terça-feira, dezembro 10, 2024
24.9 C
Vitória
terça-feira, dezembro 10, 2024
terça-feira, dezembro 10, 2024

Leia Também:

Comenda Lula Rocha é rejeitada em sessão marcada por ofensas à memória do ativista

Vereadora Camila Valadão acionou a Procuradoria da Câmara de Vitória, pois projeto teve maioria simples dos votos

O projeto de autoria da vereadora Camila Valadão (Psol) que cria a Comenda Lula Rocha foi rejeitado pela Câmara de Vitória nessa segunda-feira (19), em sessão marcada por ofensas à memória do ativista por parte do vereador Gilvan da Federal (Patri). A alegação para a rejeição foi de que era necessário quórum qualificado, ou seja, 3/5 dos votos, e não maioria simples, como, segundo a vereadora, constava na pauta. Diante disso, o mandato enviou questionamento à Procuradoria acerca do assunto, conforme anunciou Camila em suas redes sociais, já que foram oito votos favoráveis, três contrários e uma abstenção. 

A proposta altera o inciso I do artigo 1º da Resolução nº 1.912, de 2013. A comenda é voltada para pessoas que atuam na defesa dos direitos humanos, das juventudes e contra o extermínio da juventude negra.

Os vereadores contrários à proposta foram Gilvan, Maurício Leite (Cidadania) e Dalto Neves (PDT). Aloísio Varejão (PSB) não estava no momento da votação, mas ao retornar ao plenário, se posicionou favorável. Entretanto, segundo o presidente da Casa, Davi Esmael (PSD), o voto não foi válido, embora Aloísio tenha relatado que isso já havia acontecido na Câmara em outros momentos e o posicionamento do vereador foi computado. André Brandino (PSC) se absteve.
Gilvan, como de costume, protagonizou uma série de agressões, dessa vez, à memória do ativista Lula Rocha, falecido em 11 de fevereiro deste ano, a quem a Comenda homenageia. Em sua justificativa, afirmou ser contrário por não poder “concordar com quem ataca de forma covarde a polícia”. Para fazer essa afirmação, Gilvan se baseou em um tweet de Lula no qual o ativista afirmou que a polícia, no Espírito Santo, “atira primeiro e forja depois”.
Embora o presidente da Casa não vote, Davi Esmael defendeu a posição do colega alegando que “um tweet é emissão de opinião”, gerando “oportunidade de um vereador dizer que discorda e que Lula Rocha não é referência para a cidade”. Ainda segundo Gilvan, Lula “atacava religiosos”. Ao falar isso, mais uma vez se baseou em um tweet no qual o ativista fazia críticas ao pastor Silas Malafaia por usar “a religião para enriquecer”. Além disso, classificou Lula como um “vagabundo dessa esquerda imoral”, que “ataca os cristãos”, ignorando totalmente a trajetória do ativista nas Comunidades Eclesiais de Base (Ceb’s) da Igreja Católica, onde cresceu.

Lula Rocha foi militante da Pastoral Operária. Em 2019, sua atuação foi essencial para a estruturação do Vicariato para Ação Social Política e Ecumênica da Arquidiocese de Vitória. Quando faleceu, coordenava o Fórum Igrejas e Sociedade em Ação, além de atuar na Pastoral do Povo de Rua.
Lula e Maria Clara, do movimento pela moradia, na criação do Fórum Igrejas e Sociedade em Ação. Foto: Redes sociais

Ao se pronunciar, Camila Valadão afirmou que não é possível “resumir a vida e trajetória de uma pessoa em tweets”. Destacou, ainda, que Lula era “defensor das inúmeras possibilidades de expressão religiosa”, pautando sua trajetória na defesa dos direitos humanos e da juventude. Quanto às acusações de que o militante atacava policiais, a vereadora recordou que Lula Rocha ministrava cursos de formação para esses trabalhadores.

“Ele não era um vagabundo, não. Sua memória merece respeito e continuaremos levando seu legado. Era um jovem trabalhador, periférico, que dedicou sua vida em defesa da juventude. Nasceu em Cariacica e sua história perpassa diversas periferias da Grande Vitória”, salientou Camila. Embora a vereadora tenha traçado parte da atuação de Lula Rocha, em sua justificativa o vereador Maurício Leite afirmou não ver necessidade de se criar a comenda, pois “a cidade de Vitória tem coisas boas e melhores que podem ser apresentadas”.

Na justificativa do projeto, destaca Camila, “homenagear Lula Rocha por meio da presente propositura é reconhecer e levar em frente sua voz, é fazer com que sua imensa e relevante contribuição alcance outras gerações e inspire no surgimento de outras lideranças capixabas na defesa e luta por direitos humanos”.

O vereador Luiz Emanuel Zouain (Cidadania), que foi relator do projeto na Comissão de Direitos Humanos e deu parecer favorável, afirmou que conheceu Lula Rocha e que “apesar das diferenças políticas, ele merece [a homenagem], pela sua dedicação, trabalho e afinidade com as demandas para as quais se preparou”. A vereadora Karla Coser (PT) destacou que Lula “capacitou inúmeros jovens que estão tocando a política pública de juventude”.
‘Tentaram sujar a memória de nosso companheiro’

Em suas redes sociais, Camila Valadão afirmou que a votação caracterizou “mais um dia de resistência”. “Tentaram atacar a memória do Lula. Tentaram sujar a trajetória do nosso companheiro. Tentaram reduzi-lo. Tentaram ofender a honra dele”, denunciou. E acrescentou: “Sua luta atravessou o país e chegou a outros continentes. Lula foi maior que este Brasil e será lembrado para sempre como um combatente e defensor dos direitos humanos”.

‘Gilvan não reconhece os princípios e valores da família’

“Um vereador que não reconhece o legado de Lula Rocha e ataca uma família enlutada não reconhece os princípios e os valores da família que ele diz tanto defender”. Esse desabafo fez parte do pronunciamento feito pela família do ativista nas redes sociais. Seus pais, Maria da Penha Silva e Isaías Santana, ambos militantes dos direitos humanos, e seus irmãos, os professores e também militantes Ana Paula Rocha e Winny Rocha, afirmam que Gilvan “não reconhece a Casa de Leis como espaço de democracia, mas como palanque de seu ódio e desprezo pela luta e conquista de direitos tão caros ao povo pobre e preto”.

A família agradeceu as manifestações de carinho vindas de todo o Brasil, “que destacam a importância da trajetória de nosso Lulinha e seu compromisso com a defesa da vida, da juventude negra e da periferia como potência”. Sua mãe rebateu as ofensas de Gilvan recordando que o filho foi educado na Igreja Católica, “onde recebeu todos sacramentos e aprendeu o valor da vida e da partilha, vendo Cristo na pessoa do jovem, atendendo ao chamado de colocar a fé e a vida em prática”.

Winny Rocha também recordou que Lula defendeu os Policiais Militares (PMs) “reprimidos pelo governo, e ao mesmo tempo acolheu as famílias das mais de 200 vítimas da greve [da PM] de 2017”.

Em defesa da memória e legado de Lula Rocha

O Vicariato para Ação Social Política e Ecumênica da Arquidiocese de Vitória, por meio de nota, repudiou a fala de Gilvan da Federal. Classificou o pronunciamento do vereador como “discurso odioso e descontextualizado”. Também destacou que Lula foi membro da Pastoral da Juventude, atuando como um dos articuladores da Campanha Nacional Contra a Violência e Extermínio dos Jovens, organizada pela Pastoral da Juventude Nacional.

Dessa campanha, segundo o Vicariato, surgiu o Conselho Estadual da Juventude e a Semana Estadual da Juventude do Espírito Santo. Outros espaços de atuação do ativista também foram recordados, como o Conselho Estadual de Direitos Humanos, coordenação da Campanha da Fraternidade e do Grito dos Excluídos.

Marcha Contra o Extermínio da Juventude Negra. Foto: Redes sociais

“Ofender a memória de Lula Rocha, chamando-o de vagabundo e acusando-o de ofender líderes religiosos, é ofender a história da Arquidiocese de Vitória, o Ecumenismo, o diálogo inter-religioso e os Movimentos Sociais do Estado e do país, uma vez que a atuação de Lula Rocha não se limitava à Igreja Católica ou ao Espírito Santo, mas sim às grandes causas da humanidade”, diz o Vicariato.

Na nota também consta que “o legado de Lula Rocha está escrito na história e sobreviverá ao tempo. Sua biografia, seu rosto, seu nome, sua inteligência singular, sua delicadeza e bondade, muito para além dos murais onde já se encontram, estarão gravados para sempre na memória e no coração de milhares e milhares de pessoas que conviveram com ele e que atestam a sua importância, não só para as juventudes capixabas, mas para o Brasil inteiro, muito diferente daqueles que envergonham a arte do bem comum, veiculando discursos e práticas odiosas e descabidas”.


Vereador propõe criação da Comenda Lula Rocha em Cariacica

Projeto faz referência a militante do Movimento Negro e dos Direitos Humanos que morreu neste mês e pretende homenagear ativistas


https://www.seculodiario.com.br/politica/vereador-propoe-a-criacao-da-comenda-lula-rocha-em-cariacica

Mais Lidas