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Mando ou latrocínio?

O júri popular da morte do juiz Alexandre Martins de Castro Filho está longe de acabar. Já se especula que a decisão só saia na segunda-feira (31). Entretanto, após três dias de depoimentos, os fatos mostram que a tese de mando vai perdendo força e a de latrocínio ganhando a cada dias contornos mais fortes. 
 
Após mais de 30 horas de relatos das testemunhas de acusação e defesa, já se pode destacar “os melhores momentos” do júri. Os depoimentos mais importantes são das testemunhas de acusação, sobretudo do coronel Luiz Sérgio Aurich. O então chefe da Casa Militar do governador Paulo Hartung, à época dos fatos, fez, até agora, as revelações mais importantes sobre o caso. O oficial da reserva da Polícia Militar foi o primeiro depoente a incluir o então governador no enredo do crime
 
O depoimento de Aurich, além do importante conteúdo, tem um peso diferenciado porque vem de um militar de carreira exemplar, que ocupou importantes cargos na gestão pública. Foi comandante-geral da PM, secretário estadual de Segurança Pública e chefe da Casa Militar. Além da reputação ilibada, o coronel tem propriedade (e coragem) para falar sobre o Caso Alexandre, porque esteve presente no centro dos acontecimentos que definiram essa importante passagem da história recente do Espírito Santo. 
 
O primeiro esclarecimento relevante de Aurich é o que descarta a tese de mando. Percebendo que a investigação tomava caminhos tortuosos nas mãos da dupla que comandava a Segurança (Rodney Miranda e Fernando Francischini), o coronel sugeriu, logo de cara, que o melhor caminho para se garantir uma investigação limpa e isenta era a federalização do crime. 
 
A posição do coronel, porém, não agradava Hartung, que não queria a ação federal no seu neófito governo. Preferiu confiar a condução do caso ao seu secretário de Segurança. O coronel revelou ao júri que passou a sofrer ameaças do então presidente do Tribunal de Justiça, ex-desembargador Alemer Ferraz Moulin, que também era contrário à federalização. O grupo referendado pelo governador, que defendia que o juiz foi executado, considerava o coronel uma pedra no caminho da tese do mando, já que ele passou a questioná-la. Tanto pressionaram, que Aurich percebeu que seu lugar não era ali, e decidiu deixar a chefia da Casa Militar.
 
Outro importante levantado por Aurich no júri foi o depoimento da personal trainer do juiz, Júlia Eugênia Fontoura. Ela disse que  Alexandre, poucos dias antes de ser morto, lhe contara que temia pela vida dele. O coronel Aurich, que atuava no Palácio Anchieta na época dos fatos, contou que recebeu uma cópia do depoimento de Júlia, em primeira mão.
 
De acordo com Aurich, o promotor lhe entregou o depoimento – que teria marcas para evitar um eventual vazamento – para que repassasse a Hartung, já que o procurador-geral da Justiça à época, José Maria Rodrigues, não havia conseguido uma agenda com o governador. O coronel da reserva relatou ao júri que entregou o documento ao governador, que não teria esboçado qualquer reação ao conteúdo do depoimento da personal trainer.
 
O depoimento de Júlia Eugênia é um dos mais importantes do caso, porque pode ajudar a explicar um suposto plano para forjar o mando. É o depoimento de Júlia que envolve o então governador Paulo Hartung no enredo do crime. Ela declara ao delegado Danilo Bahiense que o juiz, que a tinha como confidente, revelara que havia estado com o governador (há quatro ou cinco dias antes do crime), e que ele recomendara que Alexandre usasse escolta policial. O juiz teria confidenciado à amiga que teria dito ao governador que ele mesmo escolheria os policiais. Ao narrar essa conversa a Júlia, Alexandre teria dito que já sabia que queriam matá-lo. 

 

Textualmente, segundo o depoimento de Júlia, o juiz teria afirmado o seguinte: “Quando ele me ofereceu segurança, eu já sabia que a intenção dele era me matar, e por isso aceitei, se resistisse, tiraria a responsabilidade deles, e se algo acontecesse comigo, eles ficariam livres, poderiam dizer, oferecemos segurança, e ele não aceitou”.
 
Nesta mesma conversa o juiz teria segredado a Júlia que possuía fitas gravadas que eram do conhecimento de Hartung. O conteúdos dessas fitas registravam conversas que apontavam indícios de corrupção na prefeitura de Vitória entre 1993 a 1996, período em que Hartung era prefeito da capital. Alexandre preveniu o governador que fizera dez cópias da fita e as teria entregue a pessoas de sua confiança, como uma medida de segurança para preservar as provas, caso lhe acontecesse alguma coisa. 
 
Na condição de chefe da Casa Militar, o coronel Aurich, ao tomar conhecimento do depoimento bombástico da personal trainer, levou os fatos ao conhecimento do governador. Aurich contou ao júri que ao questionar o governador sobre quais providências deveriam ser tomadas, o governador teria lhe dito que “resolveria pessoalmente” a situação. O “resolver pessoalmente” dá margem para interpretar toda a caudalosa versão que pode ter sido construído a partir desse infortúnio envolvendo o nome do governador.
 
Nesses de júri, assim como esse importante testemunho do coronel Aurich, os depoimentos do ex-prefeito Neucimar Fraga também apresentaram elementos que corroboram para sustar a tese de mando. Na época do crime, Neucimar era vice-presidente da Comissão de Segurança da Câmara dos Deputados. Na ocasião, o então parlamentar apresentou um requerimento para criação de uma comissão especial para acompanhar a investigação do Caso Alexandre. 
 
Entre outras revelações, Neucimar disse que num encontro com o então procurador da República, José Roberto Santoro – já aposentado e hoje é advogado de Hartung – Santoro teria dito que colocariam o crime do juiz Alexandre “na conta de Ferreira”. Neucimar também registrou que o ex-subsecretário de Segurança, Fernando Francischini, revelou ao então deputado que deixara o governo Hartung por não concordar com a linha de investigação que estava sendo dada ao crime.
 
Os depoimentos dos assassinos confessos do juiz, Odessi Martins da Silva Júnior, o Lumbrigão, e Giliarde Ferreira, também desconstroem a tese de mando e ratificam que o crime foi um estúpido latrocínio. 
 
Lumbrigão revelou ao júri que inventou a versão do mando para cessar as torturas que vinha sofrendo por parte de policiais comandados pelo delegado Danilo Bahiense. Giliarde também denunciou que foi torturado pela polícia
 
De outro lado, reportagem publicada nessa quarta-feira (27) por Século Diário apresenta a versão para a prisão do coronel Ferreira do então comandante-geral da PM, o coronel Carlos Carvalho Loureiro. Segundo o oficial da reserva, Danilo Bahiense mentiu ao afirmar que o coronel Ferreira foi algemado durante sua transferência do Quartel de Maruípe para um presídio de segurança máxima em Rio Branco, Acre, no dia 4 de dezembro de 2002. “O coronel Ferreira não foi algemado em nenhum momento”, garantiu o coronel Carvalho.
 
Durante seu depoimento, Bahiense usou uma frase de efeito para incriminar o coronel Ferreira como mandante do crime. “Quando Alexandre transferiu Ferreira para o Acre, o algemou em frente às câmeras, Ele assinou sua sentença de morte”, cravou Bahiense.
 
A frase, que segundo o coronel Carvalho é mentirosa, estampou a manchete do jornal A Gazeta no dia seguinte ao depoimento de Bahiense: “Juiz assinou sentença de morte ao algemar Ferreira”, dando grande peso ao depoimento do delegado.
 
Ainda vai passar muita água por debaixo da ponte até segunda (31), provável data do encerramento do júri. O clímax está reservado para a fase final do júri, quando acusação e defesa deverão travar longos debates a partir de todos os depoimentos e provas arrolados de ambos os lados.

 

É difícil imaginar o que se passa na cabeça de cada um dos jurados. O caso é complexo, cheio de desdobramentos e com muitas perguntas ainda sem respostas. Para confundir ainda mais a cabeça dos jurados, os depoimentos, alguns com muita convicção e legitimidade, como o do coronel Aurich, revelam que a história tem uma outra versão, muito diferente daquela que vem sendo martelada há 12 anos por parte da imprensa e defendida por importantes autoridades deste Estado, que não têm nenhum interesse que a tese de mando seja derrubada. Eles sabem que se isso acontecer, passarão por farsantes. 

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