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Estudantes descrentes e candidatos insossos fazem o clima frio da eleição para reitor

Em Goiabeiras, nem parece que a eleição para reitor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) será na próxima terça-feira (22). No ar, nas paredes e nos corredores do campus o clima é frio e murcho. “Há um desinteresse mesmo”, lamenta um aluno. Nos murais dos centros praticamente não se nota folhetos de candidatos, assim como praticamente não se vê gente com adesivo no peito. A tradicional panfletagem também se mostra rarefeita.
 
Como se sabe, três candidatos disputam. O atual reitor Reinaldo Centoducatte (Chapa 3) tenta a reeleição contra a diretora do Centro de Ciências da Saúde, no campus de Maruípe, Gláucia Rodrigues Abreu (Chapa 1), e o professor do Centro Tecnológico, em Goiabeiras, Marcel Olivier (Chapa 2). Reinaldo tem apoio de quadros do PT; Gláucia, do PCdoB.  
 
A Ufes tem cerca de 2.300 professores, 2 mil servidores e 25 mil alunos em quatro campi universitários: Goiabeiras e Maruipe, em Vitória; em Alegre, sul do Estado, e São Mateus, norte.
 

No fim da manhã de quarta-feira (16) o fato mais rumoroso em Goiabeiras foi o ato surpresa promovido pelo Sindicato dos Trabalhadores na Universidade Federal do Espírito Santo (Sintufes) liberando as catracas do Restaurante Universitário (RU). Uma longa fila serpenteava pelos corredores externos do restaurante. Enquanto aguardavam a vez, os estudantes ouviam um servidor ao microfone desancar a política do governo federal para as universidades: “Pri-va-ti-za-ção. Você sabe o que é isso?”.

 
O perfil dos candidatos talvez seja o fator que mais explique o desânimo. Há ressalvas para todos os lados, ou, dito de outro modo, nenhum dos três é exatamente “bom”. Quando revelados, os votos oscilam entre a indulgência e a resignação: “não que ela/ele seja a/o melhor; é a/o menos pior”. Em suma, não há aquela figura arrebatadora – talvez nunca tenha havido, mas, desta vez, menos ainda. 
 
Críticas contundentes arranham os três candidatos. Sobre os ombros do engenheiro Centoducatte pesam críticas a ações de assistência estudantil (quantidade e valor das bolsas de pesquisa) e a postura a favor da instalação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), vinculada ao Ministério da Educação (MEC), e criada para gerir os hospitais universitários. Na Ufes, queimou o candidato entre alunos e servidores. Em todo o Brasil, a Ebserh foi classificada ação de “privatização disfarçada”. Pesa também a acusação de falta de transparência administrativa. 
 
Quanto à enfermeira Gláucia Abreu, a acusação de quebra de Regime de Dedicação Exclusiva (RDE) é a sombra que a persegue e vai persegui-la até o fim do processo eleitoral. Parece uma nódoa indelével. A Ufes pediu restituição de valores a título de RDE, sob a acusação de que ela coordenou o curso de Enfermagem do Salesiano, faculdade particular em Vitória, descumprindo o regime. Gláucia entrou com um processo na Justiça contra a Ufes e ganhou em primeira instância. A querela ainda corre. A candidata também carrega o peso do apoio de figuras como os ex-reitores Rubens Rasseli e Sebastião Pimentel, mau vistos em setores da comunidade.
 
Já o engenheiro Marcelo Olivier mexe com um discurso que no geral provoca esgares no meio acadêmico: parcerias público-privadas. Uma de suas metas promete a “realização de parceria com o setor produtivo, o terceiro setor e o setor público para captar recursos”. O Centro Tecnológico já é conhecido pela ingerência do capital privado sobre a universidade. Questão procedente: em tais circunstâncias, qual seria o nível de autonomia de alunos e professores na definição dos próprios projetos e pesquisas?
 
O pouco tempo destinado pelo calendário eleitoral às campanhas também é apontado como fato de esfriamento. Paira a impressão de que Centoducatte comprimiu o calendário para desfavorecer os concorrentes. Foram apenas duas semanas de campanha: aí não há fogo que acenda o pavio dos confrontos. O pleito foi brejeiramente definido para setembro, enquanto a posse só se dará seis meses depois, ou seja, em março. Muito estranho. 
 
Nem a paridade de votos para eleição de reitor, elemento novo que passou a valer a partir do processo deste ano, logrou aquecê-lo. A vida toda postos em segundo, terceiro ou quarto planos, os estudantes percebem os candidatos mais atenciosos com eles. O problema é que entre ser atencioso e ter uma boa proposta, vai uma boa distância.
 
A assistência estudantil é exemplo. Demanda das mais urgentes para os estudantes, foi levantada mais seriamente somente durante a eleição – fora dela, restringe-se aos círculos discentes. Os números dão uma dimensão do problema. A Ufes registra 8.587 alunos cotistas, mas o edital de cadastro no programa de Assistência Estudantil da instituição do segundo semestre deste ano contemplou apenas 4.584 bolsistas. 
 
As bolsas reúnem quatro categorias de auxílio: alimentação, moradia, transporte e material de consumo. O valor do auxílio-moradia, por exemplo, é desalentador: R$ 200 por mês. Numa breve busca nessas OLXs da vida – o site de anúncios grátis – se verifica que o aluguel de um quarto em Jardim da Penha, bairro mais próximo à Ufes, sai em média por R$ 500. O valor é irrisório mesmo segundo o parâmetro de bairros de população de baixa renda.
 
Há uma análise de que os alunos podem ser o fiel da balança. A questão é: quem vai conseguir captar uma massa à primeira vista descrente e desinteressada? 
 
Afora a compressão anormal do período de campanha, que prejudica a divulgação das ideias, há um dado interessante quando se esta e a última eleição se confrontam: nenhum dos três evoca nem de longe o perfil do professor do Departamento de Geografia Paulo Cesar Scarim, cujos posicionamentos mais à esquerda apraziam o gosto de parcela expressiva dos alunos. Lembrando também que pleito passado contou com seis candidatos.
 
Direto e reto: nem Reinaldo, nem Gláucia, nem Marcel transmite segurança e garantia de cumprimento das pautas estudantis. Todos adotam o discurso da crise, mas ninguém apresenta ideias consistentes para contorná-la. Enquanto isso, grassa a pindaíba: faltam papel e toner para tirar xérox e faltam ônibus para realização de aulas de campo ou transporte para encontros estudantis, só para ficarmos nas carências mais singelas. 
 
Apesar dos pesares, a disputa ganhou alguma emoção na última semana. Na quarta-feira (16), o juiz Ricarlos Almagro Vitoriano Cunha, titular da 4ª Vara Federal Civil do Espírito Santo, indeferiu o pedido de liminar impetrado pela Chapa 1 para adiamento da eleição. A chapa alegou risco de fraudes, já que a reitoria atual não providenciou a tempo, com a Justiça Eleitoral, a cessão de urna eletrônica. A votação será em cédulas. A chapa entrou com recurso na sexta-feira (18).
 
O caso mais palpitante ocorreu na sexta-feira. Na segunda-feira (14), as três chapas confirmaram verbalmente ao Diretório Central dos Estudantes (DCE) presença na arena de debate organizada pela entidade máxima de representação discente e prevista para realização no final da manhã de sexta em frente ao RU de Goiabeiras. Na terça (1), a Chapa 1 pediu adiamento da arena para esta segunda-feira (21), argumentando mudança de agenda de campanha em Alegre, em cujo campus ocorreu na quinta-feira (17) o último debate oficial; no dia seguinte, a Chapa 2 reforçou o pedido.
 
Mas, como conta o diretor de Comunicação do DCE, Alberto Salume, em um post cheio de franqueza em sua página no Facebook, o diretório negou o pedido e manteve a data da arena – mesmo, destaca, com tempo hábil para mudar o período de aluguel de equipamentos e cadeiras. Até a manhã do dia do debate, apenas o candidato à reeleição manteve sua presença no debate. Seria uma boa chance para Reinaldo se recuperar do deplorável desempenho em Alegre, em que levou um banho dos concorrentes.
 
Às 12h de sexta-feira, apenas uma roda de capoeira animava o pátio em frente ao RU. Era uma das atividades do evento “A Ufes vai ficar preta”, promovido pelo movimento negro da universidade em defesa do acesso à educação superior pelos negros e pobres. Embora no frigir dos ovos, a arena de debate do DCE fora adiada para segunda.  
 
Tanto melhor, o DCE quis fazer uma arena, mas quase entregou um circo: a insistência consumaria uma travessura – tosca desde o princípio – para favorecer Reinaldo. Há uma explicação simples para a natimorta arena: o alinhamento das correntes majoritárias do DCE, a Conectas, composta por alguns quadros do PT, e F5 Atualiza, esta por quadros do PPS, ao atual reitor. 
 
Ainda na sexta o DCE comunicou via Facebook o adiamento da arena trescalando retidão e candura: “Esperamos, sinceramente, que tendo em vista o cancelamento da participação pelas Chapas 01 – Gláucia e Sávio e da Chapa 02 – Marcel e Falqueto, signifique que os candidatos (as) participarão da atividade a ser realizada impreterivelmente na segunda-feira, dia 21 de setembro”. Sinceramente é ótimo.
 
Gláucia e Marcel optaram pela permanência em Alegre, onde detectaram boa recepção de seus nomes e avarias na imagem de Reinaldo: um dos principais alvos no recente debate alvejou o estado, segundo eles precaríssimo, do RU local. Reinaldo tentou sem êxito abrigar-se na falência das empresas contratadas para as obras no local.
 
O postulante à reeleição mostra bom desempenho em Goiabeiras, onde tem o apoio de muitos professores e diretores de centro. O quadro é mais dividido em Maruípe, de onde tanto Gláucia quanto Ethel Maciel, a vice de Reinaldo, são oriundas.
 
A percepção de segundo turno é clara. Reinaldo está garantido; a outra vaga, especula-se, deve ficar com Marcel, embora a candidatura de Gláucia tenha se encorpado nos últimos dias. Clara também é a percepção de que, em caso de segundo turno, Reinaldo terá um trabalho duríssimo para se manter no cargo: os bastidores dão conta de que Gláucia e Marcel têm acordo de união de forças para a eleição, aqui, do dia 6 de outubro.
 
Daí a importância do debate desta segunda-feira (21) em frente ao RU: a arena promete finalmente lançar as primeiras borbulhas na escolha do reitor do principal núcleo de formação intelectual capixaba.

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