Vereadora Camila Valadão acionou a Procuradoria da Câmara de Vitória, pois projeto teve maioria simples dos votos
O projeto de autoria da vereadora Camila Valadão (Psol) que cria a Comenda Lula Rocha foi rejeitado pela Câmara de Vitória nessa segunda-feira (19), em sessão marcada por ofensas à memória do ativista por parte do vereador Gilvan da Federal (Patri). A alegação para a rejeição foi de que era necessário quórum qualificado, ou seja, 3/5 dos votos, e não maioria simples, como, segundo a vereadora, constava na pauta. Diante disso, o mandato enviou questionamento à Procuradoria acerca do assunto, conforme anunciou Camila em suas redes sociais, já que foram oito votos favoráveis, três contrários e uma abstenção.
A proposta altera o inciso I do artigo 1º da Resolução nº 1.912, de 2013. A comenda é voltada para pessoas que atuam na defesa dos direitos humanos, das juventudes e contra o extermínio da juventude negra.
Ao se pronunciar, Camila Valadão afirmou que não é possível “resumir a vida e trajetória de uma pessoa em tweets”. Destacou, ainda, que Lula era “defensor das inúmeras possibilidades de expressão religiosa”, pautando sua trajetória na defesa dos direitos humanos e da juventude. Quanto às acusações de que o militante atacava policiais, a vereadora recordou que Lula Rocha ministrava cursos de formação para esses trabalhadores.
“Ele não era um vagabundo, não. Sua memória merece respeito e continuaremos levando seu legado. Era um jovem trabalhador, periférico, que dedicou sua vida em defesa da juventude. Nasceu em Cariacica e sua história perpassa diversas periferias da Grande Vitória”, salientou Camila. Embora a vereadora tenha traçado parte da atuação de Lula Rocha, em sua justificativa o vereador Maurício Leite afirmou não ver necessidade de se criar a comenda, pois “a cidade de Vitória tem coisas boas e melhores que podem ser apresentadas”.
Na justificativa do projeto, destaca Camila, “homenagear Lula Rocha por meio da presente propositura é reconhecer e levar em frente sua voz, é fazer com que sua imensa e relevante contribuição alcance outras gerações e inspire no surgimento de outras lideranças capixabas na defesa e luta por direitos humanos”.
‘Gilvan não reconhece os princípios e valores da família’
“Um vereador que não reconhece o legado de Lula Rocha e ataca uma família enlutada não reconhece os princípios e os valores da família que ele diz tanto defender”. Esse desabafo fez parte do pronunciamento feito pela família do ativista nas redes sociais. Seus pais, Maria da Penha Silva e Isaías Santana, ambos militantes dos direitos humanos, e seus irmãos, os professores e também militantes Ana Paula Rocha e Winny Rocha, afirmam que Gilvan “não reconhece a Casa de Leis como espaço de democracia, mas como palanque de seu ódio e desprezo pela luta e conquista de direitos tão caros ao povo pobre e preto”.
A família agradeceu as manifestações de carinho vindas de todo o Brasil, “que destacam a importância da trajetória de nosso Lulinha e seu compromisso com a defesa da vida, da juventude negra e da periferia como potência”. Sua mãe rebateu as ofensas de Gilvan recordando que o filho foi educado na Igreja Católica, “onde recebeu todos sacramentos e aprendeu o valor da vida e da partilha, vendo Cristo na pessoa do jovem, atendendo ao chamado de colocar a fé e a vida em prática”.
Winny Rocha também recordou que Lula defendeu os Policiais Militares (PMs) “reprimidos pelo governo, e ao mesmo tempo acolheu as famílias das mais de 200 vítimas da greve [da PM] de 2017”.
Em defesa da memória e legado de Lula Rocha
O Vicariato para Ação Social Política e Ecumênica da Arquidiocese de Vitória, por meio de nota, repudiou a fala de Gilvan da Federal. Classificou o pronunciamento do vereador como “discurso odioso e descontextualizado”. Também destacou que Lula foi membro da Pastoral da Juventude, atuando como um dos articuladores da Campanha Nacional Contra a Violência e Extermínio dos Jovens, organizada pela Pastoral da Juventude Nacional.
Dessa campanha, segundo o Vicariato, surgiu o Conselho Estadual da Juventude e a Semana Estadual da Juventude do Espírito Santo. Outros espaços de atuação do ativista também foram recordados, como o Conselho Estadual de Direitos Humanos, coordenação da Campanha da Fraternidade e do Grito dos Excluídos.
“Ofender a memória de Lula Rocha, chamando-o de vagabundo e acusando-o de ofender líderes religiosos, é ofender a história da Arquidiocese de Vitória, o Ecumenismo, o diálogo inter-religioso e os Movimentos Sociais do Estado e do país, uma vez que a atuação de Lula Rocha não se limitava à Igreja Católica ou ao Espírito Santo, mas sim às grandes causas da humanidade”, diz o Vicariato.
Na nota também consta que “o legado de Lula Rocha está escrito na história e sobreviverá ao tempo. Sua biografia, seu rosto, seu nome, sua inteligência singular, sua delicadeza e bondade, muito para além dos murais onde já se encontram, estarão gravados para sempre na memória e no coração de milhares e milhares de pessoas que conviveram com ele e que atestam a sua importância, não só para as juventudes capixabas, mas para o Brasil inteiro, muito diferente daqueles que envergonham a arte do bem comum, veiculando discursos e práticas odiosas e descabidas”.
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