Até onde se sabe, nenhum juiz teve coragem de recusar o auxílio- moradia, o mais recente privilégio da casta funcional mais bem remunerada do país e protegida constitucionalmente por três invejáveis garantias: indemissilidade, inamovilidade e irredutibilidade dos salários. Com essa trinca de “ades”, os magistrados estariam teoricamente livres de perseguições políticas e de tentações corruptivas, e poderiam até dispensar benesses que afrontem o espírito democrático.
Para um pobre mortal situado na base da pirâmide social, é afrontoso ver os senhores magistrados aceitarem o benefício alegando que é legal e que uma recusa, ostensiva ou discreta, seria mal vista pela categoria. Nisso, ao contrário da lenda, a magistratura não foi lerda.
Corporativismo é assim, começa na primeira instância e sobe até o STF, consagrando privilégios que operam em favor da desigualdade socioeconômica no Brasil.
Seria mais justo se o dinheiro do auxilio-moradia fosse aplicado em favor da segurança do patrimônio público — escolas, creches e postos de saúde – frequentemente depredado por gente sem noção de direitos e deveres sociais.
Por mais meritocrático que seja, o sistema do Judiciário abriga e cultiva privilégios incompatíveis com o estágio de (sub)desenvolvimento do Brasil.
Além de não ter coragem de corrigir distorções como as férias de 60 dias, que agridem a cidadania, a maioria dos magistrados adota como seu o estilo de vida da classe dominante.
O juiz Sergio Moro tornou-se uma celebridade festejada dentro e fora do Brasil, mas seu modus operandi é criticado como autoritário, faccioso e destinado a favorecer um partido político.
Acusação semelhante se faz ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que costuma fazer declarações destemperadas sobre temas políticos.
Câmeras, holofotes e microfones exercem fascínio sobre quaisquer pessoas, mas são particularmente perigosos quando apontados para detentores de alguma espécie de poder.
Os picados pela mosca azul atraem bajuladores em busca de vantagens.
A personalidade em evidência no momento é a ministra Carmen Lucia, presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça.
Atletas, empresários, jornalistas, juízes, militares, ministros, parlamentares, pastores religiosos, policiais, procuradores: acautelem-se, discrição e parcimônia são virtudes desejáveis no momento em que o Brasil está atônito diante de uma sucessão de fatos negativos.
Além da crise econômica, os brasileiros estão digerindo o trauma do impedimento presidencial e o triste espetáculo da Operação Lava Jato.
Em cima de bases desiguais não se construirá um país equilibrado e feliz.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Segundo sejas tu miserável ou forte
Áulicos te farão detestável ou puro.”
La Fontaine em tradução de Machado de Assis para o poema “Os animais iscados da peste”