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Power Point e a pós-verdade

Durante a campanha eleitoral de 2014 ao governo do Estado, o então candidato Paulo Hartung (PMDB) costumava criticar o rival Renato Casagrande (PSB) acusando-o de criar “factóides”. “Uma coisa você não vai ver no meu governo”, prometia Hartung. “Não vai ver projetos Power Point, não vai ver factoide”. 
 
A crítica, porém, feita ao rival acabou queimando a língua de Hartung. Nesta terça-feira (3), o secretário de Segurança Pública, André Garcia, apresentou o balanço dos homicídios no Estado em 2016: um verdadeiro “show de Power Point” e “factoides”. 
 
Logo de cara, a primeira lâmina da apresentação comemorava a redução do índice de homicídio em 2016 na comparação com 2015. “A maior redução de homicídios já registrada no Espírito Santo”. 
 
Repleto de ilustrações e gráficos de efeito, os slides seguintes enalteciam os resultados da gestão Paulo Hartung. Depois de uma década figurando na vice-liderança do ranking nacional de assassinatos, seria até compreensível que o governador quisesse registrar índices positivos sobre um tema sempre tão árido em suas gestões. Afinal, Hartung poderia finalmente mostrar a desaceleração dos crimes de homicídio nos últimos anos como mais uma “entrega” do seu governo mesmo em tempos de crise. Só um parênteses. Seria prudente também que o governador reconhecesse que essa redução teve início no governo Casagrande, que fez investimentos robustos na Segurança. 
 
Mas deixando os créditos de lado — seria ingenuidade esperar que políticos bebam na fonte da ética —, os dados apresentados por André Garcia mais lembravam uma propaganda institucional. Faltou o secretário de Segurança exibir dados técnicos sobre a realidade dos homicídios no Espírito Santo.
 
Chega a ser sensacionalismo se vangloriar de uma “redução de 50%” no índice de assassinatos, como anunciava uma das lâminas. Um gráfico de barra comparava o índice recorde de assassinatos (58,3) de 2009 — aliás, taxa registrada no governo Paulo Hartung — com o de 2016, de 29,7 homicídios por 100 mil habitantes. 
 
Comparar o pior índice com o melhor para chegar ao número mágico de 50% de redução é forçar muito a barra. Apesar de exibir a série histórica de 1979 para cá, Garcia omite que os índices mais sangrentos foram registrados justamente nas gestões de seu chefe. A curva do gráfico deixa isso claro até para os observadores mais distraídos. 
 
Em seguida, uma sequência de slides ilustrados exibia a redução em cada um dos quatro principais municípios da Grande Vitória como um feito sem precedentes. Outra lâmina informava que 67 municípios capixabas registraram dois homicídios por mês, como se esse fosse um número para se comemorar de olhos fechados. Não é bem assim. Dois homicídios por mês, ou 24 por ano, em um município de cerca de 30 mil habitantes, corresponde a uma assustadora taxa de 80 homicídios/100 mil. De outro lado, 11 municípios não terem registrados nenhum assassinato em 2016 não deixa de ser uma ótima notícia. 
 
É preciso reconhecer que os homicídios estão em desaceleração no Espírito Santo. Esse dado por si só, é verdade, já é positivo. Mas é preciso parcimônia para analisar esses dados sem cair nas armadilhas marqueteiras.
 
André Garcia, que esteve ao lado do então secretário Rodney Miranda no segundo governo de Hartung, atravessou o governo Casagrande e foi mantido no terceiro mandato do peemedebista, já acumula um dos currículos mais longos na Segurança capixaba. Por conhecer bem realidade, deveria tratar os dados de maneira mais técnica e menos festiva. Deveria, por exemplo, explicar melhor os 1.181 registrados pela Secretaria de Segurança em 2016. Informar, por exemplo, à sociedade qual o perfil das vítimas? 
 
De acordo com o Mapa da Violência, sabemos que o perfil das vítimas de homicídios no Espírito Santo, em sua maioria, é composto por jovens negros, moradores dos bolsões de pobreza das grandes cidades. Zonas de conflito social cujo Estado é ausente e prevalecem as “leis” do crime organizada, que coopta facilmente esses jovens para a criminalidade, abreviando suas vidas. 
 
É esse tipo de dado de realidade, por exemplo, que faltou na apresentação “marqueteira” de Garcia. Essa informação seria importante para entender o fenômeno da violência no Estado e orientar políticas públicas que sejam capazes de transformar essa realidade cruel que tolhe as vidas dos mais jovens.
 
Emprestando as palavras de Hartung, o abuso do Power Point pode gerar factoides. Apenas factoides. 

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