerente de Inteligência da empresa em abril de 2013 e não diz respeito somente a movimentos sociais, mas também a ambientalistas, jornalistas e funcionários da empresa, inclusive no Espírito Santo. 
 
Antes, porém, o relatório “Brasil – Quanto valem os Direitos Humanos”, da Federação Internacional dos Direitos Humanos, Justiça Global e Justiça nos Trilhos, de 2011, já havia denunciado que a Vale realizava espionagem aos movimentos sociais. 
 
O documento relatou o fato que veio à tona em 24 de fevereiro do ano passado, quando um espião contratado pelo Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM) foi flagrado na reunião de planejamento do Movimento Xingu Vivo para Sempre em Altamira, Pará. O agente infiltrado relatou que a Abin também faria parte do esquema de espionagem.
 
Uma invasão ao escritório da Justiça nos Trilhos, em janeiro de 2012, que teve o site hackeado, ficando fora do ar de novembro de 2012 a fevereiro de 2013, também foi revelada pelo relatório.
 
Espírito Santo
 
Documentos revelados pelo ex-gerente André Almeida também apontaram espionagem da Vale a Valdinei Tavares, coordenador estadual do Movimento Nacional por Moradia e vice-presidente da ONG Amigos da Barra do Riacho, em Aracruz, e a Gustavo De Biase, na época do Psol. Os dois foram citados no relatório “Recuperação de posse do terreno Bicanga”, produzido em setembro de 2011 pelo Departamento de Segurança Empresarial (Dies).
 
Também há casos de investigação ao artista plástico do Estado, Filipe Borba, e de lobby da Vale para liberação de projetos estratégicos no governo Paulo Hartung (PMDB), tendo como personagem central o ex-governador biônico Arthur Gerhardt Santos (1971 - 1975), sócio da empresa contratada para facilitar o processo, a Sereng Engenharia e Consultoria Ltda.
 
Em outro dossiê, o ex-gerente apontou o monitoramento a lideranças de 23 “áreas de influência” da empresa no Espírito Santo. Estão incluídos na lista seis sindicalistas e lideranças comunitárias de 11 bairros de Vitória e Serra, e ainda uma de Anchieta, sul do Estado, onde a empresa pretendia construir a Companhia Siderúrgica de Ubu (CSU). Também há relatos sobre ações do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e dos movimentos comunitários de Fundão, Colatina e Baixo Guandu. 
 
Após declarações na imprensa do Estado como porta-voz de Almeida, o advogado Ricardo Ribeiro foi alvo de uma queixa-crime movida pela Vale. Na falta de manifestação da seccional capixaba da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES), Ribeiro recorreu à OAB Nacional. 

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