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O Nobel para Lygia

Cada autor tem sem jeito, seu estilo, suas técnicas de criação e inspiração. A novidade, nada nova por sinal, é que a geografia, ou a nacionalidade talvez, também influi nesse processo. Autor americano que se preze não escreve nem lista de supermercado sem fazer um rascunho antes, delineando a história, os personagens, os locais, os conflitos e resoluções, e finalmente, o fim. Não me consta que os autores brasileiros sejam tão organizados, mas cada um acha seu jeitinho.

Uns gostam de começar pelo final, outros preferem  terminar no começo. Saramago conta que escreve primeiro o título, e depois cria uma história para ele. Certa vez leu por engano numa banca de revistas o título de artigo de capa, O Evangelho Segundo Jesus Cristo. Gostou, usou, e deu no que deu.  Com escritores menos abençoados, isso pode acontecer, mas é raro. Mas se formos descrever o modo como cada grande obra foi criada, encheríamos mil páginas sem nada esclarecer.

 
Minha amiga Elisa me diz que quer escrever um livro de memórias, contando suas experiências como professora pública de bairro pobre de Nova York, com imigrantes de todas as partes do mundo. Tudo porque uma cartomante lhe disse que ela vai ganhar muito dinheiro escrevendo um livro. Não sei de ninguém que tenha enriquecido com um livro de memórias, mas algo parecido foi dito pra Joanne Rowling, Ninguém fica rico escrevendo livro infantil. Há sempre uma primeira vez para tudo, portanto, sejamos otimistas.
 
Pergunto a quantas anda o livro que a deixará rica e Elisa diz que ainda não conseguiu escrever uma só palavra. Conto a técnica do Saramago e sugiro que crie o título primeiro, e talvez ele se torne a mola propulsora da inspiração. Ora, não preciso de mola propulsora, tenho tudo na cabeça, e estou sempre contando minhas histórias para quem quiser ouvir. Sugiro então que, se tem dificuldade em escrever, que use um gravador… Ah, já tentei, mas fico inibida. Como se vê, ser escritor é fácil, o difícil é escrever.
 
O grande drama do escritor é o chamado bloqueio mental, ele quer escrever mas a inspiração não vem, dá um branco absoluto, como na cegueira branca do já duas vezes citado  Saramago. No caso da Elisa, dá-se o contrário: a inspiração tá lá, falta o jeito de escrever.  Sugiro que arregace as mangas e ponha no papel ou na telinha qualquer coisa que venha à cabeça, sem rascunhos, esquemas, anotações em papelzinho autocolante. Esquece estilo, técnica, gramática e empecilhos outros, e a obra acaba se impondo em meio ao marasmo.
 
A moça do título, Lygia Fagundes Telles,  disse que só consegue escrever estando devidamente pronta, arrumada e maquiada… ou foi a Clarice quem disse? Quando ganhei o Primeiro Prêmio São Paulo de Literatura pelo romance O longo amanhecer azul, Lygia foi prestigiar e tive o prazer de conhecê-la. Linda e simpática! Parabéns e boa sorte pra ela na conquista do Nobel, que estamos muito precisados de um. Mas estou feliz só com a indicação – Lygia é a primeira indicada que tive a honra de conhecer.

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