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A pandemia e o desgoverno

Mesmo se vier a acontecer a saída de Bolsonaro, seu governo deixará marcas negativas na sociedade

Não temos mais governo. O que resta é um amontoado de bajuladores deslumbrados com o poder, batendo cabeça para ver se descobrem como dar rumo ao País, afundado na pandemia da Covid-19 e em profunda crise econômica, cuja origem é anterior ao início do ataque do coronavírus. Não há outra perspectiva que não seja uma tragédia de grandes dimensões: o Brasil chegará a 100 mil mortes, haverá aumento do número de desempregados, mais empresas desativadas e incontáveis casos de violência?

Caminhamos para esse cenário, no fundo do poço. Mesmo se vier a acontecer a saída de Bolsonaro, ele deixará marcas extremamente negativas na sociedade, sacudida pelo aumento da arrogância e do autoritarismo, por conta da falta de um programa para o País, de estreitas ligações de áreas do poder político com o crime organizado e o desmonte das maiores empresas brasileiras, incluindo a Petrobras, com a participação ilegal de agentes do Federal Bureau of Investigation ou Departamento Federal de Investigação (FBI), dos Estados Unidos, em conluio com procuradores da Lava-Jato.

Isso tudo vivenciando projeções do Ministério da Saúde, divulgadas em abril, de que cerca de 50% da população brasileira podem ser contaminados pelo vírus, com um grau de letalidade de 0,01% da Covid. Os números indicavam que mais de 100 mil pessoas morreriam da doença. Já chegamos perto, quase 70 mil já se foram neste início de julho. Enquanto isso, além da ausência de um programa de defesa unificado, há um estímulo à desobediência, o que torna a cidadania coisa de pouco valor e aumenta o nível de contaminação. Os fatos estão aí, mas não entram no noticiário das grandes redes, mais voltadas para estratégias comerciais que gerem dividendos.

“Cidadão, não, ele é engenheiro civil formado, gente melhor do que você”, disse a mulher ao agente de saúde, no Rio de Janeiro, em trabalho para evitar aglomerações. Ela referia-se ao companheiro, ao lado, igualmente arrogante, a alçar a formação acadêmica acima da cidadania. O autoritarismo, fruto da ignorância, se espalha, ganhou força a partir do Planalto, agora sem o cercadinho para servir de palanque do presidente diante de seguidores histéricos e com cobertura da mídia garantida. Fez escola e um exército de seguidores fiéis e encantados.

Rompeu os limites, foi repreendido, recuou diante da pressão do comando formado em seu entorno, porque afinal as falas sem nexo já ultrapassavam o aceitável, e também do Congresso, onde corre solto o toma lá, dá cá, repudiado na campanha, agora moeda corrente a descer pela goela sempre larga do Centrão. Seus tentáculos alcançam ainda os donos de sistemas religiosos, encarregados de acalmar as “ovelhas” do numeroso rebanho em igrejas chamadas de “hospitais espirituais”.

Mas que ninguém se engane. A aparente mudança de atitude, mais notada nas duas últimas semanas, porém iniciada desde a prisão do operador miliciano Fabrício Queiroz, um petardo de forte impacto na família, não reduz o seu desejo de estar permanentemente no ataque: “Fui treinado para matar”, ele já declarou em entrevista. É estratégia de guerra, comunicação de massa, no modelo de Benito Mussolini, o líder fundador do fascismo, na Itália, que ajudou a incendiar a Europa, no século passado.

“Tem método muito parecido com a comunicação de massa do fascismo, por exemplo, o uso da religião. Difícil imaginar que Bolsonaro tenha compreendido a essência do cristianismo. Aliás, é próprio do fascismo matar o cristianismo falando de cristo”. Ao fazer essa afirmação no programa Roda Viva, da TV Cultura, nessa segunda-feira (6), o professor Fernando Haddad define com precisão essa estratégia do governo.

Um malogro anunciado há tempos e comprovado nesses 18 meses de governo. Absolutamente inepto, o presidente não consegue escolher um ministro para a Educação e mantém há mais de 50 dias na pasta da Saúde, apesar da pandemia, um general da área de logística, que se atrapalha em questões geográficas básicas e sequer sabe onde passa a linha do Equador.

Um desastre, a concordância é quase geral. Ficam de fora os que se adaptam à sabujice e se deslumbram com a concentração do poder, a desigualdade, o emprego da violência e uso da religião como formas de convencimento. Vão sendo consumidos, como gado caminhando para o matadouro. Para estes, a cidadania é lixo e me fazem lembrar a abolicionista norte-americana Harriet Tubman (1820/1913): “Libertei mil pessoas da escravidão, se eles soubessem que eram escravos teria libertado mais mil”.

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