A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) é, invariavelmente, a mais importante de 10 em cada 10 casas legislativas deste País. Seu comando é disputado acirradamente pelos parlamentares mais experientes e com amplo conhecimento do regimento interno. Sua importância estratégica também costuma gerar interesse no chefe do Executivo, que geralmente tenta ingerir na escolha do presidente da CCJ.
Na Assembleia Legislativa do Espírito Santo, porém, essa lógica não se aplica. Vai fazer um ano que a deputada Raquel Lessa (SDD) está à frente da presidência da CCJ. Na verdade, a indicação da deputada foi uma estratégia para manter a comissão nas mãos do líder do governo na Assembleia, deputado Gildevan Fernandes (PMDB), sem escalá-lo diretamente para a presidência. De fato, é ele que conduz a comissão na condição de vice-presidente.
Raquel Lessa faz o papel de ventríloquo de Gildevan. Ele sopra na orelha da deputada e ela repete, às vezes com dificuldade. Essa relação de dependência irrestrita torna a atuação da deputada na CCJ próxima do patético. Ela costuma, o tempo todo, recorrer ao próprio Gildevan ou aos técnicos da Casa, que parecem enlouquecer cada vez que Raquel vai ao microfone.
Na sessão desta segunda-feira (21) a deputada deu mais uma mostra de que não tem capacidade técnica e política para conduzir uma comissão da complexidade e importância da CCJ. Além de demonstrar não conhecer nem mesmo o bê-a-bá do regimento da Casa, o despreparo da deputada fica mais evidente em razão da desencontrada articulação política do líder do governo. Vira e mexe Gildevan também se perde na função de articulador, e confunde ainda mais a já atrapalhada deputada, que muitas vezes “trava”, simplesmente sem não saber o que fazer.
Na cena bizarra desta segunda-feira, o limitado líder tentava derrubar a sessão, pedindo a recontagem de quórum. O desespero do deputado para evitar a votação do projeto que prevê a instalação de redes de proteção para evitar suicídios na Terceira Ponte deixou Raquel Lessa ainda mais perdida. Ela demorou a entender qual era a estratégia do colega governista, que tinha ordens do Palácio Anchieta para barrar o projeto do deputado Euclério Sampaio (PDT) a todo custo.
A patuscada deu margem para o deputado Euclério questionar a manobra mal-ajambrada. Embaraçado com os desencontros da dupla, o presidente da Casa, Theodorico Ferraço (DEM), foi obrigado a interromper a sessão duas vezes na esperança de que Raquel e Gildevan afinassem o discurso. Não adiantou. Sem conseguir derrubar a sessão, restou a Gildevan se valer do prazo regimental para postergar a votação.
Mas a culpa não é da deputada ou do líder do governo, e sim do governador Paulo Hartung (PMDB), que definiu a composição do colegiado, mesmo sabendo das limitações da dupla. O episódio mostra que o governador subestima a Assembleia ao escalar parlamentares incapacitados para a função. Hartung só faz isso porque tem convicção do controle absoluto que tem sobre a Casa. Ele prioriza a fidelidade cega em detrimento da capacidade técnica e política do parlamentar. Como disse Euclério ao criticar o comportamento subserviente da Assembleia a mais uma manobra governista, seria mais honesto a Casa se assumir de vez como um “anexo” do Palácio Anchieta.