Anda pelos mercados a laranja navelina de procedência uruguaia. Também se oferece a laranja navel, da Espanha. Ambas não são baratas e possuem traços da nossa velha laranja baiana, que sobrevive em quintais domésticos e ainda é cultivada em raros pomares profissionais.
Em supermercados do Sul e do Sudeste, não é raro encontrar em plena véspera de Natal as laranjas ditas baianas com selo de origem no Uruguai, que tem uma boa citricultura implantada por capitais espanhóis. E ninguém estranha, pelo contrário, as pessoas se acostumaram a comprar frutas fora da época normal.
Todo mundo parece ter esquecido que as frutas tinham época e lugar. Assim: as pessoas comiam cítricos no outono, frutas vermelhas no inverno e se locupletavam no consumo de bananas, abacaxis, mangas, uvas e melancias no meses mais quentes do ano. Eram as frutas das quatro estações do ano.
Com a evolução das técnicas de genética, irrigação e refrigeração, muitos vegetais foram programados para frutificar fora da época original, de forma que os produtores pudessem atender comerciantes com canais organizados para atender os desejos de consumidores distantes. Em consequência, temos belas bananas sem sabor, lindas tangerinas sem sementes e sem aroma – isso, para ficar apenas em dois exemplos bastante conhecidos de frutos-de-todo-dia.
Por isso, nunca será demais lembrar que as emergentes laranjas navel e navelina são descendentes da laranja Bahia ou baiana, também conhecida por laranja-de-umbigo. A palavra inglesa navel significa umbigo.
Os primeiros a importar mudas dessa laranjeira originária de Salvador da Bahia foram os norte-americanos, que batizaram a “sua” variedade com um nome nacionalista: Washington Navel, ou seja, Umbigo de Washington. Isso há pouco mais de 100 anos, quando a genética naveliana, ou seja, bahiana, começou a ser difundida pelo mundo afora, enriquecendo a citricultura de vários países.
A difusão de sementes, mudas e técnicas agrícolas é uma das molas do progresso da humanidade, mas a deturpação da sazonalidade está concorrendo para criar um paradoxo: as gôndolas dos supermercados estão repletas de vistosos produtos vegetais que parecem frutas – e até são catalogados como tais – mas seriam melhor definidos como commodities.
As pessoas adaptadas ao mundo do consumo fácil, e satisfeitas com seu papel de clientes paparicadas pelos comerciantes, talvez não cheguem sequer a supor que tamanha facilidade de consumo pode estar pondo em risco a sustentabilidade ambiental global. Os consumidores sem consciência são agentes de uma espécie de transgenia despudorada que visa tão somente o lucro. Onde isso vai parar?
A ênfase na aparência deixa pouco espaço para a manutenção do caráter dos frutos do mundo vegetal. Vejam como são lindos os ditos pêssegos chilenos, mas é raro se encontrar uma dessas commodities com o aroma, o sabor e a suculência dos frutos originais. Lembram-se das maçãs argentinas de 30 anos atrás? Passavam meses em câmaras frias e, quando degustadas, eram farinhentas. Perderam o lugar para as maças brasileiras colhidas em abril. E o que dizer das frutas do verão brasileiro — uvas, melancias etc. – que se apresentam fora da estação apropriada?
Por tudo isso, cabe indagar qual será o sentimento de uma tangerineira que só dá frutos sem sementes, suprimidas por uma seleção genética de índole comercial. Saberá que foi esterilizada e depende de enxertias para se perpetuar?
E a fruta sem semente terá consciência de que foi mutilada em sua capacidade genética? Pois, à luz da Natureza, cabe desconfiar de um fruto que perdeu suas características, isto é, seu caráter original.
No fundo, estamos comendo gato por lebre.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“A banana é fruta boa
Comida de gente pobre.
Toda gente gosta dela,
Quer seja plebeu ou nobre.”
Quadra popular reproduzida por Luis da Camara Cascudo em sua História da Alimentação no Brasil, Livraria Itatiaia, 1983